A política como tragicomédia
A previsível vitória de Zelensky nas presidencias ucrianianas é mais um exemplo da frustrante rendição do eleitorado em várias democracias à alarvidade do populismo.
Mais de seis milhões de ucranianos deixaram o país entre 2002 e 2017; um em cada seis emigra para um país europeu, sobretudo para a Polónia, onde já reside uma comunidade à volta de um milhão de pessoas; mais de metade dos jovens com menos de 25 anos está disposta a deixar o país e aponta a corrupção e os conflitos armados como principais motivos para esse desejo. Acresce a isto um recrudescimento do discurso de ódio e os ataques de membros da extrema-direita a activistas LGBTI.
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Mais de seis milhões de ucranianos deixaram o país entre 2002 e 2017; um em cada seis emigra para um país europeu, sobretudo para a Polónia, onde já reside uma comunidade à volta de um milhão de pessoas; mais de metade dos jovens com menos de 25 anos está disposta a deixar o país e aponta a corrupção e os conflitos armados como principais motivos para esse desejo. Acresce a isto um recrudescimento do discurso de ódio e os ataques de membros da extrema-direita a activistas LGBTI.
Não é preciso um doutoramento em ciência política para perceber porque é que um humorista consegue ser eleito Presidente de um país e derrotar o magnata da indústria do chocolate que actualmente ocupa o lugar. A dúvida sobre as eleições deste domingo na Ucrânia consiste apenas em saber com que percentagem Volodimir Zelensky será eleito. A campanha destas presidenciais, a sua primeira volta e o comício-espectáculo desta sexta-feira são uma incrível metáfora da preocupante fusão entre realidade e ficção. Com os eleitores a preferirem a segunda, como se comprova pelas percentagens de 60 a 70% das intenções de voto no candidato-surpresa.
Existem algumas razões mais óbvias para explicar a mais que provável vitória de Zelensky. A sua popularidade é altíssima, superior à de qualquer outro político, e advém do programa de televisão O Servo do Povo, na qual desempenha o papel incorruptível de professor de liceu que se candidata à presidência após o sucesso na Internet de um discurso seu contra a corrupção.
Depois, Zelensky furtou-se aos debates, evitou discursos, não se sabe o que pensa e se sabe o que diz, e o que propõe para um país em crise e em guerra são banalidades demagógicas como eliminar a imunidade parlamentar ou impedir que alguém condenado por corrupção possa ocupar cargos públicos. Não passa de stand-up comedy, claro. Finalmente, o desencanto com os políticos, com uma endémica corrupção, a situação de guerra em Donbass, no Este do país, contra milícias patrocinadas por Moscovo, e a perda da Crimeia compõem a tragédia que ajuda um cómico a medrar.
A previsível vitória de Zelensky é mais um exemplo da frustrante rendição do eleitorado em várias democracias à alarvidade do populismo, que ameaça contaminar a democracia de forma indelével. Embora nenhum dos candidatos seja pró-Rússia, e a Constituição da Ucrânia seja pró-europeia e pró-atlantista, Putin não deixará de aplaudir no final.