Economia portuguesa – expectativas, propaganda e factos
Ficou agora finalmente claro para os portugueses que o governo entende que o aumento de despesa pública não tem, como seria de esperar e como sempre muitos disseram, um impacto relevante sobre o crescimento económico sustentado.
A ameaça de demissão do governo na sequência da eventual aprovação de medidas que garantem exatamente a promessa de reposição de tempo de serviço congelado aos professores revela que, para muitos, a política é um jogo em que o que mais interessa é a manutenção do poder e, neste caso concreto, tem ainda outras coisas muito curiosas (ou não, tendo em conta os protagonistas). Desde logo, revela que foram criadas expectativas que nunca se confirmarão, pelo que revela a falácia da “geringonça” a longo prazo e os seus fundamentos, pelo menos nos moldes em que foi apresentada em 2015.
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A ameaça de demissão do governo na sequência da eventual aprovação de medidas que garantem exatamente a promessa de reposição de tempo de serviço congelado aos professores revela que, para muitos, a política é um jogo em que o que mais interessa é a manutenção do poder e, neste caso concreto, tem ainda outras coisas muito curiosas (ou não, tendo em conta os protagonistas). Desde logo, revela que foram criadas expectativas que nunca se confirmarão, pelo que revela a falácia da “geringonça” a longo prazo e os seus fundamentos, pelo menos nos moldes em que foi apresentada em 2015.
Nessa altura, “venderam-nos a receita” com o argumento de que a devolução de rendimentos gerava crescimento económico e ainda hoje, quase todos os dias, ouvimos os mesmos dizer que a performance económica tem sido espetacular. Como?! Podem, claro, dizer-nos o que quiserem, mas a verdade é que os números reais revelam que, no computo dos anos 2015–2018, o país estagnou face à média da União Europeia: cresceu menos 0,5 e 0,1 pontos percentuais em 2015 e 2016, respetivamente, e cresceu mais 0,4 e 0,2 pontos percentuais em 2017 e 2018, respetivamente. Acresce que, a manter-se o atual estado de coisas, se espera que, face à média da UE, cresça menos 0,2, 0,3 e 0,3 pontos percentuais em 2019, 2020 e 2021. Para perceber quão medíocre isto é, diga-se que não houve inversão da tendência do pós-ano 2000, sendo que essa tendência revela um desempenho económico ainda pior que o do Japão na denominada “década perdida” entre 1992 e 2002, e semelhante ao desempenho americano na altura da “grande depressão” entre 1929 e 1939. Conclusão: com este ritmo de “tão espetacular” performance económica, nós, os “pobres” portugueses, ficaremos cada vez mais pobres no contexto europeu, pelo que, mais cedo ou mais tarde, todos os portugueses perceberão que andaram a ser enganados.
Em 2015, disseram-nos, portanto, que o crescimento económico decorrente da devolução de rendimentos seria tão espetacular que a melhoria da receita fiscal suplantaria o aumento de despesa. Agora, com a ameaça de demissão que, na lógica do jogo político, interessa nesta altura, vêm finalmente dizer-nos precisamente o contrário. Implicitamente, dizem-nos agora que o aumento da despesa pública decorrente do cumprimento da expectativa criada de reposição do tempo de serviço perdido por professores e, eventualmente, por outros funcionários públicos seria fatal para o equilíbrio orçamental, face ao resultante aumento de despesa pública. Ou seja, implicitamente, não teria impacto ou o impacto seria muito marginal no crescimento económico e, portanto, na receita fiscal, pelo que o saldo orçamental se degradaria pelo aumento da despesa. Como diz o ditado popular, mais vale reconhecer a verdade tarde que nunca. Conclusão: ficou agora finalmente claro para os portugueses que o governo entende que o aumento de despesa pública não tem, como seria de esperar e como sempre muitos disseram, um impacto relevante sobre o crescimento económico sustentado de longo prazo e serve apenas para agravar as contas públicas, e ficou igualmente claro que defender o Estado no longo prazo exige finanças públicas saudáveis e sustentáveis.
Prometeram-nos a devolução de todo o tempo perdido, funcionários públicos motivados, serviços públicos de qualidade e, enfim, quase o céu. Porém, face à triste realidade do marginal impacto da devolução de rendimentos no crescimento económico, o equilíbrio das contas públicas passou a necessitar de “apagar” tempos perdidos e, por falta de “euros” para investimento público, a necessitar também da degradação de todos os serviços públicos. As expectativas criadas vão-se, portanto, desvanecendo. Era para mim um enigma como tão medíocre real desempenho económico não coincidia com convulsões políticas e sociais, embora perceba que assim seja face ao controlo dos partidos no poder sobre sindicatos tradicionais e sobre meios de comunicação. A emergência de novos e independentes sindicatos e de novos partidos, as atuais sucessivas greves, o ambiente de mal-estar de quem trabalha e a necessidade de vitimização para escolher o momento apropriado para as eleições legislativas revelam, no mínimo, que vivemos num contexto de crescente incerteza.
Em 2015, era mais ou menos consensual que havia pelo menos oito grandes problemas na economia portuguesa. Um tinha a ver com a fraca poupança que, por isso, não permitia a acumulação desejada do capital físico. Outro tinha a ver com a baixa escolaridade, apesar de enormes investimentos na educação. Outro ainda sustentava que a gestão era de fraca qualidade, sobretudo nos recursos humanos e que, por isso, os trabalhadores eram pouco produtivos. Um quarto problema enfatizava a necessidade de reformar o mercado de trabalho para que se premiasse “um pouco” o mérito. Um quinto problema tinha a ver com a necessidade de reformas estruturais que implicassem mais concorrência e melhor afetação dos recursos escassos existentes. Um sexto problema apontava para a necessidade de, por um lado, proteger menos os grupos de pressão com peso político e financeiro, e, por outro lado, de fomentar o empreendedorismo. Um sétimo problema, relativamente novo na altura, tinha a ver com a enorme dívida pública que impedia as mudanças necessárias por falta de fundos públicos disponíveis para implementar reformas e gerava demasiada incerteza sobre os impostos futuros para permitir uma recuperação do investimento privado. Um oitavo problema tinha a ver com as fragilidades do sistema financeiro. Conclusão: havia pelo menos oito grandes problemas em 2015 e continua a haver os mesmos oito grandes problemas em 2019; em particular, ainda hoje, o caso Novo Banco revela que o sistema financeiro está a recompor-se e que, na hora do governo decidir a alocação de recursos, não há volta a dar, decide sempre a favor do sistema financeiro contra os trabalhadores.
Em Portugal, em 2019, mantém-se, portanto, a tendência de medíocre desempenho económico do pós-ano 2000, apesar da conjuntura favorável, a tendência para quebra de expectativas e a tendência para ter ao leme os mesmos políticos, só que agora cada vez com mais membros das respetivas famílias. Pelo menos a coerência mantém-se.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico