Dois dias depois da queda da OPA à EDP, Marcelo desembarca tranquilo na China

Chumbo dos accionistas da eléctrica nacional às pretensões chinesas permite a Portugal apresentar-se perante o “parceiro” asiático com a relação intacta, sem espinhos. O Presidente da República começa nesta sexta-feira uma visita de Estado de seis dias, durante a qual participa na segunda edição do fórum “Uma Faixa, Uma Rota”.

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Marcelo e Xi voltam a apertar as mãos esta sexta-feira, desta vez em Pequim Nuno Ferreira Santos

O Presidente da República aterra nesta sexta-feira em Pequim com um sorriso nos lábios perante o “parceiro” asiático e sem fazer franzir o sobrolho aos aliados europeus e americano. A visita de Estado começa dois dias depois da queda da oferta pública de aquisição (OPA) da China Three Gorges (CTG) à EDP, mas esse não será um motivo de atrito entre os dois países.

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O Presidente da República aterra nesta sexta-feira em Pequim com um sorriso nos lábios perante o “parceiro” asiático e sem fazer franzir o sobrolho aos aliados europeus e americano. A visita de Estado começa dois dias depois da queda da oferta pública de aquisição (OPA) da China Three Gorges (CTG) à EDP, mas esse não será um motivo de atrito entre os dois países.

Os chineses sabem que as autoridades portuguesas não contribuíram para este desfecho (que eles próprios possibilitaram), enquanto estas puderam respirar de alívio por não terem de ficar com o ónus da decisão a tomar pela autoridade reguladora nacional. Fosse qual fosse, seria motivo de polémica. Se chumbasse o negócio, criaria dificuldades na relação com o principal accionista da eléctrica. Se o aprovasse, poderia ver a sua decisão ser revogada pelas reguladoras europeia ou, sobretudo, a americana. Assim, ninguém fica mal na fotografia.

Ainda há alguns dias, o embaixador dos Estados Unidos em Portugal, George Glass, se afirmou “absolutamente” contra a OPA à EDP e garantia que, em nenhuma circunstância, os chineses iriam controlar os activos da eléctrica portuguesa nos EUA. Em entrevista ao semanário O Jornal Económico, o embaixador nomeado por Donald Trump assumiu que era por uma questão de segurança nacional que Washington seguia as negociações dos chineses na tentativa de controlo da EDP, onde Pequim já detém 28,25% do capital (através dos 23,27% da CTG e dos 4,98% da CNIC).

Na quarta-feira, ainda antes do chumbo da OPA, já Marcelo Rebelo de Sousa se mostrava tranquilo sobre a visita e fazia a distinção entre aliados e parceiros nas relações diplomáticas. Na visita à Ovibeja, afirmou aos jornalistas que já não há surpresas entre portugueses e chineses, até porque se conhecem “há 500 anos”.

“Nós já não nos surpreendemos com os chineses, nem eles se surpreendem connosco. Nós sabemos bem a diferença que há entre aliados e parceiros”, frisou, sublinhando que “aliados são os europeus, os Estados Unidos da América” e os países “irmãos de língua portuguesa”. Na categoria de “parceiros”, Marcelo enquadrou esta situação. “A China sabe que é nossa parceira importante, não é aliada. E nós sabemos que somos parceiros da China, não somos aliados”, vincou, citado pela Lusa.

Uma parceria que foi firmada no início de Dezembro, durante a visita a Portugal do Presidente chinês, Xi Jinping, com a assinatura de um memorando sobre a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Na declaração conjunta que então fizeram no Palácio de Belém, Marcelo afirmou que esse memorando, juntamente com o convite para visitar a China nesta altura, “simboliza bem a parceria que desejamos continuar a construir, com diálogo político regular e contínuo, a pensar no muito que nos une”.

Uma rota pouco consensual

Pelo seu lado, a China fez questão de dizer publicamente, na véspera do embarque do Presidente para Pequim, que o país “aprecia profundamente” a participação de Portugal na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, apontando a localização estratégica do país, um dos primeiros da Europa ocidental a aderirem à visão internacional de Pequim. Num comunicado enviado à Lusa, o Governo chinês enaltece a adesão “activa” e a “atenção” de Lisboa ao seu gigantesco plano de infra-estruturas que foi já incluído na Constituição chinesa, materializando a nova vocação internacionalista de Pequim.

Uma malha ferroviária e auto-estradas ligarão a região oeste da China à Europa e oceano Índico, cruzando Rússia e Ásia Central, enquanto uma rede de portos em África e no Mediterrâneo (e quem sabe até em Sines) reforçará as ligações marítimas das prósperas cidades do litoral chinês. Pelo caminho, serão erguidos aeroportos, centrais eléctricas e zonas de comércio livre, redesenhando o mapa da economia mundial e anunciando uma “nova era”, na qual a China ocupará o centro da ordem mundial.

No comunicado, Pequim realça a posição “muito relevante” de Portugal no extremo oeste da Eurásia, insinuando uma coordenação com Lisboa, que quer a inclusão de uma rota atlântica no projecto chinês, permitindo ao porto de Sines conectar as rotas do Extremo Oriente ao oceano Atlântico e beneficiar assim do alargamento do canal do Panamá.

Contudo, os planos chineses têm suscitado também divergências com as potências ocidentais, que vêem uma nova ordem mundial ser moldada por um rival estratégico, com um sistema político e de valores profundamente diferente. Na Europa Ocidental, além de Portugal, apenas a Itália apoia formalmente a iniciativa chinesa. Alemanha e França têm pressionado por critérios de selecção mais rigorosos para os investimentos chineses no continente. No mês passado,​ Bruxelas produziu um documento que classifica Pequim como um “adversário sistémico”, que “promove modelos alternativos de governação”, e apelou a acções conjuntas para lidar com os desafios tecnológicos e económicos colocados pela China.

O Governo chinês lembra, no entanto, que “está disposto a trabalhar em conjunto com Portugal” para coordenar a sua visão com os planos da União Europeia de conectividade à Ásia e com a estratégia portuguesa de desenvolvimento nacional. E reafirma a sua vontade em continuar a “expandir a cooperação” com Lisboa nos sectores “energia, transportes, infra-estrutura portuária e logística”, para “benefício de ambos os países e povos”.

Da Grande Muralha a Macau

A visita de seis dias do Presidente da República luso começa simbolicamente na Grande Muralha e logo a seguir passa por Pequim, onde participa na segunda edição do fórum “Um Faixa, Uma Rota” e será recebido pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, e pelo Presidente da República Popular da China, Xi Jinping. Da capital chinesa, Marcelo Rebelo de Sousa seguirá para Xangai e para a Região Administrativa Especial de Macau, onde se reunirá com as máximas autoridades locais.

“Terá ainda a oportunidade de contactar com os responsáveis pelo actual dinamismo do relacionamento bilateral, nomeadamente agentes culturais, desportistas, empresários e investidores, bem como de visitar vários dos locais que ilustram a riqueza da cultura chinesa e a longa relação com Portugal”, refere uma nota da Presidência da República.

Da parte do Governo, deverá ser acompanhado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e pelo secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias. Tal como em Dezembro, a comitiva parlamentar não conta com a representação do BE e do PAN, que recusaram viajar para um país “de constantes restrições à liberdade e violação dos direitos humanos”. com Lusa