Aos dez anos, o Estação Imagem vira a objectiva para dentro
O festival que decorre em Coimbra de 23 de Abril a 21 de Junho conta, pela primeira vez, com exposições individuais de fotojornalistas portugueses.
Ao longo destes dez anos que o festival Estação Imagem já leva a divulgar e premiar o fotojornalismo em Portugal, foi-se avolumando uma subtil ausência: as exposições em nome individual de fotojornalistas portugueses. A excepção abriu-se para João Silva (The New York Times), em 2013, e, claro, para os trabalhos distinguidos com bolsas e prémios do Estação Imagem. Não que fosse uma opção, mas acabou por ir acontecendo, refere ao PÚBLICO o director do festival, Luís Vasconcelos. Não vai acontecer este ano: a edição que tem início nesta terça-feira, em Coimbra, e vai até 21 de Junho, quer corrigir essa lacuna.
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Ao longo destes dez anos que o festival Estação Imagem já leva a divulgar e premiar o fotojornalismo em Portugal, foi-se avolumando uma subtil ausência: as exposições em nome individual de fotojornalistas portugueses. A excepção abriu-se para João Silva (The New York Times), em 2013, e, claro, para os trabalhos distinguidos com bolsas e prémios do Estação Imagem. Não que fosse uma opção, mas acabou por ir acontecendo, refere ao PÚBLICO o director do festival, Luís Vasconcelos. Não vai acontecer este ano: a edição que tem início nesta terça-feira, em Coimbra, e vai até 21 de Junho, quer corrigir essa lacuna.
O prémio de fotojornalismo que começou em Mora, em 2010, já passou por Viana do Castelo e agora tem lugar em Coimbra, pelo segundo ano consecutivo, ocupa vários espaços da cidade com nove exposições, oficinas, projecções de documentários e conferências. E entre os acontecimentos desta edição estão os projectos individuais de António Pedro Ferreira, do Expresso, e de Paulo Pimenta, do PÚBLICO. O processo, explica Luís Vasconcelos, começou com uma convocatória para apresentação de propostas; das cerca de oito respostas, o director reteve estas duas.
De há dois anos para cá, António Pedro Ferreira tem ido ao Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) de máquina na mão. O objecto de foco não é tanto o que se move em palco, mas o que se move por trás dele. Belcanto é o resultado de várias incursões fotográficas aos bastidores de um teatro de ópera e vai estar nas paredes de outra sala de espectáculos, o Teatro Académico de Gil Vicente.
O início do processo foi delicado, diz-nos. “É preciso ter habilidade para os convencer a deixarem mostrar o que eles querem que seja surpresa”, resume. Num trabalho que considera interminável (as imagens mais recentes da exposição incluem fotografias de 2019), o resultado parece-se com “tudo menos os bastidores de um teatro”. A objectiva de António Pedro Ferreira captou monumentos, máscaras e fantasmas, como que a demonstrar “a capacidade de transcendência de um objecto, se isolarmos um pormenor”, descreve. Vai continuar a ir ao São Carlos para documentar os jogos de luz nos bastidores.
Já Paulo Pimenta encontrou o Grupo de Teatro da Crinabel pela primeira vez há 12 anos. O grupo estava no Porto com a peça Metamorfose, de Kafka, e “foi amor à primeira vista”. “Fiquei fascinado com eles e com o encenador, Marco Paiva”, recorda. A partir daí, o fotojornalista do PÚBLICO soube que tinha que acompanhar o grupo que desenvolve trabalho artístico com jovens portadores de deficiência mental. Crinabel: Dentro de Fora de Palco, no Centro Cultural Penedo da Saudade, mostra a vida dos actores. Não apenas o trabalho desenvolvido no âmbito das peças, mas a parte mais pessoal, o seu dia-a-dia.
Com o tempo, Paulo Pimenta passou a fazer parte da Crinabel, o que lhe permite captar o quotidiano sem representações. “No início era conhecido [por eles] como ‘o fotógrafo’. Agora dizem ‘o Paulo está cá’. Há uma coisa fantástica nisto.” O fotojornalista não está ali só para disparar. “Estou sempre a querer estar com eles, quanto mais que não seja para lhes dar um abraço. É uma coisa muito pessoal”, explica.
