Existe uma “crise de percepções” na União Europeia, diz sociólogo João Peixoto

João Peixoto, sociólogo português, defende que a questão em torno dos migrantes terá influência nos resultados das eleições europeias. Portugal “tem sido um local de boas prática” nesse sentido.

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A entrada de migrantes na União Europeia registou desde 2017 uma queda acentuada daniel Rocha

A entrada de migrantes na União Europeia registou desde 2017 uma queda acentuada, mas a “crise de percepções” existente influenciará o sentido de voto nas eleições europeias deste mês, defendeu este sábado o sociólogo João Peixoto, em entrevista à Lusa.

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A entrada de migrantes na União Europeia registou desde 2017 uma queda acentuada, mas a “crise de percepções” existente influenciará o sentido de voto nas eleições europeias deste mês, defendeu este sábado o sociólogo João Peixoto, em entrevista à Lusa.

“Há vários inquéritos, os eurobarómetros e outros semelhantes, que questionam regularmente quais são as principais inquietações dos países europeus, e se formos consultar quais foram, nos últimos anos, a imigração está sempre em primeiro, segundo, terceiro lugar -- excepto em Portugal, cujos problemas têm sido outros: o desemprego, a crise, etc.”, indicou o professor universitário do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) com várias obras publicadas sobre o tema das migrações.

“Se, do ponto de vista das opiniões públicas e dos eleitorados, o tema da imigração é um tema fracturante, é claro que ele vai influenciar a forma de votar, e o que me preocupa mais nisto tudo, e acho que é essa a preocupação dos observadores, é que, na realidade, não existe actualmente na União Europeia uma crise de números [de migrantes], o que existe é uma crise de percepções”, sustentou.

Considerando que “em termos de números, as entradas na União Europeia não são as maiores de sempre nem são particularmente estranhas”, João Peixoto referiu que, por exemplo, os Estados Unidos, quase diariamente envoltos em polémicas relacionadas com a imigração ilegal, recebem legalmente no país — com o green card (autorização de residência) - um milhão de pessoas por ano.

“Ou seja, todos os anos, os Estados Unidos, que têm 200 e tal milhões de habitantes, dão a cerca de um milhão de pessoas o direito legal de entrar no território americano e até de virem a ser cidadãos americanos”, salientou.

Ora, prosseguiu, “na União Europeia, que tem uma população de centenas de milhões de habitantes, um milhão de entradas é pouco, e o milhão de migrantes que entrou na Alemanha em 2015 foi uma coisa completamente episódica”.

“A maior parte dos países [da UE] não está, de facto, a ter uma entrada brutal de pessoas. As percepções que nós temos é que estão muito inflacionadas, digamos assim: as opiniões públicas sentem em relação às entradas de refugiados enormes receios e incertezas, que têm que ver com a ameaça do desemprego, com a ameaça do fim das prestações do Estado social, com a insegurança e com o terrorismo”, apontou.

Para o especialista, que será um dos oradores da conferência intitulada “Perspectives on Migration: Political Action and Civic Engagement -- Portuguese-German Forum” (Perspectivas sobre as Migrações: Acção Política e Compromisso Cívico -- Fórum Portugal-Alemanha) que se realiza na segunda-feira em Lisboa, no ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa, “são todas estas percepções que transformam pequenos números de entradas de migrantes na ideia de uma invasão”.

“As opiniões públicas europeias sentem-se vítimas de invasão, apesar de, em termos quantitativos, o que se passa nada ter que ver com isso”, observou João Peixoto, acrescentando que “o pior é que se não houver uma análise serena dos problemas, a Europa corre o risco de comprometer o seu futuro económico e demográfico”.

Na opinião do especialista, é importante sublinhar que “todas as projecções demográficas sobre o futuro das populações europeias apontam para quedas da população — essas, sim, às vezes assustadoras” - e que “se não houver alguma compensação — por um lado, com uma tentativa de aumento da fecundidade, e, por outro, com algumas entradas de pessoas -, se não houver alguma permissão política para a entrada de pessoas, é o futuro demográfico e económico da Europa que está comprometido”.

“O que eu receio é que algumas vozes políticas mais extremistas que apostam nestes erros de percepção acabem por condicionar o nosso futuro com base nestes medos do presente que, no fundo, são medos exagerados e muitas vezes infundados”, comentou.

Em seguida, o sociólogo salvaguardou que “quando há 10%, 20%, 30% de pessoas a votar nesses partidos da extrema-direita, nem todas elas são xenófobas e racistas”.

“Os receios que as populações europeias sentem são perfeitamente legítimos: todos nós estamos assustados com as nossas reformas, ninguém sabe se vai receber uma pensão de reforma daqui a uns anos, todos nós estamos assustados com o mercado de trabalho, porque os mercados de trabalho estão altamente instáveis e ninguém sabe o que vai acontecer ao emprego no futuro, todos nós temos medo do terrorismo, [mas] se os erros de percepção não forem esclarecidos, se forem mais frequentes as mentiras do que as verdades, se o debate não for sereno, receio que a maior parte das pessoas com receios legítimos acabe por apontar para o alvo errado”, comentou.

Por isso, João Peixoto defende que “cabe aos jornalistas, aos políticos, a quem tem algum papel na sociedade civil esclarecer serenamente estas coisas”.

“Por exemplo, muita gente tem a ideia de que os imigrantes estrangeiros quando entram nos países europeus vão causar o desemprego dos povos  — isto não está provado, é um mito, na maior parte dos casos é errado -, existe o mito de que os estrangeiros quando chegam à Europa vêm roubar as prestações sociais e comprometer o futuro do Estado social — é mentira: por exemplo, em Portugal, temos feito estudos sobre este tema e sabemos que os estrangeiros são contribuintes líquidos do nosso sistema de Segurança Social, portanto, não são eles que nos vêm tirar as pensões, antes pelo contrário, vêm ajudar-nos a pagar as pensões no futuro -, e existe o mito de que grande parte dos estrangeiros que vem de barco pelo Mediterrâneo são terroristas — isto é obviamente uma ilusão, coitados, a maior parte deles está a fugir dos terroristas”, enumerou.

Na sua opinião, Portugal, apesar de tudo, “tem sido um local de boas práticas neste sentido”.

“Felizmente a nossa imprensa nunca quis utilizar este chamariz para criar revoltas e medos, e os nossos políticos também não. Tem havido pouquíssimas tentativas para criar aqui um problema político relacionado com a entrada de pessoas. Nesse aspecto, acho que Portugal é um país relativamente tranquilo”, observou, embora acrescentando: “Mas Espanha também era tranquila há pouco tempo e já temos a paisagem política alterada...”.

As eleições europeias terão lugar em Portugal a 26 de Maio. Saiba mais em A Europa Que Conta.