Ainda há 600 mil portugueses em privação severa, mas número nunca foi tão baixo

Cerca de 6% da população não tinha, em 2017, condições para responder a necessidades económicas básicas ou para aceder a determinados bens. Durante a crise, era o dobro.

Foto
Joana Goncalves

Mais de 615 mil pessoas viviam, em 2017, numa situação de privação material severa. Significa isto que 6% da população não tinha condições para responder a necessidades económicas básicas ou para aceder a determinados bens. Este indicador, que é revelado pelo Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, publicado esta terça-feira, atingiu o valor mais baixo desde que é calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), há 15 anos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Mais de 615 mil pessoas viviam, em 2017, numa situação de privação material severa. Significa isto que 6% da população não tinha condições para responder a necessidades económicas básicas ou para aceder a determinados bens. Este indicador, que é revelado pelo Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, publicado esta terça-feira, atingiu o valor mais baixo desde que é calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), há 15 anos.

Aumentar

Esta evolução é classificada como “extremamente positiva” por Carlos Farinha Rodrigues, professor de Economia do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa e especialista em temas de pobreza. Além de o valor global deste indicador ser o mais baixo desde 2004, uma análise mais detalhada permite perceber que, por exemplo, o número de pessoas com atrasos no pagamento de rendas ou outros encargos com habitação se situa actualmente em 6,6%. É também o valor mais baixo em 15 anos – eram então 9% - e representa uma queda para quase metade face ao valor atingido em 2014, no pico da crise económica. Nessa altura, 12% das pessoas não conseguiam assegurar estas despesas.

privação material é um indicador que mede a impossibilidade de acesso a um conjunto de necessidades económicas ou bens. Considera-se que essa impossibilidade constitui também um factor que aumenta o risco de exclusão social. Para o cálculo são considerados nove itens, entre os quais a incapacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada sem recorrer a empréstimo ou a incapacidade de ter uma refeição de carne ou de peixe (ou um equivalente vegetariano), pelo menos de dois em dois dias.

O INE considera ainda para este indicador a indisponibilidade de uma determinada pessoa possuir bens como televisor a cores, telefone (fixo ou móvel) ou automóvel devido a dificuldades económicas. A privação material severa corresponde às situações em que numa família, por motivos económicos, não existe acesso a pelo menos quatro dos nove itens.

32 mil no Alentejo

A taxa de privação material severa em Portugal era de 6% em 2017. O Alentejo era a região onde menos (em percentagem) pessoas viviam nesta situação: 4,5% dos residentes, o que corresponde a 32 mil pessoas. Algarve (29 mil pessoas), Açores (29 mil) e Madeira (24 mil) tinham valores absolutos ainda mais baixos. A maioria da população em privação material severa encontrava-se na região Norte (229 mil pessoas) e na Área Metropolitana de Lisboa (164 mil).

Os dados definitivos do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, divulgados esta terça-feira, confirmam os números que já tinham sido avançados em Novembro quando foram conhecidos os dados preliminares deste inquérito conduzido pelo INE. Há quase 1,8 milhões de pessoas (17,3% dos residentes) em risco de pobreza. Esse resultado significa uma queda de um ponto percentual no número de pessoas em risco de pobreza face ao ano anterior. Nunca houve tão poucos pobres no país.

O professor do ISEG Carlos Farinha Rodrigues sublinha que a versão final do inquérito permite fazer um retrato ainda mais positivo da evolução dos indicadores de desigualdades. O Coeficiente de Gini, que reflecte as diferenças de rendimentos entre todos os grupos populacionais, foi de 32,1% em 2017, menos 0,5 pontos percentuais do que o que tinha sido apresentado em Novembro. E 1,4 pontos percentuais abaixo do que se verificou no ano anterior.

Aumentar

O Coeficiente de Gini é um indicador de desigualdade na distribuição do rendimento, que sintetiza num único valor a assimetria dessa distribuição. O seu valor é 0 quando todos os indivíduos têm igual rendimento ou 100 quando todo o rendimento se concentra num único indivíduo.

Carlos Farinha Rodrigues valoriza, por isso, a “evolução positiva” global dos indicadores divulgados pelo INE, mas diz que é necessário “continuar um grande esforço para reduzir ainda mais” a pobreza em Portugal. O sociólogo Sérgio Aires, que liderou a Rede Europeia Anti-Pobreza, aponta no mesmo sentido ao analisar estes dados. “Não é possível rejubilar completamente. Ainda há muita coisa a fazer”, afirma, alertando para o facto de haver, um pouco acima do limiar da pobreza definido pelos critério do INE, “muitos portugueses que estão ainda em situações difíceis”.

Já o Governo veio valorizar o facto de os dados do INE mostrarem uma redução da pobreza ao longo dos quatro anos de legislatura. A taxa de risco de pobreza passou de 19,5% em 2013 para 17,3% em 2017, o que significa que nesse ano menos 253 mil pessoas estavam em risco de pobreza do que no início do mandato. Os indicadores “revelam uma melhoria das condições de vida e rendimento da população portuguesa a partir de 2015”, salienta o ministério do Trabalho e da Segurança Social, num comunicado citado pela agência Lusa.

Aumentar

Mais 1600 euros em Lisboa

O Inquérito do INE permite também conhecer as diferenças de rendimento dentro do país. Os habitantes da Área Metropolitana de Lisboa ganharam mais quase 1600 euros por ano do que os restantes portugueses. A região da capital foi a única em que os rendimentos monetários líquidos equivalentes foram superiores à mediana nacional, em 2017.

O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento revela que o rendimento mediano em Portugal em 2017 foi de 9346 euros anuais. Em Lisboa, chegou quase aos 11 mil euros por ano (10.943). Esse valor é “significativamente mais elevado” na Área Metropolitana de Lisboa, sublinha o organismo público no relatório de apresentação deste inquérito.

Em sentido contrário, o rendimento é “mais baixo nas regiões autónomas”, lê-se no mesmo documento. Na Madeira, o rendimento mediano ficou 1020 euros abaixo da média nacional. Os Açores têm o pior registo de todas as regiões nacionais. O rendimento monetário líquido foi de 7517 euros, em 2017, menos 1829 do que a mediana do país — e 3426 euros abaixo do de quem vive na Grande Lisboa.