No radar de Bruxelas, zona franca vê sair Santander e Novo Banco
Praça financeira já acabou em 2011, mas bancos ficaram. Santander e Novo Banco só fecharam sucursais este ano. Bruxelas suspeita que Portugal manteve auxílios a algumas entidades, Centeno nega
O regime dos serviços financeiros da Zona Franca da Madeira (ZFM) já fechou há sete anos (no final de 2011), mas há bancos portugueses que só agora estão a sair do centro de negócios.
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O regime dos serviços financeiros da Zona Franca da Madeira (ZFM) já fechou há sete anos (no final de 2011), mas há bancos portugueses que só agora estão a sair do centro de negócios.
O Santander e o Novo Banco continuaram com sucursais na praça madeirense mesmo sem usufruir dos benefícios fiscais e só encerraram as suas representações no início de 2019, sete anos depois de acabar o regime fiscal que abrangia bancos, seguradoras e entidades de corretagem. Para já, o Santander ainda mantém a sucursal que herdou do Banif.
A retirada dos dois bancos acontece em simultâneo e num momento preciso: depois de estar em marcha a investigação inédita da Comissão Europeia à ZFM, processo que veio expor a falta de controlo fiscal do Estado português a entidades ali licenciadas.
Nada indica que as sucursais do Santander e do Novo Banco estejam no radar da investigação de Bruxelas, mas o risco de contágio do ponto de vista da reputação é potencial. A investigação não passa ao lado do sector bancário. E é público que a Comissão liderada por Jean-Claude Juncker suspeita que Portugal continuou a atribuir auxílios a entidades financeiras durante o chamado regime III da zona franca (o que vigorou de 2007 a 2014).
O Santander já tinha encerrado a sua Sucursal Financeira Exterior (SFE) em 2012, mas manteve nos anos seguintes a licença da Sucursal Financeira Internacional (SFI), entidade que à luz das regras poderia trabalhar com clientes residentes em Portugal e clientes não-residentes. Foi essa representação que o banco agora encerrou, com o cancelamento da licença a ser despachado pelo vice-Presidente do Governo Regional, Pedro Calado, a 20 de Fevereiro.
Questionado sobre o porquê de ter mantido a sucursal quando o regime dos serviços financeiros da ZFM já tinha caducado, o Santander justifica-o com a “posição importante” que então ali tinha em depósitos de clientes não-residentes. Mas o número “evoluiu para uma posição residual” que levou a instituição a decidir o encerramento. Em nenhum momento o banco invoca a investigação aprofundada da Comissão Europeia como razão para largar a zona franca.
O banco liderado por Pedro Castro e Almeida deixa uma garantia: a actividade desenvolvida depois de 2011“incidiu em exclusivo no acompanhamento da carteira dos clientes existente, não tendo sido constituídos novos depósitos desde 2012”.
À parte da saída da SFI, o grupo ainda mantém negócios relacionados com a absorção do Banif — a instituição confirma que a Sucursal Financeira Exterior herdada daquele banco “está em funcionamento” e a trabalhar com clientes.
O Novo Banco não respondeu às perguntas do PÚBLICO sobre as razões da saída. O BES mantera a Sucursal Financeira Exterior (SFE) depois de 2011 e só em Fevereiro de 2019 é que o Novo Banco abandonou a praça especial, depois de ter encerrado as sucursais da Venezuela, Cavo Verde, Nassau e Nova Iorque. A despedida ficou formalizada a 5 de Fevereiro, com um despacho do vice-presidente do Governo regional a cancelar a licença “em definitivo”. A sucursal exterior do BES, lembrava o Negócios há alguns meses, teve um papel importante nas relações do banco com operações na Venezuela e por aí também passou o registo da comercialização de papel comercial de entidades do Grupo Espírito Santo (GES).
Sem estatísticas
A praça financeira é um dos alvos da monitorização da Comissão Europeia nos últimos anos. Um processo mais lato que levou a comissária da Concorrência, Margrethe Vestager, a decidir — ainda de forma preliminar — que o regime de auxílios foi aplicado de 2007 a 2014 de uma forma que constitui um “auxilio ilegal”, sem que Portugal cumprisse requisitos negociados com a Comissão Europeia.
Em relação à concessão de benefícios fiscais a empresas da área financeira, o ministro das Finanças, Mário Centeno, é taxativo em afirmar ao PÚBLICO que Portugal “não” atribuiu incentivos a estas actividades depois de 2011.
Quando em 2007 a Comissão Europeia então liderada por Durão Barroso teve de tomar uma decisão sobre o regime da ZFM, decidiu que ficariam excluídas dos benefícios “todas as atividades de intermediação financeira, seguros e atividades auxiliares financeiras e de seguros. E assim seria de 2012 em diante. Mas se esse era o compromisso, ao longo dos últimos três anos em que os serviços da Comissão Europeia foram inquirindo o Governo português sobre a forma como aplicou o regime dos benefícios de 2007 a 2014, Bruxelas ficou com dúvidas. E partilhou-as publicamente este ano, ao dar a conhecer uma carta enviada em Julho passado ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva: “Os resultados do exercício de controlo parecem indicar que Portugal concedeu um auxílio às empresas que realizam operações vedadas, como, por exemplo, atividades financeiras e de seguros, e atividades intragrupo”.
Mário Centeno não soube clarificar ao PÚBLICO quantos bancos portugueses tinham sucursais na ZFM a 31 de Dezembro de 2011 (quando terminou o regime fiscal para estas actividades), nem quantas havia imediatamente a seguir, a 1 de Janeiro de 2012 (quando o regime já não se podia aplicar). Também não disse quantas existiam a 1 de Janeiro deste ano.
Questionado pelo PÚBLICO, Centeno respondeu através do seu gabinete de imprensa que não havia “dados estatísticos disponíveis que permitam dar resposta”. A mesma justificação foi apresentada quando questionado sobre o valor arrecadado de 2012 a 2018 pela Região Autónoma da Madeira com as taxas anuais de funcionamento das sucursais financeiras dos bancos. Um número que o vice-presidente do Governo Regional, Pedro Calado, também não forneceu.
Centeno assegura que os bancos não recebem os benefícios. Aplica-se o IRC em vigor fora da zona franca (21%), porque as sucursais ficam abrangidas pela regra geral do sistema fiscal, segundo a qual “todas as empresas licenciadas na ZFM são tributadas pela universalidade dos rendimentos obtidos”. Isso implica uma contabilização separada dos rendimentos abrangidos pelos benefícios fiscais dos outros que não podem beneficiar desta tributação mais favorável. Por outras palavras: não beneficiando os bancos do regime especial, esses rendimentos são tributados como se estivesse fora da ZFM).
Depois de insistência do PÚBLICO para que justificasse o facto de a ZFM manter sucursais de bancos, o gabinete do ministro continuou sem apresentar uma justificação e respondeu sobre a aplicação dos benefícios: “O facto de em 2019 estarem (eventualmente) em funcionamento na Região Autónoma da Madeira (ZFM) [sic] sucursais de instituições financeiras ou entidades financeiras e de seguros que tivessem sido antes licenciadas (estatística essa de que não dispomos) não significa, como antes esclarecemos, que tais entidades estejam, de algum modo, a beneficiar do regime mais favorável [a redução de IRC que se aplica às outras actividades autorizadas pela Comissão Europeia]”.