Forum romano de Beja está transformado num campo de papoilas
Os alicerces do templo que obrigou a reconfigurar a história de Beja estão abandonados. Desde a sua redescoberta em 2008 sofreu mais estragos que nos 2000 anos anteriores.
São cada vez mais as excursões de turistas que incluem, no seu itinerário, a deslocação a Beja para observar as ruínas do fórum romano da capital do Baixo Alentejo. A informação da sua redescoberta em 2008, pela arqueóloga Conceição Lopes, cerca de 400 anos depois da primeira tentativa conhecida para detectar a sua localização, e o facto de ser descrito como “o maior de Portugal e um dos maiores da Península Ibérica” desperta também curiosidade e interesse de um número crescente de investigadores. Mas o que os visitantes encontram não é bem o que esperavam.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
São cada vez mais as excursões de turistas que incluem, no seu itinerário, a deslocação a Beja para observar as ruínas do fórum romano da capital do Baixo Alentejo. A informação da sua redescoberta em 2008, pela arqueóloga Conceição Lopes, cerca de 400 anos depois da primeira tentativa conhecida para detectar a sua localização, e o facto de ser descrito como “o maior de Portugal e um dos maiores da Península Ibérica” desperta também curiosidade e interesse de um número crescente de investigadores. Mas o que os visitantes encontram não é bem o que esperavam.
O local não está a ser o melhor cartão-de-visita para a cidade. Para além de não o poderem visitar e não haver ninguém que explique o seu contexto histórico, os visitantes observam lixo e vestígios arqueológicos quase tapados com um tapete de papoilas e de outras ervas e arbustos que, habitualmente, surgem nos locais onde escasseiam os cuidados de manutenção.
Uma vedação que se encontra em condições precárias e fechada a cadeado impede a entrada no interior do fórum aos que gostariam de observar o templo romano, estrutura com maior dimensão que o seu congénere de Évora e um edifício pré-romano, da Idade do Ferro, separados por um metro. Conceição Lopes presume que os dois edifícios “funcionaram ao mesmo tempo”, o que poderá constituir “testemunhos de comunidades miscigenadas, que conviveram com base numa certa colectivização da diferença”, mantendo as suas tradições em liberdade.
No espaço com pouco mais de um hectare já foi identificada uma tal profusão de elementos arqueológicos que obrigaram a reconfigurar a história de Beja, desde o século VII a.C., na Idade do Ferro, até ao século XXI.
Na última reunião da Câmara de Beja, realizada no dia 17 de Abril, o PÚBLICO questionou o presidente da autarquia, Paulo Arsénio, sobre o estado de abandono em que se encontra o fórum romano da cidade, localizado a cerca de uma centena de metros do edifício dos Paços do Concelho, ambos na envolvente da Praça da República.
O autarca confirmou que os vestígios arqueológicos se encontram “num estado de degradação que seria mais acentuado se tivesse chovido”, como aconteceu há um ano. Paulo Arsénio reconhece que a estrutura “já não apresenta a solidez de quando foi escavada” e tão pouco consegue dizer “quando vai arrancar o projecto de recuperação” do fórum romano.
A indefinição estende-se ao edifício vizinho que foi recuperado para instalar o Centro de Arqueologia e Artes. Está pronto há dois anos mas continua encerrado, apesar das obras de restauro terem implicado um investimento de 2,2 milhões de euros, financiado através do Fundo Jessica.
Tanto o executivo camarário anterior, de maioria CDU, como o actual, de maioria PS, anunciaram pretender instalar, no seu interior, a colecção de esculturas de Jorge Vieira, um centro de arqueologia das cidades de Beja e expôr o espólio arqueológico recolhido no local. O autarca garantiu que “não há qualquer projecto para o seu uso” e que demorará algum tempo a concretizar um tal objectivo.
Numa reunião do executivo municipal, realizada em Outubro de 2018, o PÚBLICO colocara a mesma questão. Paulo Arsénio admitiu, na altura, a existência de “alguns constrangimentos” relativamente ao futuro aproveitamento do Centro de Arqueologia e Artes e da musealização do fórum romano, frisando que a preocupação do município concentrava-se na “preservação das escavações”, lembrando que “há estruturas (do templo romano), que estando há três anos a céu aberto, foram afectadas de sobremaneira com as últimas chuvadas” (Março/Abril de 2018).
O presidente do município estava convicto de que “existia de facto a possibilidade de alguns vestígios arqueológicos poderem vir a perder-se historicamente para sempre”, preconizando uma “tomada de decisão rápida”. Seis meses depois, o cenário agravou-se e o autarca reconhece que esta “é uma das situações mais difíceis que o município tem” em mãos, para a qual não se conhece uma resposta.
O que fazer com os vestígios?
A indefinição estende-se igualmente ao que fazer com os vestígios da Casa da Moeda, descoberta em Agosto de 2012, quando apareceram junto às ruínas do fórum romano quilos de moedas em cobre, bem como a fundição e a oficina onde eram cunhadas, quando se procedia ao levantamento da área envolvente do templo romano.
Até ao seu inesperado aparecimento, apenas se tinha como hipótese que o rei D. Manuel, natural de Beja, e onde foi duque, tinha ali mandado cunhar ceitis (moedas de cobre). Mas como a informação sobre a sua localização sempre fora escassa e rodeada de especulação, sucessivas gerações de numismáticos sempre duvidaram da existência de uma fundição e oficina para cunhar moedas na cidade alentejana, dúvida que ficou desfeita com o aparecimento de vestígios destes equipamentos de trabalho.
A arqueóloga Conceição Lopes, que descobriu os vestígios da Casa da Moeda no rés-do-chão do Centro de Arqueologia e Artes, disse ao PÚBLICO que os vestígios estavam quase intactos e muito pormenorizados, remontando ao reinado de D. João III e ao ano de 1525.
Também em relação ao trabalho arqueológico que identificou este vestígio arqueológico, para além de estar incompleto, não se vislumbra um programa para a continuação das escavações. Paulo Arsénio admite “aterrar tudo (o que foi descoberto) para que depois (no futuro) possam ser tratadas, justificando uma tal hipótese com a “ falta de projecto de musealização” para um monumento que é único a nível nacional.
Entretanto, há muros do fórum romano que já caíram. Áreas sensíveis das escavações ficaram a meio e não estão devidamente protegidos e já se verificaram perdas de informação científica.
Conceição Lopes lamenta o estado actual do resultado do trabalho que liderou com vários arqueólogos e em que participaram dezenas de alunos da Universidade de Coimbra, ao longo de 22 anos. Deixou de poder entrar no fórum romano. “Não consigo falar com o presidente da câmara para que me seja dada a possibilidade de acabar o meu trabalho de pesquisa que está programado”, disse ao PÚBLICO a arqueóloga, preocupada com a situação actual das estruturas cobertas de lixo, ervas e arbustos, destacando-se o denso coberto de papoilas vermelhas.
“Espero a colaboração da autarquia para intervir no exterior (fórum) e na Casa da Moeda”. Nesta, encontram-se várias talhas com vários séculos “cheias de produtos onde são visíveis grainhas que gostaríamos de enviar a especialistas” para identificação da época a que pertencem. “Mas ainda não conseguimos recuperar por não termos acesso ao local da escavação”, continua Conceição Lopes.
A arqueóloga revelou a sua intenção de proceder a uma recolha de fundos para dar continuidade ao seu trabalho apesar de recear que não a deixem entrar no fórum romano de Beja que ela redescobriu em 2008 ou fim de 11 anos de campanhas de escavações continuas.