Cidadãos torce nariz a Sánchez, que pondera governar sozinho
PSOE não descarta fórmula anterior, apesar do interesse do Podemos em formar Governo. Batalha pela liderança da oposição leva liberais a recusarem contribuir para investidura socialista.
Contados os votos e distribuídos os lugares pelo Congresso dos Deputados, vencedores e derrotados das eleições espanholas de domingo começaram a apalpar terreno com vista à formação do próximo Governo e à acomodação das forças da oposição nas bancadas parlamentares. Mesmo sabendo-se que dificilmente se fecharão os acordos necessários antes das eleições regionais e europeias do final de Maio, há já, pelo menos, dois cenários em equação: o Partido Socialista (PSOE), vencedor da contenda, sem maioria, não descarta governar sozinho; e o Cidadãos, que se colou ao Partido Popular (PP) e reclama a liderança da oposição, não está interessado em dar a mão a Pedro Sánchez.
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Contados os votos e distribuídos os lugares pelo Congresso dos Deputados, vencedores e derrotados das eleições espanholas de domingo começaram a apalpar terreno com vista à formação do próximo Governo e à acomodação das forças da oposição nas bancadas parlamentares. Mesmo sabendo-se que dificilmente se fecharão os acordos necessários antes das eleições regionais e europeias do final de Maio, há já, pelo menos, dois cenários em equação: o Partido Socialista (PSOE), vencedor da contenda, sem maioria, não descarta governar sozinho; e o Cidadãos, que se colou ao Partido Popular (PP) e reclama a liderança da oposição, não está interessado em dar a mão a Pedro Sánchez.
Os socialistas, com 123 deputados eleitos, sabem que o Unidas Podemos (42), de Pablo Iglesias, está (muito) interessado em participar na próxima solução de Governo – as duas forças precisariam, no entanto, de mais partidos para alcançar a maioria de 176 deputados –, mas estão empenhados em tentar recuperar um modelo que, durante dez meses, lhes permitiu liderar o país em minoria, com pactos isolados para matérias isoladas.
“Sabemos perfeitamente que o Unidas Podemos nos ajudou bastante e que nos reforça, de um ponto de vista progressista. Mas acreditamos ser possível continuar com a fórmula que iniciámos”, defendeu esta segunda-feira Carmen Calvo, “número 2” do Governo ainda em funções, numa entrevista à rádio Cadena Ser. “Acreditamos que temos um apoio mais do que suficiente para sermos o timoneiro deste barco”, afiançou.
A solução aritmeticamente mais simples para revolver o bloqueio parlamentar espanhol seria através de um pacto entre PSOE e Cidadãos (57) – juntos teriam 180 representantes na câmara baixa do Congresso. Os simpatizantes socialistas reunidos à frente da sede do partido em Madrid, no domingo, à noite, ergueram a voz bem alto para mostrar a sua discordância com essa solução. E, para além disso, o partido de Albert Rivera também não está para aí virado, pelo menos para já.
O Cidadãos sente que os escassos 0,8% de votos de diferença para o PP, associados ao desastroso desempenho dos populares na votação – elegeram 66 deputados e perderam 71 –, permite-lhe assumir-se como o verdadeiro líder da direita e da oposição a Sánchez. Por isso mesmo, os liberais vieram esta segunda-feira assegurar que o “cordão sanitário” aos socialistas, prometido e repetido durante a campanha, não é para romper, uma vez que os pressupostos – leia-se outro Governo socialista – não se alteraram.
“Não haverá qualquer tipo de negociações para um Governo, para uma investidura ou para facilitar que o Sr. Sánchez regresse à Moncloa [sede do executivo espanhol]”, garantiu a deputada e porta-voz Inés Arrimadas, sugerindo que o PSOE quer virar-se para os independentistas catalães e bascos: “O Cidadãos não pode pactar com quem pacta com [Quim] Torra, Bildu [esquerda independentista basca] ou [Carles] Puigdemont”.
Sánchez, o “menos mau”
Um país e uma sociedade divididos antes de uma noite eleitoral não acordam unidos na manhã seguinte, já se sabe. Muito menos em Espanha, cada vez mais formatada para a fragmentação política. Em Vallecas, vestida de tijolo, nos arredores de Madrid, o ambiente pós-eleição atesta isso mesmo.
No bairro historicamente de esquerda, de forte tradição operária, socialista e anti-franquista, o discurso dividiu-se, esta segunda-feira, entre a satisfação moderada pela vitória do PSOE e o incómodo infinito pelo legado do PP.
“Este não é o meu PSOE, mas também não é o pior que nos podia ter acontecido, porque Sánchez não é um mau tipo. Felizmente o PP caiu a pique, depois das tonterías que andou a fazer durante todos estes anos”, afirma, resignado, Luís, um reformado que veio passar a manhã nos bancos da Praça Juan de Malasaña e que votou nos socialistas.
Interessado na conversa, Manuel aproxima-se para explicar a derrocada dos populares, em quem até admite ter votado. “[Mariano] Rajoy roubou demasiado a este país e a estas pessoas, roubou tanto que deveria ser obrigado a devolver tudo. Depois dele poderia vir qualquer outro líder que o resultado seria o mesmo: um desastre total”, atirou o taxista, de 64 anos.
Francisco, desempregado de 48 anos, também já previa o mau resultado do PP. “Não responderam como deviam à imigração, não fizeram nada para reduzir o desemprego e contribuíram para o drama social que por aqui se vive”, lamenta. “Como queriam eles vencer?”
Na Villa de Vallecas o PSOE foi o partido mais votado, com 31% dos votos, seguido do Unidas Podemos, com 22%. A coligação liderada por Iglesias teve em Laura, de 22 anos, uma eleitora. Estudante, apenas exige do Podemos um pacto com o PSOE focado do desemprego. “Muitos jovens já têm voo marcado para sair de Espanha. Espero que aumentem os postos de trabalho”.
Rosa, de 60 anos, foi outra eleitora do grupo de partidos de esquerda. Crítica da “radicalização da direita” e dos “mamutes do Vox, que quiseram fazer da campanha um circo romano”, confessa-se “parcialmente satisfeita com os resultados” porque “esperava mais” do Podemos. Ainda assim, espera uma aliança proveitosa com PSOE e com Sánchez.
Pelas conversas que se vão travando, percebe-se que não há muita gente em Vallecas a morrer de amores pelo líder socialista, visto como um mal menor de uma eleição disruptiva. Manuel constata isso mesmo. “Nunca me pareceu muito preparado para ser presidente, mas é o menos mau. Não querer partir a Espanha ao meio, como outros, e isso já é bom”, desabafa o taxista.
Junto ao mercado, na Praça Sierra de Ayllón, não há grande vontade para debater os resultados da noite anterior. “Não prefere falar da vitória do Rayo Vallecano?”, questionam dois homens de meia-idade, orgulhosos com o triunfo, também na véspera, do clube de futebol do bairro, sobre o todo-poderoso Real Madrid.
Alfonso, que gere uma loja de ferragens, acaba por tomar a iniciativa. Ex-votante do PSOE, actual votante do PP, só quer é que o país “ultrapasse esta fase instável” e, como tantos outros, não guarda rancor a Pedro Sánchez. “Algo de bom há-de ter feito para ter sido eleito. Foi o que a maioria quis e, portanto, não há grande coisa a fazer. Que consiga levar o país para a frente…”