A Venezuela cada vez mais perto do abismo
Numa atitude algures entre a impaciência e o desespero, Juan Guaidó tentou usar as armas de Nicolás Maduro para o derrubar. Na noite desta terça-feira, não era ainda possível saber se a tentativa de golpe de estado que ensaiou tinha sido ou não bem-sucedida. Mas nada garante que as fracturas no seio dos militares que apoiam Nicolás Maduro sejam suficientemente profundas para promover uma nova correlação de forças na Venezuela. Se, como as escassas informações vindas de Caracas pareciam confirmar, o golpe de Guaidó falhar, podemos esperar um enquistamento ainda maior do regime e um desalento ainda maior da população que reclama mudanças. Maduro terá assim mais uma boa razão para acreditar na sua continuidade no poder. O odioso desprezo pelas condições de vida dos seus concidadãos, o alheamento à terrível devastação a que condena a Venezuela, a celebração de um processo ditatorial sustentada no mais mesquinho egoísmo e culto da personalidade poderão ter sido premiados por um passo mal calculado.
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Numa atitude algures entre a impaciência e o desespero, Juan Guaidó tentou usar as armas de Nicolás Maduro para o derrubar. Na noite desta terça-feira, não era ainda possível saber se a tentativa de golpe de estado que ensaiou tinha sido ou não bem-sucedida. Mas nada garante que as fracturas no seio dos militares que apoiam Nicolás Maduro sejam suficientemente profundas para promover uma nova correlação de forças na Venezuela. Se, como as escassas informações vindas de Caracas pareciam confirmar, o golpe de Guaidó falhar, podemos esperar um enquistamento ainda maior do regime e um desalento ainda maior da população que reclama mudanças. Maduro terá assim mais uma boa razão para acreditar na sua continuidade no poder. O odioso desprezo pelas condições de vida dos seus concidadãos, o alheamento à terrível devastação a que condena a Venezuela, a celebração de um processo ditatorial sustentada no mais mesquinho egoísmo e culto da personalidade poderão ter sido premiados por um passo mal calculado.
Nada demove Maduro, cada vez mais um herdeiro dos ditadores implacáveis da América Latina de outrora, como Somoza ou Videla. A prova desse caminho pode encontrar-se numa imagem que alicerça a imagem da desgraça da Venezuela dos nossos dias: a que nos mostrava blindados ao serviço do ditador a atropelarem deliberadamente manifestantes contra o regime. Como os tanques em Tiananmen, aquela imagem mostra exemplarmente a falta de apreço que a clique dominante da Venezuela tem pela vida dos cidadãos e o apego que os oligarcas do regime, onde cabe a clique militar, têm aos seus privilégios. Já se sabia e fica confirmado: um regime assim não se muda através de pressões internacionais ou de manifestações pacíficas. Como não se muda com arremessos revolucionários mal avaliados ou susceptíveis de mergulhar o país numa guerra civil.
A tragédia da Venezuela, tudo o indica, está para continuar. Ganhe quem ganhar o braço-de-ferro, a militarização do conflito político deixará feridas impossíveis de sarar. Sem que o cenário ideal, o que passa pela devolução do poder ao povo para que possa escolher um novo governo em eleições livres, seja previsível, o conflito de legitimidades entre Guaidó e Maduro extremou-se. Às terríveis carências de milhões de pessoas soma-se agora a probabilidade de uma guerra aberta. Nesse cenário, Guaidó terá sempre menos possibilidades de ganhar. Por isso o seu passo desta terça-feira foi um gesto temerário e irreflectido. Mesmo que ganhe esta batalha, não é certo que possa vencer de vez os vírus do bolivarianismo alimentados por Maduro. A tragédia da Venezuela está neste drama. Um drama criado por um ditador desumano.