Trazer o cante para o mercado e celebrar os amores do Alentejo
Pedro Mestre tem um novo disco, Mercado dos Amores, e vai apresentá-lo ao vivo esta terça-feira no Cineteatro de Castro Verde, sua terra natal, a recordar as modas das antigas feiras e mercados do Alentejo.
O primeiro disco, Campaniça do Despique, valeu-lhe em 2015 o Prémio Carlos Paredes. E a sua apresentação ao vivo, no CCB, com uma legião de músicos e cantores, foi editada em DVD em 2017. Agora, neste mês de Abril, Pedro Mestre regressa com novo disco, Mercado dos Amores, e vai apresentá-lo ao vivo esta terça-feira, às 21h30, no Cineteatro Municipal de Castro Verde.
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O primeiro disco, Campaniça do Despique, valeu-lhe em 2015 o Prémio Carlos Paredes. E a sua apresentação ao vivo, no CCB, com uma legião de músicos e cantores, foi editada em DVD em 2017. Agora, neste mês de Abril, Pedro Mestre regressa com novo disco, Mercado dos Amores, e vai apresentá-lo ao vivo esta terça-feira, às 21h30, no Cineteatro Municipal de Castro Verde.
Foi aliás em Castro Verde (distrito de Beja, Baixo Alentejo), que Pedro Mestre nasceu, numa aldeia chamada Sete, em 9 de Novembro de 1983. Mercado dos Amores, o novo disco, além de celebrar a importância dos mercados e feiras na criação de modas e no cante, assinala também os 25 anos que Pedro Mestre já leva a cantar o Alentejo e a trabalhar as suas tradições corais e musicais.
Com temas originais e outros vindos da tradição popular, Mercado dos Amores conta com dois grupos corais (o Rancho dos Cantadores de Aldeia Nova de São Bento, Grupo Coral da Casa do Povo de Reguengos de Monsaraz) e vários cantores convidados: Ricardo Ribeiro, Celina da Piedade, FF, Lúcia Moniz. Além dos músicos José Manuel David (em vários instrumentos) Chico Lobo (viola caipira brasileira), Hugo Osga (didjerido), Tânia Lopes (percussão) e Vasco Sousa (contrabaixo). A produção e direcção musical é de Pedro Mestre e José Manuel David.
A arte de usar a palavra
O título do disco homenageia uma antiga tradição alentejana, diz ao PÚBLICO Pedro Mestre: “Desde muito cedo que, à conversa com gente mais velha, ouvi dizer que era naqueles lugares que se aprendiam modas novas. Havia cantadores afamados que também eram poetas, contadores de histórias, cantadores de improviso, que andavam nas feiras para ganharem algum dinheiro, principalmente em alturas em que não havia trabalhos no campo. E como tinham essa arte de usar a palavra e surpreender, iam para as feiras para vender poesia (décimas). Talvez alguns fossem também compositores, mas não há certeza, essa foi uma parte do cante alentejano que se perdeu.”
Essas décimas, poesias de cordel, eram vendidas ali. “As pessoas levavam para casa, contavam aos filhos, davam a ler a alguém que soubesse, porque muitos não sabiam ler, e nas feiras e mercados aconteciam todos esses encontros e essa magia ligada à tradição. As pessoas iam para comprar e vender, mas também para se divertirem, para conviver. E estamos a falar de feiras e mercados que duravam uma semana, as pessoas dormiam e comiam lá. Hoje duram uma manhã.”
Castro, a maior feira do Sul
Castro Verde tem a última maior feira do Sul, a Feira de Castro. Daí que seja precisamente lá, a encerrar a quinzena cultural do Festival Primavera’19 que Pedro Mestre vai apresentar o disco. Que tem, precisamente, um tema chamado Feira de Castro. “Essas quatro décimas, com um mote popular, descrevem bastante bem aquilo que na época era a Feira de Castro”, diz Pedro.
“Nesses lugares de mercados e feiras acontecia, de forma espontânea, cantos de improviso, modas de baile, danças de roda. E muitas pessoas diziam que aprendiam modas novas nas feiras. O nome de ‘moda’ vem precisamente de ser novidade, de estar em moda no lugar onde aparece. Esses homens traziam novidades e normalmente cantavam-nas em cantigas de despique.” Mas faziam-no com truques. “Iam iludindo as pessoas; falavam na história mas depois mudavam de assunto. As pessoas saber como continuava a história e atiravam umas moedas para o chapéu dele ou para cima da mesa e ele, com mais uma moeda, continuava a contar. Muitas vezes eram eles que as inventavam, ali mesmo, no lugar, de acordo com a curiosidade que existia.”
O disco quer, à sua maneira, revitalizar esta tradição. “Tentar trazer o cante para o mercado, a viola campaniça também, e poder cantar aí os amores que qualquer alentejano possa ter.”
Vinho cantado a muitas vozes
Em simultâneo com Mercado dos Amores foi também lançado um outro disco: o primeiro CD do Grupo Coral da Casa do Povo de Reguengos de Monsaraz, intitulado Vinho Cantado. E o tema que lhe dá título surge também em Mercado dos Amores, com a mesma gravação. Esse e outro, intitulado Lá está linda. “São os dois coordenados por mim. Moda do vinho porque Reguengos é a capital dos vinhos de Portugal; e entra no Mercado dos Amores porque o vinho também estava presente nos cantos dos mercados. Então toda essa faina que retrata o vinho fazia sentido no Mercado dos Amores. O Lá está linda foi um tema que eu comecei a trabalhar com eles.”
Mercado dos Amores tem, além dos já referidos, temas como Agora já não se usa, Luar da namorosa, Carolina, Fui ao jardim passear, Vem à janela, Silva silva, enleio enleio, A criada, Despique e Canta alentejano canta. Já o disco Vinho Cantado inclui, além do tema-título e Lá está linda, modas como Trigueira de raça, Acorda Maria, acorda, Não quero que vás à monda, Pelo toque da viola, Verão, Alentejo e os homens, Só uma pena me existe, Fui-te ver estavas lavando, Fui colher uma romã, Não te faças coradinha, Ó Virgem Senhora D’Aires e Trovoada.
A riqueza das filarmónicas
Voltando a Vinho Cantado, o tal tema que (junto com Lá está linda) liga os dois discos, Pedro diz: “Pediram-me para fazer uma moda que pudesse retratar o vinho.” Ele fez, baptizou-a e deu-lhe o mote. “Depois o Manuel Sérgio, que é um poeta de Monsaraz, desenvolveu, fez o poema e, em parceria com o José Manuel David, fizemos a música, eu fiz uma parte e ele fez outra.”
Pedro Mestre, pioneiro na salvaguarda do cante antes da classificação pela Unesco, é fundador e ensaiador de corais alentejanos e, escreve-se no comunicado que acompanha o lançamento deste seu novo disco, “um dos principais responsáveis pelo surgimento de novas gerações na música tradicional do Alentejo, levando o cante coral alentejano para escolas, onde desde 2006 ensina a tradição a alunos de 1º ciclo em várias escolas do baixo Alentejo.” Tudo isto e também a ligação do cante aos instrumentos, que, não sendo usual, é possível, como ele tem vindo a demonstrar.
Inclusive neste disco. “Desde muito cedo que gosto de filarmónicas. O Alentejo é rico em bandas filarmónicas e então aparecem aí, no disco, arranjos com sopros, quintetos de metais, com uma série de instrumentos que surgem a homenagear aquilo que o Alentejo tem na música. Nunca ninguém se lembrou de juntar o cante coral com as filarmónicas, e isso é possível fazer.”