Vingadores: Endgame é mesmo importante – por mais razões do que pensa

Zero spoilers, tudo análise: o crítico e autor de BD Michael Cavna explica o que está em causa com o filme que se estreia esta quarta-feira. São três horas de super-heróis com vista para a indústria — e que “têm como alvo o coração dos fãs”.

Fotogaleria

Há 13 verões, num painel relativamente pequeno da Comic Con, perguntaram ao presidente dos Marvel Studios, Kevin Feige, se ele ponderava ter as personagens da sua empresa a interagir no grande ecrã. “Quem sabe?”, provocou. “É uma experiência grande e nova para a Marvel. Mas não é uma coincidência que tenhamos os direitos para cinema do Homem de Ferro, do Hulk, de Thor, do Capitão América” – e aí, antes de conseguir sequer terminar a frase, foi interrompido pelo volume do entusiasmo do público e da sua extrapolação esperançosa. A imaginação dos fãs foi catapultada pelas possibilidades.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Há 13 verões, num painel relativamente pequeno da Comic Con, perguntaram ao presidente dos Marvel Studios, Kevin Feige, se ele ponderava ter as personagens da sua empresa a interagir no grande ecrã. “Quem sabe?”, provocou. “É uma experiência grande e nova para a Marvel. Mas não é uma coincidência que tenhamos os direitos para cinema do Homem de Ferro, do Hulk, de Thor, do Capitão América” – e aí, antes de conseguir sequer terminar a frase, foi interrompido pelo volume do entusiasmo do público e da sua extrapolação esperançosa. A imaginação dos fãs foi catapultada pelas possibilidades.

Feige já disse que esse foi um ponto de viragem criativa. É um momento que é preciso recordar quando se pesa porque é que Vingadores: Endgame significará tanto para tanta gente quando chegar aos cinemas na noite desta quarta-feira. É um culminar de três horas de mais de uma década de world-building [criação de universos ficcionais] de super-heróis.

Hoje, chamar-lhe “uma experiência grande e nova” pode soar a eufemismo, considerando como a Marvel reformulou a paisagem dos blockbusters de Hollywood. Até Endgame, o Universo Cinemático da Marvel gerou receitas de cerca de 17 mil milhões de euros com os seus 21 filmes, incluindo quatro dos 10 maiores filmes de sempre – um percurso raro sem falhanços de bilheteira.

Mas em 2006, com os Marvel Studios quase como uma startup, eram tempos em que as estrelas e os super-heróis ainda não eram virais no Twitter e em que os dólares da Disney ainda não tinham chegado [a Disney só comprou a Marvel Entertainment em 2009]. Também foram tempos de desconhecimento, porque apesar do sucesso dos primeiros filmes X-Men ou Homem-Aranha, não havia um mapa para perceber quão longe um estúdio podia ir na construção de um franchise interligado. James Bond, Star Trek e Star Wars continuaram a produzir sequelas comercialmente viáveis durante anos, mas construir um rendilhado de narrativas de super-heróis podia ter sido um passo maior do que a Ponte Bifrost permitia.

Fotogaleria

Feige foi sábio, porém, ao começar de forma gradual. Com as histórias de origem das personagens em filmes individuais. Primeiro quis conquistar o grande público com o Homem de Ferro, até aí um herói da lista B, e juntou o trabalho à sorte: o realizador Jon Favreau e a estrela reabilitada que é Robert Downey Jr. conseguiram o quase impossível com o seu filme de 2008. Um flop podia ter afundado o estúdio antes de sequer ter levantado voo, mas ao invés disso, Homem de Ferro, fortemente apoiado no carisma espirituoso de Downey Jr., lucrou quase 535 milhões depois de ter custado 125 milhões a fazer.

Peça a peça, Feige – um produto dos franchises de acção dos anos 1980 como Indiana Jones – continuou a forjar uma ligação forte com o público mainstream.

