Os DDT’S da Universidade Pública
A luta pela transparência e pela verdade na academia ainda está longe de terminar e não é com este tipo de regulamentos que se chega a bom porto.
Comemorar o 25 de abril de 1974 é sempre um momento inspirador porque permite olhar o passado e vermos como tem sido a evolução da nossa República, em geral com melhorias em muitos níveis.
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Comemorar o 25 de abril de 1974 é sempre um momento inspirador porque permite olhar o passado e vermos como tem sido a evolução da nossa República, em geral com melhorias em muitos níveis.
Contudo, há retrocessos graves, os quais têm sido assinalados nas relações familiares prevalecentes na política, na corrupção que teima em persistir através de processos mais subtis, na dominação de setores estratégicos nacionais por interesses estrangeiros inconfessáveis ou na ausência de reformas profundas no Estado.
Quero agora refletir sobre o que se está a passar no ensino superior público, cujo corpo docente envelhece rapidamente e que se vai distanciando dos bons critérios de exigência que devem pautar as provas e os concursos académicos, degradação em parte potenciada pelo Processo de Bolonha.
Esse não é o único sério problema da universidade pública portuguesa. Outro é o facto de os docentes se ocuparem mais em fazer relatórios do que em ensinar ou investigar: os novos “burocratas doutores”.
Ou a verdadeira obsessão pelos rankings internacionais, alguns deles fraudulentos, os quais se tornam enviesados em função do poder de quem mais os influencia.
É preciso fazer uma sincera homenagem a Mariano Gago, cuja visão para um novo corpo docente vai sendo progressivamente corroída. Estou a falar nos concursos de professores universitários, para os quais os requisitos do ECDU, feito no seu tempo, determinaram não apenas a necessidade de um número elevado de membros dos júris (cinco a nove) como, sobretudo, uma maioria de membros externos.
Assim se cumpriria o objetivo óbvio – tratando-se da prossecução do interesse público – de selecionar os melhores com base no maior escrutínio possível e sem a endogamia de serem providos sempre os da própria instituição.
Não acuso ninguém, mas estou à vontade porque não sou doutor nem professor de “aviário”, tendo chegado ao topo da minha carreira fazendo todas as provas e concursos públicos necessários.
Até gostaria de realçar o grande contributo que a NOVA Direito tem dado para a verdade dos concursos de docentes de Direito em Portugal, porque deve ser das poucas escolas – para não dizer a única – em que ainda vão entrando professores de fora, não se fechando aos professores da casa. Não é assim noutras Faculdades de Direito, havendo algumas em que isso nunca sequer aconteceu nas últimas décadas...
No entanto, a tentação de os dirigentes das universidades públicas quererem manter o domínio das escolhas dos novos professores é grande, recrutados sem surpresa de entre amigos, companheiros, camaradas ou afilhados, pelas muitas das razões que, por tão consabidas, não vale a pena especificar.
E igualmente se sabe as habilidades para o fazer: abrir concursos para disciplinas que só podem ser dadas por um número restrito de pessoas ou escolher criteriosamente os membros externos do júri mais dóceis à orientação de cada Faculdade, com a promessa de o mesmo suceder quando os professores internos passarem a professores externos da Faculdade convidada, numa evidente troca de favores.
Mas é sempre pior quando se assume, ainda que sob o manto diáfano de um desejo de eficiência, o facilitismo nos critérios de seleção de novos professores, prescindindo em universidades públicas da sacrossanta e justa regra de haver sempre uma maioria de professores externos, a qual já de si padece da dúvida referida.
Ora, infelizmente, a UNL aprovou recentemente um inconstitucional e ilegal regulamento em que passou a admitir uma carreira paralela de professores – de categoria “A” ou “B”, não sei... – em que o júri só tem três membros, podendo a maioria (dois) ser da própria instituição, violando escandalosamente o ECDU, não obstante a justificação dada de ser agora (e mal) uma fundação pública de direito privado, mas que não pode deixar de respeitar um princípio de paralelismo com a carreira docente pública.
A luta pela transparência e pela verdade na academia ainda está longe de terminar e não é com este tipo de regulamentos que se chega a bom porto. De resto, não tem sido sequer o ECDU que tem impedido as universidades públicas de alcançarem os mais elevados patamares de qualidade.
A privatização do ensino superior público tem os seus riscos: este é um deles, o de aumentar os poderes dos que, em cada instituição, se consideram os “donos disto tudo”. Eles também existem no ensino superior público, ainda que disfarcem muito bem, ou talvez nem tanto... Professor catedrático e presidente do Conselho Científico da NOVA Direito
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico