E Costa fez “bang” à direita
A demissão, no caso concreto de Costa, não é um gesto arriscado — é a única via para atingir o objectivo do “centrismo” que não tinha conseguido antes.
Há coisa de um ano, António Costa estava desejosíssimo de encontrar um argumento para transformar o partido que tinha conseguido ser Governo à custa do PCP e do Bloco de Esquerda num partido centrista capaz de falar para todo o eleitorado, quer fosse de direita, quer de esquerda. Tanto a moção ao Congresso de 2018 como os textos que Augusto Santos Silva escreveu aqui no PÚBLICO expressavam na perfeição esse desejo de “recentrismo”, com o objectivo de conquistar a maioria absoluta. Costa ignorou a geringonça durante o congresso. A partir daí seria PS sozinho a caminho da maioria absoluta.
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Há coisa de um ano, António Costa estava desejosíssimo de encontrar um argumento para transformar o partido que tinha conseguido ser Governo à custa do PCP e do Bloco de Esquerda num partido centrista capaz de falar para todo o eleitorado, quer fosse de direita, quer de esquerda. Tanto a moção ao Congresso de 2018 como os textos que Augusto Santos Silva escreveu aqui no PÚBLICO expressavam na perfeição esse desejo de “recentrismo”, com o objectivo de conquistar a maioria absoluta. Costa ignorou a geringonça durante o congresso. A partir daí seria PS sozinho a caminho da maioria absoluta.
Só que as coisas não correram como Costa desejava. A descida nas sondagens tornava cada vez mais distante o sonho da maioria, a crescente contestação social e o caos nos serviços públicos (Saúde, CP) confirmava que o PS, apesar da evidente fragilidade do PSD, não tinha a capacidade de atracção de antes. Costa hesitava entre o centrismo, o esquerdismo (ver Lei de Bases da Saúde). Havia um alfa e ómega: não se afastar do centenismo, a ideologia de Mário Centeno, o ministro mais popular do país, e da mensagem política das “contas certas”. E, no entanto, a mensagem do Governo de “boas contas”, apesar dos défices quase zero, tardava em passar.
Não era a coisa mais provável do mundo que fosse a direita — cujo discurso dos últimos anos tem sido o de colar o PS “ao despesismo” e a auto-elogiar-se como os fautores da “austeridade necessária” — a proporcionar a Costa o momentum que lhe faltava para tocar a reunir o centro. Costa precisava de drama para levar os portugueses a votar em si: foi-lhe entregue de bandeja. Costa tinha absoluta necessidade de fazer esquecer todos os ziguezagues do Governo e centrar a campanha num único tema: a direita ofereceu-lhe o presente e flores.
Costa fez “bang” e do tiro há duas vítimas a assinalar: Rui Rio, que também gostava de se autoproclamar o homem das boas contas; Assunção Cristas, que ontem se mostrou declaradamente perdida com a fúria que lhe provocou a ameaça de demissão do Governo.
A campanha para as europeias morreu. Agora, só se falará em boas contas. Até Julho — se Marcelo aceitar a data que o Governo prefere — ou até Outubro, se não mexer uma palha no calendário. A tentativa de proteger Bloco e PCP (“foram sempre coerentes”) mostra que Costa não sabe qual é o futuro, até porque as maiorias absolutas são difíceis. A demissão, no caso concreto de Costa, não é um gesto arriscado — é a única via para atingir o objectivo do “centrismo” que não tinha conseguido antes.