Louis Leterrier realizou O Incrível Hulk (2008) com um sucesso mais modesto. Depois de Homem de Ferro 2 (2010) ter novamente tido óptimos resultados, 2011 foi uma combinação sólida entre o Thor de Kenneth Branagh (cerca de 401 milhões de euros de receitas mundiais) e Capitão América, de Joe Johnston (330 milhões de euros), com Chris Hemsworth e Chris Evans a comprovarem ser convincentes e vencedores nos seus respectivos papéis como protagonistas.

Foto

Finalmente Feige podia levar a cabo, integralmente, a sua experiência. Com essas peças já colocadas, o que veio a seguir foi o jogo mais elaborado e interligado de dominó que Hollywood já viu.

Os Vingadores (2012) – o primeiro de dois filmes do argumentista e realizador Joss Whedon neste franchise – rendeu 1,3 mil milhões de euros em todo o mundo. Um valor a uma escala com a qual nem o editor da Marvel Comics Stan Lee sonhava.

Os fãs actuais estão tão apaixonadamente investidos em Vingadores: Endgame porque investiram mais de uma década neste universo intrincado – metade do qual foi destruído na primeira parte deste grande final, Vingadores: Guerra do Infinito, no qual o vilão Thanos (interpretado por Josh Brolin) transformou muita desta equipa de super-heróis em pó. Ainda assim, os espectadores sabem que esse cliffhanger tinha de ser falso adeus, um revés da intriga criado para preparar os fãs para as verdadeiras despedidas de Endgame.

Os comics são conhecidos pelo facto de, num mundo de truques comerciais e promocionais, os seus super-heróis raramente permanecerem mesmo mortos. Mas Feige e a sua equipa criativa, incluindo os realizadores de Guerra do Infinito e Endgame Joe e Anthony Russo, sabem que no fim de contas alguns dos seus super-heróis têm de desaparecer para sempre.

Feige gosta de citar uma frase que diz que uma parte necessária da viagem é o seu fim. Começou a trabalhar em entretenimento com os produtores Richard Donner e Lauren Shuler Donner, e com eles viu o franchise Super-Homem, que começou em 1978 com Richard Donner como realizador, levar demasiado tempo a pôr fim à sua viagem com Christopher Reeve como protagonista.

Foto

Sabemos que Chris Evans vai pendurar o seu escudo de vibranium do Capitão América em Endgame. É expectável que pelo menos outro actor do Universo Cinemático Marvel - Downey Jr.? Hemsworth? – também não entre na nova fase da Marvel. Portanto, este é mesmo o fim. O fim de um percurso épico. Vivemos com algumas destas personagens durante muitas horas de ecrã. Ainda assim, têm de dar lugar a uma nova equipa, talvez liderada pela Capitão Marvel (Brie Larson), com Bucky (Sebastian Stan) provavelmente à espera nos bastidores e novos e proeminentes heróis da Wakanda de Black Panther prontos para regressar.

A era Homem de Ferro vai terminar, seguramente agora ou em breve, tendo reformulado o terreno dos grandes filmes que sustentam estúdios inteiros. Nenhum outro estúdio conseguiu replicar este grau de sucesso com universos interligados – e não há garantias de que a próxima fase da Marvel tenha um sucesso tão meteórico. (Embora o estúdio se vá envolver ainda mais, com o futuro serviço de streaming da Disney a incluir séries que se cruzam com o mundo cinematográfico da Marvel, incluindo personagens como Loki, o Falcão e o Soldado de Inverno, a Feiticeira Escarlate e Visão).

Mas mesmo que a próxima super-equipa da Marvel bata recordes de bilheteira, só há uma história de origem para os Marvel Studios. E ela começou publicamente em 2006, quando Feige disse as palavras “Homem de Ferro, Hulk, Thor, Capitão América”.

Endgame é uma interrupção que cria uma mudança de alinhamento. É uma meta antes de um reabastecimento comercial. E contudo será também onde os fãs vão despejar algumas das suas recordações e deixar para atrás alguns dos mortos.

No filme Endgame, os Marvel Studios têm como alvo o coração dos fãs – mesmo que o universo de Feige os tenha conquistado há muito tempo.

 Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post