Souto de Moura: “A Casa da Arquitectura não é um jazigo como outras instituições”
O arquitecto vai depositar o conjunto do seu acervo em Matosinhos. Uma escolha sem surpresa, privilegiando uma instituição nova que diz ser um exemplo de como tratar a arquitectura como coisa viva.
Não é a primeira vez que Eduardo Souto de Moura deposita peças do seu arquivo profissional na Casa da Arquitectura. Mas o gesto que o arquitecto portuense repetiu esta segunda-feira, já na nova sede da instituição de Matosinhos, significa o reconhecimento de que vê nesta casa o lugar certo para o seu acervo, um lugar capaz de preservá-lo, tratá-lo e colocá-lo ao serviço do público interessado pelas questões desta disciplina.
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Não é a primeira vez que Eduardo Souto de Moura deposita peças do seu arquivo profissional na Casa da Arquitectura. Mas o gesto que o arquitecto portuense repetiu esta segunda-feira, já na nova sede da instituição de Matosinhos, significa o reconhecimento de que vê nesta casa o lugar certo para o seu acervo, um lugar capaz de preservá-lo, tratá-lo e colocá-lo ao serviço do público interessado pelas questões desta disciplina.
“Hoje podia ser um dia triste para mim, mas não é: é antes a satisfação de ver reconhecido o meu trabalho”, disse o arquitecto Prémio Pritzker 2011 na sessão formal de assinatura do contrato de depósito do seu acervo na instituição que em Outubro de 2017 foi inaugurada na antiga fábrica da Real Vinícola.
Numa cerimónia muito concorrida, e à qual compareceu também a ministra da Cultura, Graça Fonseca – que à porta foi recebida por mais uma ruidosa manifestação dos “Lesados do BES”, com buzinas e palavras de ordem –, o director executivo da Casa da Arquitectura, Nuno Sampaio, começou por historiar o “longo processo de trabalho e de confiança mútua” que desde 2009 ligou Souto de Moura ao projecto lançado pela Câmara Municipal de Matosinhos.
Nesse ano, o autor da marginal da cidade foi um dos 15 arquitectos portugueses que (juntamente com o brasileiro Paulo Mendes da Rocha) assinaram um contrato-programa com vista à criação de uma instituição de alcance nacional e internacional dedicada à arquitectura. Começou por aí depositar 43 maquetas e 54 painéis com desenhos e fotografias. Em 2015, outras 400 maquetas e modelos de estudo seriam acrescentados a esse acervo, reforçado um ano depois com mais uma centena de novas maquetas.
Agora, o arquivo de Souto de Moura na Casa da Arquitectura torna-se o mais extenso e volumoso de quantos completam a colecção da instituição: ao todo, são 604 maquetas e cerca de 8500 outras peças de diferentes géneros – projectos, desenhos, correspondência, ficheiros digitais, fotografias… –, que a partir de Outubro próximo vão ser mostradas ao público na já anunciada grande exposição que a Casa vai dedicar ao arquitecto portuense.
Antes da cerimónia, Souto de Moura explicou ao PÚBLICO que a única componente que fica de fora deste contrato é a dos seus cadernos de trabalho e de esquissos. “Uma coisa muito pessoal, mas que eu permitirei também digitalizar, salvaguardando no entanto a componente de privacidade que contêm”, disse o arquitecto, especificando também que não se trata de uma doação, mas de um depósito. “Tenho três arquitectas na família, e estas coisas não são só minhas; isso está acautelado por cláusulas que serão geridas com bom senso por ambas as partes”, acrescentou.
Já na sessão, o arquitecto justificou a decisão de depositar o seu arquivo na Casa por se tratar de uma instituição “nova e feita de raiz”, muito activa, com um programa, ao contrário dos “autênticos jazigos” que são outras instituições da área em Portugal. Citou, a propósito, os casos dos arquitectos Fernando Távora e Nuno Teotónio Pereira, dois nomes fundamentais da arquitectura moderna em Portugal, cujos espólios estão depositados no Instituto José Marques da Silva (da Universidade do Porto) e na Fundação Gulbenkian, mas são invisíveis. “As instituições não devem ser meros depósitos, e a cultura não é só receber e dizer ‘Este quadro é meu’”, referiu o arquitecto, apelando à parceria das várias instituições para um trabalho conjunto nesta área.
Souto de Moura terminou a sua intervenção manifestando o desejo de que João Luís Carrilho da Graça (além de Pedro Ramalho, que já assinou um protocolo nesse sentido), ambos presentes na plateia, se tornem nos próximos inquilinos da Casa da Arquitectura.
A encerrar a cerimónia, e depois de classificar Souto de Moura como “um dos mais significativos arquitectos de toda a nossa história”, a ministra da Cultura secundou o seu apelo e defendeu também “a necessidade de união para a afirmação universal da arquitectura portuguesa”.
A componente mais significativa dos 40 anos de carreira profissional do autor da Casa das Histórias Paula Rego vai ser mostrada ao público na exposição Souto de Moura: Memória, Projectos, Obras, comissariada pelo historiador e crítico de arquitectura italiano Francesco Dal Co, ex-director da Bienal de Arquitectura de Veneza, e também pelo arquitecto portuense Nuno Graça Moura, responsável por uma exposição de Souto de Moura em Dusseldorf, em 2015.
Souto de Moura: Memória, Projectos, Obras, que terá inauguração a 18 de Outubro e decorrerá durante seis meses, vai desmultiplicar-se por vários espaços da Casa da Arquitectura. Será acompanhada por um catálogo, editado conjuntamente pela instituição de Matosinhos e pela Yale University Press, e por um programa paralelo de conferências, debates, concertos e visitas guiadas.