A democracia não é um sprint, é uma maratona
[A democracia] Já não é uma criança, já passou por algumas dificuldades, mas a cada esquina parece haver um inimigo à espreita
Uma das primeiras coisas que nos dizem quando pensamos em correr uma maratona é que a palavra-chave é preparação. Podemos decidir corrê-la de um dia para o outro, mas não o conseguimos fazer de imediato. Precisamos de nos preparar física, nutricional e psicologicamente.
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Uma das primeiras coisas que nos dizem quando pensamos em correr uma maratona é que a palavra-chave é preparação. Podemos decidir corrê-la de um dia para o outro, mas não o conseguimos fazer de imediato. Precisamos de nos preparar física, nutricional e psicologicamente.
Aprendemos logo que a maratona tem oito fases. Nem sete nem nove. Oito. Lembrei-me muito disso no 25 de Abril deste ano. Eu, humilde corredora de folgas e fins-de-semana, pensei que a maratona e a democracia têm mais coisas em comum do que eu imaginava.
A emoção. Os cinco quilómetros iniciais da grande corrida são a primeira fase dos oito estados da maratona. Nessa altura, há uma emoção que assalta o atleta, uma excitação que parece não ter fim, uma sensação de que o melhor ainda está para vir. É uma espécie de dia da Revolução multiplicado nos dias seguintes, quando tudo parecia um sonho. Um tiro de partida para qualquer coisa que ainda não se sabe bem como será. Pura adrenalina.
Negação. Entre os cinco e os dez quilómetros, diz-se que é a fase da negação em que o corredor duvida de si próprio e das suas capacidades, pensa que não estava realmente preparado para aquilo e começam a surgir os primeiros obstáculos. Também foi assim no pós-25 de Abril, no Verão Quente que lhe sucedeu, no Processo Revolucionário em Curso.
Consciencialização. Aos 15 quilómetros, e até aos 21, o atleta é normalmente invadido por uma estranha sensação de que nada vai falhar e de que poderia correr assim para sempre. Entra em velocidade de cruzeiro. A democracia devia viver nesta fase para sempre, mas o que nos ensina a maratona – como, aliás, a vida – é que nada fica sempre como está.
Solidão. Entre os 21 e antes dos 30 quilómetros, a maratona é um acto solitário. Muitos corredores ficaram para trás e outros já vão mais à frente, o público está menos presente, parece não haver ninguém a distribuir água e os quilómetros passam muito devagar. As subidas parecem mais do que descidas e tudo dói: os pés, os gémeos, o interior das coxas, os ombros… Os inimigos vieram para ficar.
Se a democracia fosse uma maratona, diria que estamos nesta fase. Já não é uma criança, já passou por algumas dificuldades, mas a cada esquina parece haver um inimigo à espreita: a desinformação, a extrema-direita, o populismo, a propaganda política combinada com fake-news e o divórcio entre eleitos e eleitores. Mas a corrida tem de continuar apesar das rasteiras.
Há mais quatro fases na maratona pelas quais, provavelmente, a democracia também passará. Uma delas e é desespero, por volta dos 32 quilómetros, quando o atleta já não sabe o que fazer para dar a volta ao cansaço. Há quem chame a esta etapa “a parede”. Parece intransponível. Mas depois ainda chega a exaustão, em que nada melhora, apesar de ainda faltar uma eternidade para conseguir cumprir o objectivo. Há tanto para correr e só um pensamento proibido: desistir. Mais perto dos 42 quilómetros, na fase do “está quase” há uma sensação de que devia ter-se feito mais, treinado mais, trabalhado a dobrar para conseguir chegar à meta. Até que ela surge de repente à distância dos últimos passos e, com ela, a consagração (e, de novo, a adrenalina).
A democracia não é um sprint, é uma maratona. Felizmente, só a maratona tem um final determinado à partida. São 42 quilómetros.