Teoria dos jogos pode contribuir para salvar milhares de sobreiros e azinheiras
A passagem das culturas de sequeiro para o regadio pôs em risco milhares de árvores com elevado estatuto de conservação que são abatidas por se encontrarem isoladas.
Quando a legislação em vigor não assegura a protecção dos exemplares do sobreiro e da azinheira isolados na planície e nas novas zonas de rega, a solução para travar o seu abate sistemático pode estar na teoria dos jogos. Como? Ponderando entre o que as explorações perdem quando não cortam uma árvore isolada com o que se ganha quando se mantém esse espécime de pé. Nem sempre ganha um, mas também nem sempre ganha o outro. É uma questão de equilíbrio e bom senso. Os investigadores acreditam, assim, que esta teoria, com aplicação na economia, biologia, relações sociais, ciência política, ciência militar, ética, filosofia ou jornalismo, pode vir a ter um importante papel na salvaguarda das espécies autóctones.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Quando a legislação em vigor não assegura a protecção dos exemplares do sobreiro e da azinheira isolados na planície e nas novas zonas de rega, a solução para travar o seu abate sistemático pode estar na teoria dos jogos. Como? Ponderando entre o que as explorações perdem quando não cortam uma árvore isolada com o que se ganha quando se mantém esse espécime de pé. Nem sempre ganha um, mas também nem sempre ganha o outro. É uma questão de equilíbrio e bom senso. Os investigadores acreditam, assim, que esta teoria, com aplicação na economia, biologia, relações sociais, ciência política, ciência militar, ética, filosofia ou jornalismo, pode vir a ter um importante papel na salvaguarda das espécies autóctones.
O sobreiro e a azinheira ocupam, respectivamente, 736.000 hectares e 465.000 hectares a nível nacional mas, apesar de a legislação em vigor lhes garantir um elevado estatuto de conservação, de pouco serve quando as árvores se encontram isoladas e somam menos de 50 exemplares por hectare. É o que tem acontecido às árvores que não integram povoamentos. A imagem característica que se tem do Alentejo - um “chaparro” isolado no meio da planície - está a desaparecer para dar lugar aos grandes povoamentos de culturas intensivas e super-intensivas.
“Estamos na presença de interesses em conflito: o interesse do ponto de vista biofísico e ambiental em conservar as árvores e o interesse produtivista que se propõe cortar todas as árvores”, explicou Inocêncio Seita Coelho, investigador no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), no debate que decorreu em Alvito a 9 de Abril sobre “O Regadio na Transformação da Paisagem no Alentejo - Riscos e Oportunidades”.
Referia-se às árvores que se encontram isoladas. Para além do simbolismo, os exemplares destas espécies autóctones “são uma imagem de marca, identificadora da região” e um elemento necessário para o “bem-estar animal no Verão (os rebanhos procuravam a sua sombra nas horas de maior calor) e abrigo para poiso e reprodução de morcegos”, enumerou o investigador.
A legislação em vigor não assegura a manutenção das árvores isoladas e permite que os proprietários das explorações solicitem o seu abate, alegando que causam transtorno à actividade agrícola. E a maioria dos arranques ou cortes que se verificam têm como justificação a instalação de culturas intensivas e super-intensivas (olival, amendoal, e outras árvores de fruto). Desta forma, a floresta autóctone vai desaparecendo, se juntarmos a estes cortes as mortes causadas por doenças, alterações climáticas e, sobretudo, os abates à margem da lei.
As denúncias sobre o corte ou arranque de sobreiros, mas sobretudo de azinheiras, sucedem-se nas redes sociais, no SEPNA (Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da GNR) e no Ministério da Agricultura. Progressivamente, estas vão desaparecendo apesar de ser obrigatório a apresentação de um pedido junto dos serviços do Ministério da Agricultura para que se possa proceder ao abate de árvores isoladas.
Seita Coelho reconhece que os proprietários que substituíram o sequeiro pelo regadio de novas culturas “têm interesse em aumentar a rentabilidade das suas produções”. Estes alegam que no lugar de um sobreiro ou de uma azinheira podem ser plantadas meia dúzia de oliveiras em regime superintensivo. O INIAV elaborou um estudo e concluiu que as perdas de azeitona com a manutenção de uma árvore autóctone se situavam entre os 50 e os 100 quilos. Mas, saliente o investigador, em olivais que ocupam 200, 400, 1000 ou até mais hectares, “a perda não é significativa do ponto de vista económico”.
Tendo em conta estes dados - assim como as densidades mínimas por hectare cujo abate está interdito, um valor que varia conforme o perímetro da árvore - os investigadores do INIAV estudaram uma possível solução para a preservação das azinheiras e sobreiros isolados: a teoria dos jogos. Esta analisa como os intervenientes numa determinada relação de interacção estratégica (agricultura versus ambiente, no caso) actuam no sentido de “promover o melhor resultado possível para si próprios”. As acções de uns são condicionados pelas dos outros e “nenhuma das pretensões ganha tudo e nenhuma perde tudo, ambas ficam a ganhar, com custos pouco significativos”, explica Seita Coelho.
“Temos de ponderar a importância da manutenção das árvores isoladas do ponto de vista ambiental e os hipotéticos efeitos negativos da manutenção dessas mesmas árvores para as explorações” em áreas de conversão de sequeiro para regadio, continua o investigador. E decidir conforme essa ponderação. Não se trata de criar nova legislação mas de uma iniciativa cuja promoção conta com o “bom senso” dos proprietários.