Em Pemba choveu em 24 horas mais do que em todo o mês de Abril

Bairros estão cobertos de água e a protecção civil vai evacuar zonas da cidade em perigo. Três pessoas morream na cidade. Na província de Cabo Delgado, o ciclone Kenneth danificou mais de 35 mil casas.

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As ruas de Pemba transformaram-se em rios do dia para a noite e mataram pelo menos três pessoas. Entre as oito horas de sábado e as oito horas de domingo, caíram, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia de Moçambique, 167,8 mm de chuva na capital da província de Cabo Delgado, mais do que costuma ser a média de precipitação para todo o mês de Abril na cidade, que é de 122 mm.

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As ruas de Pemba transformaram-se em rios do dia para a noite e mataram pelo menos três pessoas. Entre as oito horas de sábado e as oito horas de domingo, caíram, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia de Moçambique, 167,8 mm de chuva na capital da província de Cabo Delgado, mais do que costuma ser a média de precipitação para todo o mês de Abril na cidade, que é de 122 mm.

A chuva não parou de cair e as previsões apontam para precipitação moderada a forte até pelo menos às 12h00 de segunda-feira. O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) está a preparar-se para evacuar bairros inundados da cidade, ao mesmo tempo que a própria Pemba vai ficando isolada do resto do país. 

A principal estrada de ligação da capital de Cabo Delgado está cortada, depois da água com forte corrente ter inundado a via a cerca de 15 km dos limites da cidade, relata a reportagem da agência Lusa no local. Dentro da cidade, muitas casas que aguentaram o impacto do ciclone Kenneth, o mais forte a alguma vez ter atingido a costa moçambicana e o primeiro a chegar a terra tão a norte, desmoronaram-se em consequência das chuvas, por deslizamentos de terra ou pela força dos rios barrentos de forte corrente que se formaram.

Na entrada leste da cidade de quase 175 mil habitantes, na margem sul da baía de Pemba, a polícia impedia a circulação de veículos por prevenção, restando o lado oeste, onde ainda se permitia a circulação.

No bairro de Nitate, uma parede de tijolo caiu e atingiu uma mulher que depois foi lançada contra um edifício pela força das águas, provocando a sua morte. A informação foi dada à AP pelo líder da comunidade, Estenácio Pilale.

Em Mahate, registaram-se vários deslizamentos de terra e teme-se que venha a haver mais, daí que a protecção civil tenha decidido retirar a população, de acordo com Saviano Abreu, do Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA). Muitas casas situadas numa cratera que se abriu no chão estão em risco.

Saviano Abreu disso ao PÚBLICO que na manhã deste domingo o INGC, a OCHA e uma equipa brasileira de resgate que está em Moçambique tiveram de retirar de emergência 130 pessoas de um dos bairros de Pemba.

Mais dez dias de chuva

“Está chovendo muito forte e se continuar assim, estamos a falar de inundações devastadoras em vários distritos”, acrescentou o representante da OCHA. E a previsão é que “a chuva continue por mais dez dias”.

As chuvas provocadas pelo sistema de baixa pressão deixada pelo Kenneth, que atingiu terra na quinta-feira à tarde, podem ser duas vezes superiores às provocadas pelo ciclone Idai, que devastou a região centro do país há quase mês e meio.

De acordo com o balanço do INGC, o número de mortos na província de Cabo Delgado por causa do ciclone mantém-se nos cinco, com o total de pessoas afectadas a subir para mais de 168 mil. A quantidade de casas total ou parcialmente danificadas aumentou para mais de 35 mil (3805 delas foram completamente destruídas).

Tal como na Beira (depois da passagem do ciclone Idai), os relatos que chegam de Pemba é da subida repentina do nível das águas. Muitas pessoas tentaram impedir que as suas casas ficassem inundadas, com barreiras feitas de sacos de areia ou pneus e recorrendo a baldes de plástico para retirar a água acumulada, muitas delas sem sucesso. Há quem tenha tentado travar uma batalha inglória contra a força da inundação e acabou por perder tudo; outros desistiram antes de ser tarde de mais e fugiram, carregando alguns pertences.

“Vamos continuar a andar até chegarmos a algum sítio seguro”, disse um homem à reportagem da AP. “Será que esta água nos dará trégua alguma vez’”, pergunta retoricamente Abdul Carimo, para responder: “No momento em que tentamos fazer alguma coisa pela nossa vida, começa outra vez.”

A ajuda humanitária está a ter dificuldade para chegar às zonas rurais por terra, devido à subida do nível das águas (duas pontes foram destruídas). E com a intempérie, os aviões e os helicópteros não têm podido levantar voo. Muitas pequenas comunidades perderam as suas casas devido à força dos ventos do ciclone e agora estão sozinhas ao relento.

Nos 39 centros de acomodação de deslocados já activos (dos 74 que o Governo preparou para receber os afectados pelo mau tempo) estão agora 23.760 pessoas alojadas, sendo que as autoridades referem que 4284 são consideradas vulneráveis.

Macomia, Quissanga e a ilha de Ibo são os municípios mais atingidos pelo ciclone. A vila de Macomia perdeu 60% das suas casas e parte da população teve de se abrigar nos centros de acomodação. Na ilha de Ibo, mais de 4000 casas foram destruídas.

A Macomia, onde as equipas de ajuda humanitária conseguiam chegar por terra, já não conseguem, explica Saviano Abreu. À ilha de Ibo, só acessível por mar e por helicóptero, não se conseguiu chegar no domingo, porque a chuva impedia os helicópteros de voar e a ondulação de 2,5 a 4 metros não permitia a circulação marítima. No distrito de Quissanga, há comunidades que estão isoladas, porque as estradas estão cortadas.

Numa altura em que as Nações Unidas e o Governo moçambicano não conseguem convencer os doadores (há uma conferência marcada para Maio na Beira) a contribuir com mais dinheiro para a recuperação das províncias de Sofala, Manica e Zambézia atingidas pelo Idai em Março, uma segunda catástrofe desta dimensão vem agravar ainda mais a penúria do Estado e da população de um dos Estados mais pobres do mundo.

“A resposta ao ciclone Idai já está a sofrer da falta de financiamento crónico e os recursos estão a ser esticados até ao limite”, disse à Reuters Nicholas Finney, da organização não-governamental Save The Children. Juntando agora as consequências do Kenneth, vai ser difícil para o Governo responder. Para já, o Presidente Filipe Nyusi, que está em visita oficial à China, não se pronunciou sobre a situação e tem sido o primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, a actualizar os números.