Encontrado pozinho de uma estrela na Antárctida
Num meteorito na Antárctida, descobriu-se um grão de pó de uma estrela que explodiu antes da formação do nosso sistema solar há 4500 milhões de anos.
Quando olhamos para o céu numa noite estrelada, (muitas vezes) nem pensamos nisso, mas as estrelas também morrem. Apesar de muitas terem explodido e morrido antes da formação do nosso sistema solar, as suas cinzas ainda chegam à Terra. Agora, uma equipa internacional de cientistas anunciou a descoberta de um pozinho de uma estrela moribunda num meteorito encontrado na Antárctida.
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Quando olhamos para o céu numa noite estrelada, (muitas vezes) nem pensamos nisso, mas as estrelas também morrem. Apesar de muitas terem explodido e morrido antes da formação do nosso sistema solar, as suas cinzas ainda chegam à Terra. Agora, uma equipa internacional de cientistas anunciou a descoberta de um pozinho de uma estrela moribunda num meteorito encontrado na Antárctida.
Em 2016, durante o seu doutoramento na Universidade de Washington em St. Louis (Estados Unidos), Pierre Haenecour encontrou um misterioso grão de pó num meteorito recolhido pela NASA na Antárctida. Designado LaPaz Icefield (LAP) 031117, este meteorito era um condrito – um tipo de meteorito formado no início do sistema solar, ainda quando os planetas tinham uma composição química homogénea. Acabaram também por chamar ao pozinho LAP-149, devido ao nome do meteorito.
“Só descobri mais sobre este grão de pó quando estudei o seu corte transversal no ano passado na Universidade do Arizona [Estados Unidos]”, conta ao PÚBLICO Pierre Haenecour, autor do artigo científico na revista Nature Astronomy e agora naquela universidade. Com um microscópio electrónico de transmissão, o cientista e a sua equipa analisaram o grão – que tem apenas um micrómetro (um milésimo de milímetro) – até a uma escala atómica.
Para nos dar uma ideia do que fizeram, Pierre Haenecour socorre-se da literatura. “Uso sempre uma citação de Os Miseráveis, de Victor Hugo, para explicar o que fizemos: ‘Onde termina o telescópio começa o microscópio. Qual dos dois tem a maior visão?’ Nesta citação descreve-se bem como usamos as análises microscópicas nos grãos das cinzas de estrelas no laboratório para fazer observações astronómicas e astrofísicas.”
E quais foram os resultados desta análise? Verificou-se que o pozinho é composto maioritariamente por grafite – uma forma de carbono que se usa nos lápis – e por um material rico em oxigénio, incluindo silicato e óxido. “Este pozinho representa o único grão de pó com grafite e silicato que se conhece e que pode ser um vestígio de um tipo específico de uma explosão estelar chamada ‘nova’”, refere-se no comunicado da Universidade do Arizona.
Uma nova é uma explosão de hidrogénio na superfície de uma anã-branca e que faz aumentar o seu brilho. Como salienta o comunicado, pouco depois do Big Bang – há cerca de 14 mil milhões de anos –, quando o Universo consistia apenas em hidrogénio, hélio e lítio, as explosões estelares contribuíram para o “enriquecimento químico” do cosmos, dando origem à abundância de elementos químicos que temos hoje.
“Os nossos resultados dão um vislumbre de um processo que nunca tínhamos testemunhado na Terra”, diz Pierre Haenecour sobre a composição do grão. “[Este pozinho] conta-nos como os grãos de pó se formaram e se movimentaram à medida que foram expelidos pela nova. Agora sabemos que os grãos carbonáceos e de silicato podem formar-se na mesma explosão de materiais da nova.”
Pierre Haenecour refere ainda que este “grão pré-solar” nos dá pistas de como seriam os blocos que construíram o nosso sistema solar. “Este pozinho dá-nos um retrato directo das condições na estrela na altura da formação do grão.”
Quanto à sua idade, apenas se sabe que o LAP-149 é mais antigo do que o nosso sistema solar, que tem cerca de 4500 milhões de anos. “Não sabemos qual é a sua idade exacta deste grão, mas, como está incluído num meteorito primitivo e devido à sua composição isotópica, sabemos que é mais antigo do que o nosso sistema solar”, explica Pierre Haenecour.
Este pozinho terá então sobrevivido a uma viagem através do espaço interestelar para a região onde veio a nascer o nosso sistema solar, acabando incorporado num meteorito primitivo, indica-se no comunicado.
As amostras do Benu
Como o LAP-149 não tem átomos suficientes para que se possa determinar a sua idade exacta, a equipa espera encontrar no futuro amostras maiores e semelhantes às deste pozinho. “Se pudermos datar esses objectos algum dia, poderemos ter uma ideia melhor do que desencadeou a formação do sistema solar”, considera Thomas Zega, também da Universidade do Arizona e autor do trabalho, no comunicado.
As desejadas amostras poderão ser recolhidas do asteróide Benu. Como o meteorito LaPaz Icefield 031117 pode ser análogo do Benu, a missão da sonda OSIRIS-Rex é uma boa oportunidade para obter as tais amostras. Iniciada em 2016, esta missão da NASA tem mesmo como principal objectivo recolher amostras do Benu e trazê-las para a Terra.
Em Março deste ano, a sonda fez sua primeira observação mais próxima da superfície do asteróide. Percebeu-se que o Benu tem um terreno mais acidentado do que aquilo que se pensava, observações que deverão alterar os planos da equipa da missão para a recolha de amostras. A sonda deverá regressar à Terra em 2023.
Por agora, Pierre Haenecour adianta que já está a analisar outros grãos de pó pré-solares que foram identificados em micrometeoritos na Antárctida e que terão tido origem em cometas.