E se pagássemos para usar o multibanco? E como funciona lá fora?

Os maiores banqueiros em Portugal defendem a cobrança das operações nas caixas automáticas. A Deco opõe-se à mudança da lei. Perguntas e respostas para entender o que está em causa.

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A lei proíbe a cobrança de comissões em quase todas as operações feitas no Multibanco DR

Pagar ou não pagar: o debate surgiu esta quarta-feira, quando os líderes dos principais bancos em Portugal defenderam que deveriam existir comissões associadas às operações feitas em caixas multibanco. Ainda que noutros países existam custos associados às operações feitas em caixas automáticas, Portugal tem um decreto-lei que proíbe que tal seja taxado. 

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Pagar ou não pagar: o debate surgiu esta quarta-feira, quando os líderes dos principais bancos em Portugal defenderam que deveriam existir comissões associadas às operações feitas em caixas multibanco. Ainda que noutros países existam custos associados às operações feitas em caixas automáticas, Portugal tem um decreto-lei que proíbe que tal seja taxado. 

O que está em causa?

Ainda que a proposta tenha sido apresentada em traços gerais, o objectivo seria existir uma cobrança de comissões nas operações realizadas através de terminais automáticos da rede Multibanco.

Actualmente, não existe em Portugal qualquer custo associado às operações feitas nestas caixas, a não ser num pequeno conjunto de operações (como os levantamentos de dinheiro a crédito).

Quem defende a cobrança?

A proposta foi defendida pelos presidentes executivos dos bancos BCP, BPI, Caixa Geral de Depósitos (CGD) e Novo Banco na quarta-feira, na conferência CEO Banking Forum, em Cascais.

No caso da CGD, o entendimento é que “se é uma questão de prestação de serviço, se o serviço tem valor, deve ser pago”, porque “não é justo achar que os trabalhadores do banco não devem ser remunerados pelo serviço que prestam”, disse o presidente executivo da Caixa, Paulo Macedo.

O líder do Novo Banco, António Ramalho, concordou com os outros presidentes executivos e considerou que “20 euros” não são “caros” por um cartão “que faz um conjunto de funções notável” (referindo-se a anuidades).

Antes, na terça-feira, o presidente do Santander Totta, Pedro Castro e Almeida, criticou por várias vezes a isenção de encargos para os clientes do sistema multibanco: “Aqui em Portugal temos custos de contexto interessantes, não se paga taxas nas ATM [caixas multibanco automáticas] e isso tem custos para o banco, tal como o MB Way tem custos para o banco”, disse.

Na conferência de quarta-feira, houve quem defendesse que deve haver coesão internacional e que as regras deveriam ser as mesmas em toda a zona euro. “A minha opinião não é se deve ser pago ou não deve ser pago, deve ser que na união bancária haja as mesmas regras”, afirmou o presidente executivo do BCP, Miguel Maya. E acrescentou: “Se for gratuito, deve ser gratuito em toda a zona euro. Se é pago, concretamente em que todos os serviços têm um custo suportado pelo cliente, então que seja uniforme na união bancária”.

Mas como funciona o sistema na União Europeia?

Ainda que em Portugal não existam custos associados às operações feitas em terminais automáticos, o cenário não é idêntico no resto da Europa.

Um​ estudo de 2018 do Centro de Estudos Políticos Europeus (CEPS) sobre o futuro das caixas multibanco diz que os custos nos países europeus são variáveis e dependem dos bancos e do tipo de transacção feita no terminal automático. A investigação analisa os custos em oito países: Portugal, Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Polónia, Espanha e Suécia.

Além de Portugal, onde as operações são gratuitas, a Bélgica não tem comissões associadas aos levantamentos em caixas automáticas, independentemente de ser do próprio banco ou não. Também na Suécia, “um dos países em que se usa menos dinheiro vivo”, os levantamentos de dinheiro não têm qualquer custo associado – mas tal pode acontecer com transferências bancárias.

Há ainda casos em que os levantamentos não são acrescidos de uma taxa, a não ser que sejam feitos em terminais de outros bancos que não o do utilizador – é o caso de França e da Grécia. E também na Alemanha, onde levantar dinheiro numa caixa automática pertencente a outro banco pode levar a que o utilizador pague cinco euros de taxa.

Em Espanha, estas comissões são a principal fonte de rendimento das caixas automáticas e paga-se quase sempre uma taxa quando se levanta dinheiro em caixas de outros bancos. Na Polónia, mais de metade das caixas automáticas é independente (como a Euronet, que também opera em Portugal), mais do que em qualquer outro destes países e a maior parte dispensa taxas.

Quem está contra e porquê?

Na sequência das notícias sobre o pagamento de operações no multibanco, a Deco (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) mostrou-se “totalmente contra a cobrança de comissões” na rede Multibanco.

Ao PÚBLICO, o economista Vinay Pranjivan explicou que a Deco não concorda com “a alteração de um paradigma que visou a melhor disponibilização de serviços” e que também promoveu a inovação. Acrescentou ainda que “a legislação portuguesa nesta matéria deve ser considerada como uma boa prática e um benchmarking [boas práticas] dentro da União Bancária, e não o efeito inverso, seguindo as práticas de outros países”.

E o que está previsto na lei portuguesa?

O decreto-lei nº3/2010 de 5 de Janeiro prevê a gratuitidade das operações realizadas nas caixas automáticas e foi uma iniciativa do antigo secretário de Estado da Defesa do Consumidor Fernando Serrasqueiro, no Governo de José Sócrates (PS). O decreto-lei “consagra a proibição de cobrança de encargos pela prestação de serviços de pagamentos e pela realização de operações em caixas multibanco”, incluindo levantamentos, depósitos ou pagamento de serviços.

O Banco de Portugal reforça-o num dos seus cadernos: “Em Portugal, está legalmente proibida às instituições de crédito a cobrança de quaisquer encargos directos pela realização de operações bancárias em caixas automáticas”.

Quem coordena as caixas multibanco a nível nacional?

A rede Multibanco foi criada pela SIBS (Sociedade Interbancária de Serviços) em Setembro de 1985 e foi considerada um serviço pioneiro, tendo disponibilizado terminais por todo o país que permitiam executar operações bancárias a qualquer hora, sem necessidade de o utilizador se dirigir a um banco. O Banco de Portugal considera que a qualidade e extensão da rede Multibanco deu a Portugal “uma posição de relevo no contexto europeu dos pagamentos electrónicos automáticos de produtos e serviços”. 

O estudo do CEPS aponta no mesmo sentido: as máquinas automáticas em Portugal “tendem a ter funcionalidades muito avançadas quando comparadas com o resto da Europa”.

Quantos terminais multibanco existem em Portugal?

O Banco de Portugal refere que, em 2012, existiam 1569 caixas multibanco por cada milhão de habitantes (o número mais elevado da União Europeia); a média europeia era de 864 caixas por cada milhão de habitantes. Segundo os dados disponíveis no site da SIBS relativos ao ano passado, existem 11.570 terminais multibancos activos por todo o país. Em 2018 foram feitos quase 437 milhões de levantamentos (no valor de mais de 29 mil milhões de euros) em Portugal. Ao todo, foram feitas perto de 902 milhões de operações em terminais multibanco.

Que passos teriam de ser seguidos para a cobrança entrar em vigor?

Como a lei proíbe a cobrança de comissões na maior parte das operações feitas nos terminais multibanco, seria preciso alterar a legislação para esta medida poder ser aplicada.