70% dos doentes que morreram enquanto esperavam cirurgia estavam dentro dos tempos de resposta, garante ministra

Marta Temido sublinha que foi feita a análise aos dados dos doentes que morreram enquanto estavam em lista de espera em 2016 e acrescenta que o número de cirurgias canceladas por óbito tem apresentado uma “percentagem relativamente constante” nos últimos anos.

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Nuno Ferreira Santos

Cerca de 70% dos doentes que morreram enquanto estavam em lista de espera para cirurgia em 2016 encontravam-se dentro dos tempos de resposta clinicamente aceitáveis e mais de metade tinham patologias do foro oftalmológico, ortopédico ou situações como hérnias.

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Cerca de 70% dos doentes que morreram enquanto estavam em lista de espera para cirurgia em 2016 encontravam-se dentro dos tempos de resposta clinicamente aceitáveis e mais de metade tinham patologias do foro oftalmológico, ortopédico ou situações como hérnias.

Os números oficiais são recordados nesta terça-feira pela ministra da Saúde, Marta Temido, em entrevista à agência Lusa, depois de o bastonário da Ordem dos Médicos ter na semana passada lamentado que nunca se tivesse esclarecido a situação dos mais de 2600 doentes que morreram naquele ano enquanto aguardavam uma cirurgia, apurando as causas concretas.

“Setenta por cento correspondiam a situações que estavam dentro do tempo máximo de resposta garantido [para cirurgia]. E desses 2605 doentes mais de metade tinham uma patologia do tipo oftalmologia, ortopedia, hérnias, ou seja, situações que correspondiam a necessidade de cirurgias, mas que relativamente às quais exorbitar qualquer relação entre o motivo em que estavam em lista de espera e o óbito será uma situação sem cabimento”, afirma Marta Temido.

“Se nisso houvesse qualquer suspeição, certamente que as entidades competentes já teriam feito essa avaliação. Não cabe ao Ministério da Saúde outra atitude a não ser a de fazer a sua própria análise e qual o melhor encaminhamento. Feita a análise pelos serviços, não se mostrou haver qualquer razoabilidade em utilizar outra medida”, entende a governante.

A ministra sublinha que foi feita a análise aos dados dos doentes que morreram enquanto estavam em lista de espera em 2016 e acrescenta que o número de cirurgias canceladas por óbito tem apresentado uma “percentagem relativamente constante” nos últimos anos.

“De entre as causas de cancelamento de doentes inscritos em lista de espera, os óbitos têm representado uma percentagem relativamente constante em 2016, 2015, 2014 e anos pretéritos. Se pegarmos nos números, o que verificamos é que entre 2010 e 2016 os números de episódios cancelados por óbito oscilam entre 1% e 2%”, explica a ministra.

Aliás, Marta Temido diz mesmo que o cancelamento de cirurgias por morte de doentes com cancro (neoplasias malignas) foi em 2016 mais baixo do que nos dois anos anteriores: em 2014 foram 237, em 2015 foram 260 e em 2016 foram 231.

A questão dos doentes que em 2016 morreram enquanto estavam em lista de espera para cirurgia foi novamente suscitada na semana passada pelo bastonário Miguel Guimarães, que foi o coordenador do grupo técnico criado pelo Ministério para avaliar o sistema de gestão das listas de espera no SNS, cujo relatório foi divulgado na semana passada.

Este grupo técnico independente avaliou várias questões técnicas na sequência de um relatório do Tribunal de Contas de 2017, que identificou falhas na gestão nos sistemas de gestão das listas de espera e apontava que mais de 2600 morreram enquanto estavam em lista de espera a aguardar cirurgia.

Apesar de esta questão não se enquadrar no âmbito do grupo técnico que coordenou, o bastonário dos Médicos lamentou que não tenha sido até hoje um assunto devidamente avaliado e esclarecido.

Para Miguel Guimarães, era importante avaliar o caso de todos esses doentes, para perceber se morreram por um enfarte ou um acidente, por exemplo, ou se morreram “por evolução da sua própria doença enquanto esperavam por cirurgia”.

“Era uma matéria que devia ser avaliada numa auditoria, vendo doente a doente, o que não aconteceu. Parece que passou em branco. (...) Eu acho que obrigatoriamente era matéria de intervenção do Ministério Público para esclarecer a situação. Não é que haja crime, seria para esclarecer a situação”, afirmou na semana passada à agência Lusa.