UpHill, o personal trainer dos médicos que destrói fronteiras na saúde
O “empurrãozinho” aconteceu na Covilhã, em 2015. Agora, o software da UpHill é utilizado por mais de 60 mil profissionais de saúde e quer estrear-se no mercado internacional. A promessa mantém-se intacta desde o início: ser a ponte entre aquilo que se investiga pelo mundo e os cuidados de saúde em Portugal.
Por minuto são produzidas dezenas de artigos científicos nas várias áreas da Medicina, o que representa, no final do dia, inúmeras actualizações no dinâmico campo da saúde, às quais profissionais de todo o mundo devem atentar. Mas como podem os avanços científicos saltar dos papéis e traduzir-se em mudanças efectivas nos cuidados de saúde em Portugal? Foi para tentar responder a esta pergunta que Eduardo Freire Rodrigues, Duarte Sequeira e Luís Patrão se juntaram, há três anos. Unidos pelo associativismo, encorajado pela Universidade da Beira Interior e pelo engenho informático — Duarte e Eduardo programavam, por diversão, desde o ensino secundário —, os três jovens criaram um software, o UpSim, que permite aos médicos simular um caso clínico e receber feedback com artigos científicos direccionados para um problema específico.
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Por minuto são produzidas dezenas de artigos científicos nas várias áreas da Medicina, o que representa, no final do dia, inúmeras actualizações no dinâmico campo da saúde, às quais profissionais de todo o mundo devem atentar. Mas como podem os avanços científicos saltar dos papéis e traduzir-se em mudanças efectivas nos cuidados de saúde em Portugal? Foi para tentar responder a esta pergunta que Eduardo Freire Rodrigues, Duarte Sequeira e Luís Patrão se juntaram, há três anos. Unidos pelo associativismo, encorajado pela Universidade da Beira Interior e pelo engenho informático — Duarte e Eduardo programavam, por diversão, desde o ensino secundário —, os três jovens criaram um software, o UpSim, que permite aos médicos simular um caso clínico e receber feedback com artigos científicos direccionados para um problema específico.
“Eles escrevem o conjunto de exames, análises, procedimentos que iriam pedir e recebem um relatório detalhado onde é indicado o que estão a fazer bem, o que podem fazer melhor e a evidência cientifica que precisam de ler e que suporta as sugestões”, explica Eduardo Freire Rodrigues, presidente executivo e co-fundador da empresa UpHill.
Luís Patrão, 31 anos, é o único co-fundador que faz assistência clínica, no Centro Hospitalar Tondela-Viseu. Segundo o médico, o Upsim permite encurtar — e, ao mesmo tempo, rentabilizar — o tempo de estudo, imperativo na rotina de trabalho de qualquer profissional de saúde. “Substitui a tradicional leitura de mais de 100 páginas de bibliografia de determinada doença”, conta. “Antigamente, os hospitais faziam uns PDF para a informação nova circular. Mas quando circulava já não era nova. Com o UpSim, os médicos recebem as actualizações científicas de forma direccionada, rápida e eficaz”, acrescenta Duarte, 27 anos.
Para os fundadores, o UpSim não deve substituir o trabalho dos médicos, mas sim comportar-se como uma aliada. “Um personal trainer”, clarifica Eduardo, de 26 anos. A fim de garantir que o “treino” é adequado, a startup faz a separação “entre aquilo que é ou não uma evidência cientifica robusta e consensual” no seio das sociedades médicas, como a Sociedade Americana de Cardiologia, que produz directrizes da prática médica, mas que muitas vezes “ficam ali, sem que ninguém lhes dê atenção”, diz Duarte. “É importante usufruir das actualizações científicas, mas para isso é preciso haver uma ponte entre o mundo da produção cientifica que acontece lá fora e o dos cuidados de saúde em terreno”, acrescenta.
Do “empurrãozinho” aos 60 mil utilizadores
Em 2015, Duarte registou a empresa antes mesmo de existir. Era um “empurrãozinho”, conta o jovem, para que a equipa amadurecesse a ideia do negócio — inicialmente discutida na sua dissertação de mestrado. Os jovens começaram, desde então, a apresentar o projecto a colegas, a trabalhar em co-criação com hospitais piloto, e, quando tudo parecia encaminhado, investiram o seu dinheiro no projecto. “Nós estávamos certos de que poderíamos fazer a diferença na Medicina através da nossa tecnologia”, conta Duarte, que, depois de a empresa não conseguir contratar mais trabalhadores por estar sediada na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, se mudou para Lisboa, tal como Eduardo Freire Rodrigues.
