E com uma gelatina criou-se um nariz electrónico
Conhecida pelo uso culinário, a gelatina pode agora também servir de base para desenvolver materiais que imitem o sentido de olfacto. Este novo nariz electrónico poderá contribuir para áreas como a medicina.
A gelatina, a famosa sobremesa que dá cor às mesas de aniversário, tem uma nova utilidade: pode ser usada para imitar o olfacto humano. Uma equipa de investigação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL) utilizou este material, em conjunto com cristais líquidos, para criar géis capazes de distinguir odores de forma a construir um nariz electrónico. Já existem narizes electrónicos, mas têm uma elevada pegada de carbono. Agora pela primeira vez, a gelatina vem trazer um sistema mais eficaz e com um menor impacto ambiental, que poderá traduzir-se em novos desenvolvimentos na área da medicina ou da alimentação.
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A gelatina, a famosa sobremesa que dá cor às mesas de aniversário, tem uma nova utilidade: pode ser usada para imitar o olfacto humano. Uma equipa de investigação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL) utilizou este material, em conjunto com cristais líquidos, para criar géis capazes de distinguir odores de forma a construir um nariz electrónico. Já existem narizes electrónicos, mas têm uma elevada pegada de carbono. Agora pela primeira vez, a gelatina vem trazer um sistema mais eficaz e com um menor impacto ambiental, que poderá traduzir-se em novos desenvolvimentos na área da medicina ou da alimentação.
“O nariz electrónico é um dispositivo que imita o sentido do olfacto através da combinação de sensores com inteligência artificial”, explica ao PÚBLICO Cecília Roque, líder deste grupo de investigação do Departamento de Química da FCT-UNL. Este nariz tem sensores de compostos voláteis (componentes químicos que formam os odores) criados com géis constituídos por gelatina animal, igual à utilizada em culinária. Tem ainda cristais líquidos, com propriedades intermédias entre um líquido e um sólido à temperatura ambiente, usados na produção de dispositivos de cristais líquidos (LCD) e dispositivos electrónicos como monitores para computadores.
No olfacto humano, os odores são identificados pelo cérebro a partir de sinais eléctricos que se formam através da ligação de compostos voláteis às proteínas olfactivas presentes no nariz. Já no nariz electrónico, “os compostos voláteis ligam-se aos sensores funcionando da mesma forma do que as proteínas olfactivas. Ao ligarem-se aos compostos voláteis, os materiais dos sensores alteram as suas propriedades, dando origem a um sinal. Este sinal é depois analisado através de algoritmos espelhando os processos de computação cerebral usados no reconhecimento de odores”, explica Cecília Roque.
Tal como os seres humanos reconhecem odores com os quais já contactaram antes, também o nariz electrónico funciona assim: é aí que entra o algoritmo de inteligência artificial. Neste trabalho, o nariz electrónico foi testado com 11 compostos voláteis (heptano, hexano, clorofórmio, tolueno, diclorometano, éter etílico, acetato de etilo, acetonitrila, etanol e metanol). Os sinais típicos de cada composto foram guardados numa base de dados e, ao receber uma amostra desconhecida, o algoritmo relaciona as suas características com os sinais já conhecidos. Todos os compostos foram identificados correctamente, mostrando que este dispositivo pode ser treinado para outros compostos químicos.
O gel foi testado com várias espessuras – 15, 30, 60 e 90 micrómetros (milésima parte de um milímetro). “A espessura dos materiais à base de gelatina é um factor importante, pois influencia a sua rapidez e precisão para a detecção e classificação de odores”, aponta a cientista. A espessura que se revelou mais eficaz na identificação dos odores foi o gel com 30 micrómetros, com uma precisão de 99%. O tolueno, presente por exemplo na gasolina, foi o único composto identificado com 100% de precisão em todas as espessuras. “A espessura de 30 micrómetros parece ser a melhor opção, devido não só à sua maior precisão mas também pela menor quantidade de material necessário”, esclarece o artigo publicado na revista científica Materials Today Bio.
Nariz mais amigo do ambiente
A gelatina utilizada neste projecto foi extraída de ossos de bovinos e dissolvida em líquidos iónicos (solventes de baixo impacto ambiental). “Os sensores à base de gelatina diferem dos sensores convencionais pelo facto de serem maioritariamente compostos por materiais biológicos, biodegradáveis e recicláveis”, salienta Cecília Roque. Esta é uma das maiores vantagens desta investigação, que se distingue dos narizes electrónicos que já existem e são formados com materiais metálicos semicondutores e polímeros sintéticos, numa constituição menos sustentável e menos ecológica.
Todos os compostos do novo nariz electrónico – a gelatina, os líquidos iónicos e os cristais – podem ser reutilizados para produzir novos sensores. Além disso, “nos sensores de gelatina observa-se uma selectividade superior para reconhecer diferentes tipos de compostos voláteis, o que aumenta a precisão na classificação de odores”, acrescenta a investigadora.
Os narizes electrónicos são já utilizados na medicina, em diagnósticos precoces em doenças como, por exemplo, a asma. “Já se aplicam narizes electrónicos para detectar diferentes tipos de cancro através do hálito ou de amostras de urina, bem como para diagnóstico da doença de Parkinson ou da esclerose múltipla”, enumera Cecília Roque. A monitorização da degradação de alimentos como o peixe, os legumes ou a fruta, é outra possível aplicação. Com este nariz já foi possível identificar “quando é que o alimento está impróprio para consumo”.
Para este nariz feito de gelatina há novas metas: “Estamos neste momento a trabalhar na aplicação do nariz electrónico na detecção de infecções bacterianas, em particular as que são causadas por microrganismos resistentes a antibióticos.”
Texto editado por Teresa Firmino