Relatório conclui que ministério limpou doentes das listas de espera

Grupo Técnico Independente não conseguiu avaliar impacto da limpeza e se foi ou não bem feita, alegando que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) não forneceu os dados necessários para essa análise.

Foto
Grupo Técnico Independente fez 45 recomendações ao Ministério da Saúde para melhorar informação e acesso a cirurgias e consultas Paulo Pimenta

O Ministério da Saúde deve adoptar medidas para que a qualidade da informação sobre o acesso a consultas e cirurgias “não seja o resultado de medidas de limpeza ou expurgo de listas de espera das quais resulte, como aconteceu no passado, a eliminação de doentes das listas”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Ministério da Saúde deve adoptar medidas para que a qualidade da informação sobre o acesso a consultas e cirurgias “não seja o resultado de medidas de limpeza ou expurgo de listas de espera das quais resulte, como aconteceu no passado, a eliminação de doentes das listas”.

Esta é uma das 45 recomendações do relatório, a que o PÚBLICO teve acesso, elaborado pelo grupo de trabalho criado na sequência de uma avaliação do Tribunal de Contas (TdC), de Setembro de 2017, que considerou que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) falseou os tempos de espera para consultas e cirurgias através de “procedimentos administrativos de validação e limpeza de listas de espera”.

O grupo de trabalho diz ainda que os utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) devem ter acesso à data prevista para serem operados, aos critérios que definem a posição que ocupam na lista de espera e a prioridade que lhes é atribuída, bem como a informação sobre o tempo máximo de resposta garantido.

A auditoria do TdC, que avaliou o triénio 2014-2016, concluiu que houve uma degradação do acesso aos cuidados, desmentindo os números da ACSS que diziam que se tinha esperado menos tempo por uma primeira consulta num hospital entre 2013 e 2016.

Aquando da divulgação do relatório do TdC, a ACSS então presidida por Marta Temido – hoje ministra da Saúde – rejeitou a existência de “qualquer intervenção artificial na gestão das listas de espera”. Justificação que não impediu o então ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes de criar, ainda nesse ano, um grupo de trabalho para analisar os problemas no acesso a consultas e cirurgias e fazer recomendações.

Coordenado pelo bastonário dos Médicos, Miguel Guimarães, o grupo também tinha na sua constituição o actual secretário de Estado da Saúde Francisco Ramos, na altura presidente do IPO de Lisboa, em representação da Associação dos Administradores Hospitalares. O relatório foi entregue ao Ministério da Saúde em Agosto do ano passado, mas só agora foi tornado público um resumo do mesmo.

De acordo com Miguel Guimarães, o relatório “não diz mais nem menos do que o TdC” e que não há dúvida que foi feito um expurgo de doentes das listas de espera. “Mas não foi possível quantificar e avaliar o impacto porque a ACSS não forneceu os dados necessários, nomeadamente a lista de doentes expurgados”, explicou, referindo que, até agora, nunca lhe foi dado conhecimento se o Ministério da Saúde estava ou não a seguir as recomendações do relatório.

O documento confirma a existência de vários problemas, assim como a intervenção da ACSS, como entidade gestora dos sistemas de Consultas a Tempo e Horas (CTH) e de inscritos na lista de espera para cirurgia. “Também se verificou, no âmbito das atribuições do dever de assegurar a qualidade da informação de gestão do acesso a cuidados de saúde, a adopção de medidas de limpeza ou expurgo de listas de espera”, refere o grupo de trabalho, que reconhece que “não foi possível determinar o impacto real que o expurgo de doentes das lista da CTH teve sobre a redução efectiva do TME [tempo médio de espera]”.

Isto porque, explica o relatório, a ACSS não forneceu elementos que permitissem avaliar quantos doentes a quem foi atribuído o estado “recusa”, por falta de resposta do hospital onde estavam, foram reinscritos noutra unidade. E dos reinscritos, qual o tempo médio de espera que tinham antes da recusa e qual o que passaram a ter. Segundo o grupo de trabalho, a ACSS também não disse quantos doentes “foram simplesmente eliminados das listas de espera”.

A análise ao sistema integrado de gestão de inscritos para cirurgia (SIGIC) levou à detecção de mais problemas, como a não inscrição do doente na lista de espera logo após a consulta que determinou a necessidade da operação.

Os peritos detectaram uma série de factores que “contribuem para o aumento dos tempos de espera” nas cirurgias programadas. Desde logo, os “sucessivos adiamentos e cancelamentos”, por “lapso do hospital”. Mas também a “não emissão” de vales-cirurgia e de notas de transferência para outras unidades de saúde – dois mecanismos usados para dar uma nova opção ao doente quando o tempo máximo de resposta se aproxima do fim.

O grupo de trabalho questiona ainda quais os critérios que levaram à definição dos tempos máximos de resposta garantidos (TMRG). O Governo, numa revisão recente, reduziu os tempos recomendados para as prioridades normais quer nas cirurgias quer nas consultas. “A redução dos TMRG por determinação legal, sem que previamente se optimize e aumente a capacidade instalada de todas as estruturas hospitalares do SNS irá originar, desde logo, um aumento significativo do incumprimento daquela determinação.”

A solução será a emissão de mais vales-cirurgia, “situação que poderá penalizar financeiramente os hospitais do SNS, no que aparenta ser uma subversão do sistema”. São os hospitais onde os doentes estão inscritos que têm de pagar a cirurgia realizada noutra unidade.

O grupo deixa 45 recomendações ao Ministério da Saúde para melhorar a informação e o acesso a cirurgias e consultas. Entre elas estão a definição dos TMRG com base em critérios clínicos, a integração de todos os sistemas de informação para que se evitem erros ou duplicações de inscrição e a avaliação periódica, “por entidade externa à ACSS”.

ACSS diz que se trata apenas de corrigir erros

Questionada pelo PÚBLICO sobre estas conclusões, a ACSS diz que o “expurgo é, no âmbito dos conceitos aplicáveis ao programa Consultas a Tempo e Horas, um processo que ocorre de forma rotineira e que corrige erros administrativos ou erros de integração (exemplo: pedidos duplicados, erros de integração entre os sistemas informáticos, erros do processo administrativo de registo)”.

A ACSS refere ainda que “este processo não prejudica a resposta efectiva aos utentes em lista de espera e não implica/origina a exclusão de doentes das listas de espera”.

Quanto às recomendações do grupo de trabalho, tanto a ACSS como a SPMS-Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (que gerem os sistemas informáticos) afirmaram que muitas delas determinaram o curso dos trabalhos relativamente à melhoria dos Sistemas de Informação, nomeadamente a “substituição do Consultas a Tempo e Horas (o novo sistema já se encontra a ser desenvolvido pela SPMS), bem como a integração, cada vez mais aprofundada, de vários sistemas hospitalares com os sistemas centrais do Ministério da Saúde”.