Também no Centro Cultural do Penedo da Saudade, a exposição Resistir ao Idai reúne o trabalho de nove fotojornalistas portugueses. Luís Barra, Leonel de Castro, André Catueira, Miguel Lopes, Tiago Miranda, Tiago Petinga, João Porfírio, Daniel Rocha (do PÚBLICO) e António Silva estiveram em Moçambique a captar as consequências do ciclone Idai, que provocou 603 mortos e afectou milhão e meio de pessoas.
Noutro continente, também no hemisfério Sul, as FARC e o governo colombiano chegaram a um acordo em 2016. No decorrer do processo de normalização, as histórias individuais de quem passou uma vida na selva e faz agora a transição para a vida civil serviram de material a Catalina Martin-Chico; a fotojornalista franco-espanhola apresenta em Coimbra a exposição Colômbia: [Re]Nascer, que retrata as vidas das mulheres das FARC e o baby boom que acompanhou a paz. O trabalho obteve o segundo prémio do concurso World Press Photo 2019 na categoria Assuntos Contemporâneos.
Com mais de três décadas de fotojornalismo para meios como o diário The New York Times e as revistas Géo e National Geographic, George Steinmetz tem agora em curso um projecto sobre a produção de alimentos. O resultado do trabalho do fotojornalista que já ganhou três prémios World Press Photo é Big Food, patente na Sala da Cidade, que dá visibilidade aos bastidores da indústria alimentar, como o mar de plástico composto por estufas nos planaltos secos do Sul de Espanha (não muito diferente do que começa a cobrir certas zonas do Alentejo). A reportagem da fotógrafa francesa Veronique de Véguerie, que demorou um ano a chegar ao Iémen para captar a Uma Guerra Escondida, mostra-se na Galeria Pedro Olayo Filho, no Convento São Francisco.
Vida e morte de um fotógrafo
O Estação Imagem deste ano inclui também a primeira exposição individual de Desmond Boylan, fotógrafo que trabalhou para a Reuters e para Associated Press (AP) e que morreu em Havana em Dezembro passado, aos 54 anos. Luís Vasconcelos conheceu-o em Madrid, na década de 1980, estava Boylan a iniciar a carreira. “Era um amigo nosso. Cheguei a trabalhar com ele em Pamplona”, diz. Entre outros trabalhos, o fotojornalista nascido na Irlanda mas criado em Espanha fez a cobertura do fim do apartheid na África do Sul, dos conflitos nos Balcãs e da invasão do Iraque pelas forças norte-americanas.
Estabeleceu-se em Cuba, onde já tinha estado, a partir de 2009. “O Desmond tinha-se casado com uma cubana, tinha um filho, e não quis sair de Cuba”, explica Luís Vasconcelos. Mas depois de se demitir da Reuters, em 2013, deixou de ter credencial de jornalista. Foi a Estação Imagem que, junto do Ministério da Imprensa, lhe conseguiu uma credencial. “Aliás, no painel [de entrada da exposição] vamos ter a credencial dele em nome da Estação Imagem”, conta o director do festival. Nos seus últimos tempos de vida, Boylan trabalhava para a AP.
O festival achou que “devia fazer uma homenagem a um típico fotógrafo de agência, daqueles que fazem tudo”, de política, a desporto, passando pelas artes e pelos espectáculos, explica Vasconcelos, a quem a Reuters e a AP deram acesso ao arquivo de trabalhos do fotojornalista. As imagens expostas no Centro Cultural do Penedo da Saudade foram seleccionadas pessoalmente pelo director do Estação Imagem. Desmond Boylan morreu quando se preparava para cobrir as festividades do ano novo, em Havana.
Mas ainda há mais exposições: Fotografia no Feminino, na Casa Municipal da Cultura, mostra o trabalho de 26 profissionais femininas na área da imagem. E o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha recebe Saudade, de Bruno Silva, projecto que resultou da bolsa Estação Imagem 2018.
O júri da edição de 2019 do Prémio Estação Imagem é formado pelo editor-chefe de Fotografia Internacional da AFP, Stéphane Arnaud, pelo fotógrafo George Steinmetz, pelo director do Bronx Documentary Center, Michael Kamber, e pelo fotógrafo da Reuters Darrin Zammit Lupi. Os prémios das nove categorias a concurso serão entregues no Convento São Francisco, em Coimbra, no dia 27 de Abril.