À parte de Luís — que anda sempre num rodopio entre Lisboa e Viseu —, a equipa da UpHill trabalha agora na incubadora Tec Labs, junto à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ao longo dos últimos dois anos, juntaram-se sete novos jovens, desde designers a programadores, e a ambição é que até ao final de 2019 a equipa cresça para 14 pessoas.
Nesta nova fase da empresa, os “empurrõezinhos” têm outra dimensão. Há três anos, a UpHill recebeu o 18.º Prémio Nacional Jovem Empreendedor da Associação Nacional de Jovens Empresários, o que, em números, representa um investimento de 80 mil euros. Actualmente, o serviço é utilizado por 60 mil profissionais de saúde por todo o país e a tecnologia está disponível em unidades como as do grupo Luz Saúde — que este ano se estreou no mundo dos investimentos em startups e deu 600 mil euros à UpHill — e da José de Mello Saúde, dona dos hospitais CUF. Também trabalham no campo da indústria farmacêutica, com a Novartis, grupo farmacêutico suíço.
Doravante, o objectivo dos jovens é autonomizar o UpSim no processo de recolha de dados clínicos e chegar ao mercado internacional, começando por Espanha. A startup quer também estender-se a novos públicos, como os enfermeiros, mas ainda sem data de avanço. Ainda assim, garante Luís, as raízes estão sempre presentes. “A Covilhã está sempre connosco, desde logo no nome. Foi perto da Serra da Estrela que nasceu o projecto. Daí o Hill. O Up tem a ver com a superação de desafios”, explica Luís.
Reduzir assimetrias na saúde
Se cada cidade tem a sua própria identidade e, consequentemente, problemas e patologias características, não pode existir uma proposta de formação genérica e igual para todo o país. “Por exemplo, se abrir um novo hospital, há uma nova equipa que tem uma necessidade formativa para as patologias daquela região em especifico”, explica Duarte. A falta de formação especializada pode, por sua vez, levar a maiores assimetrias no tratamento médico. “Quando um médico tem de tratar pela primeira vez uma patologia, pode sentir mais dificuldades e inseguranças. O UpSim ajuda o médico a lidar com patologias que nunca ouviu falar, a responder a uma lacuna específica ou a perceber melhor uma área em que não é especializado”, acrescenta.
Para os fundadores, este serviço não só capacita os profissionais de saúde como também traz benefícios aos utentes, que têm “uma garantia maior de que os médicos estão preparados para o problema e que os cuidados que recebem estão o mais possível suportados pela melhor evidência cientifica”, explica Eduardo.
A importância da comunidade
Não é possível trabalhar em saúde de forma isolada: é necessário conhecer novos casos e discuti-los. Daí a desmedida importância de os médicos trabalharem em comunidades — que, segundo Duarte, já existem, mas são locais. “Os médicos sabem as experiências dos colegas do mesmo hospital ou da mesma região, que conhecem numa ida a um congresso”, exemplifica Eduardo. O próximo passo, para o qual a UpHill está a trabalhar, é a criação uma comunidade virtual, em que todos os médicos podem partilhar, em rede, procedimentos, “casos que correram bem ou menos bem” e até inquietações, conta Eduardo. “No fundo, queremos fazer com que os médicos possam partilhar o seu caso ou recomendar outra evidência científica para além daquela que é produzida fora do país”, acrescenta.
Eduardo Freire Rodrigues e Duarte Sequeira estão cada vez mais convictos de que valeu a pena trocar as batas pelos computadores — decisão que os afastou da profissão com a qual sonharam durante muitos anos, mas que lhes permite, agora, ter um impacto maior no avanço da saúde. “Sentimos que este é o melhor impacto que podemos ter. Damos aos nossos colegas ferramentas para que eles consigam fazer melhor o seu trabalho”, diz Duarte. “E isso tem consequências para os médicos e para todos nós enquanto utentes.”