Até onde é que o vento pode levar os microplásticos? Até ao topo do mundo

No topo dos Pirenéus encontraram-se quantidades de partículas de plástico invisíveis a olho nu comparáveis às registadas em Paris e numa megacidade industrial chinesa. Levadas pelo vento, podem viajar pelo ar distâncias de pelo menos 100 quilómetros.

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Microplásticos com menos de cinco milímetros de diâmetro Current Biology e Wright et al

O planeta parece já não esconder lugares prístinos — pelo menos dos potencialmente ubíquos microplásticos. É nisso que acreditam os cientistas que encontraram nos Pirenéus franceses concentrações de microplásticos comparáveis às que já tinham sido registadas em estudos anteriores no centro de uma capital europeia, Paris, e numa megacidade chinesa altamente industrializada, Dongguan. Se os investigadores Steve e Deonie Allen estavam à espera de documentar tantas partículas poluentes até no topo de montanhas remotas? “Nunca esperamos encontrar assim tanto plástico. É preocupante”, alerta Steve Allen, da Universidade de Strathclyde, em Glasgow, Escócia.

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O planeta parece já não esconder lugares prístinos — pelo menos dos potencialmente ubíquos microplásticos. É nisso que acreditam os cientistas que encontraram nos Pirenéus franceses concentrações de microplásticos comparáveis às que já tinham sido registadas em estudos anteriores no centro de uma capital europeia, Paris, e numa megacidade chinesa altamente industrializada, Dongguan. Se os investigadores Steve e Deonie Allen estavam à espera de documentar tantas partículas poluentes até no topo de montanhas remotas? “Nunca esperamos encontrar assim tanto plástico. É preocupante”, alerta Steve Allen, da Universidade de Strathclyde, em Glasgow, Escócia.

O estudo publicado esta semana na revista científica Nature Geoscience é pioneiro a provar que os microplásticos não se ficam pelas cidades, podendo “alcançar e afectar”, com a mesma força, “áreas escassamente populadas”, também “através de transporte atmosférico”. Mais, sugerem que estas partículas viajam regularmente por “distâncias significativas” — 100 quilómetros, mas os investigadores não negam que esta distância possa ser, na realidade, muito superior — à boleia do vento, que pode ser capaz de as levar “para todo o lado”. Depois, a chuva ou a neve arrasta-as até se depositarem no chão.

Para esta investigação, a equipa analisou amostras recolhidas ao longo de cinco meses, entre Novembro de 2017 e Março de 2018, na estação meteorológica de Bernadouze, a 1425 metros de altitude, uma zona que escolheram por, supostamente, estar livre de contaminação. Não o é, sabem agora: a cada dia, estimam, uma média de 365 microfragmentos de plástico, invisíveis a olho nu, precipitava-se em cada metro quadrado de natureza selvagem. As origens mais próximas de poluição, observam, são uma pequena aldeia a seis quilómetros e uma cidade ainda mais distante, Toulouse, a 120 quilómetros.

Encontraram plásticos de quase todos os tipos, mas documentaram principalmente partículas com um diâmetro inferior a 50 micrómetros (milésima parte um milímetro) de poliestireno e polietileno, os principais componentes nos sacos e nas garrafas de plástico e embalagens de uso único (componentes que podem ser reciclados). Também recolheram fragmentos esféricos, embora, culpa do desgaste, não consigam confirmar se são ou não microesferas – cuja redução os deputados portugueses aprovaram no início do ano, rejeitando, no entanto, a sua proibição.​

Os microplásticos, partículas que têm um tamanho inferior a cinco milímetros de diâmetro, resultam da deterioração de peças maiores de plástico, pela lavagem de têxteis sintéticos, pela abrasão dos pneus ou já vêm como microesferas incorporadas em produtos de limpeza corporal e cosméticos, como é o caso dos esfoliantes. 

Vários estudos já tinham demonstrado que os microplásticos desaguavam em zonas remotas dos oceanos “a uma escala global”, transportados pelos rios. Num artigo científico publicado esta terça-feira na revista Nature Communications, a investigadora Clare Ostle, da Associação de Biologia Marinha, em Plymouth (Reino Unido), mostra, sem surpresas, que desde 1990 se tem registado um aumento significativo da quantidade plástico nos mares que rodeiam o Atlântico Norte, bem como no próprio oceano. 

Clare Ostle e a equipa que com ela trabalhou examinaram seis décadas de dados (de 1957 a 2016), recolhidos ao longo de 6,5 milhões de milhas náuticas. Desde 2000 que o emaranhamento de plástico no dispositivo usado desde a década de 50, normalmente para medir o plâncton — e, neste caso, também o plástico que nele ficou preso —, tem vindo a aumentar cerca de dez vezes. O estudo também merece destaque por apresentar alguns dos primeiros registos, presentes nos oceanos do material cuja produção tem vindo a aumentar exponencialmente desde os anos 1950. 

Quando recentemente cientistas britânicos decidiram examinar 50 mamíferos de várias espécies na costa do Sudoeste de Inglaterra, encontraram microplásticos em todos eles. E por cá, investigadores já alertaram que no estuário do Douro, há mais partículas de plásticos do que larvas de peixes.

No entanto, “falta informação” sobre a presença destas partículas e as suas deslocações pelo ar, exceptuando duas investigações que já tinham sido realizadas por outras equipas de cientistas em Paris e Dongguan. “Esses estudos foram feitos em partículas ligeiramente maiores [do que o nosso]”, diz Steve Allen, em entrevista por telefone ao PÚBLICO. “À medida que procuramos partículas com tamanhos cada vez mais pequenos, os números sobem de forma bastante dramática.”

Não são conhecidos os impactos destas partículas na saúde humana. Em Outubro, um estudo inédito, embora ainda exploratório, veio acrescentar uma outra preocupação: encontraram-se pela primeira vez 20 partículas de microplásticos em cada dez gramas de fezes de oito participantes de diferentes nacionalidades. É como diz Deonie Allen, do instituto de investigação EcoLAb, nos arredores de Toulouse, França: “Estamos só agora começar a perceber o que é que eles fazem”, lembrando que os microplásticos podem ser respiráveis e ingeríveis. Ou como conclui Steve Allen: “Acho que temos de nos preocupar porque não sabemos quão perigosos podem ser. Vemos que afectam todos os ecossistemas. Sabemos que a quantidade de plástico que estamos a criar todos os anos está a subir e não está a desacelerar.”

Estima-se que, em 2016, se produziram 335 milhões de toneladas de plástico (60 milhões na Europa), segundo indica o artigo agora publicado na Nature Geoscience. “Mesmo que parássemos a produção de plásticos agora, não sabemos durante quanto tempo é que vão continuar a chover do céu ou a fluir para os oceanos”, lamenta Steve Allen. “Acho que a única forma de termos os governos a fazer alguma coisa sobre isto é se de facto as pessoas reivindicarem.”