Bitola Europeia? Uma “não questão” para a ferrovia ibérica…
Na Península Ibérica a questão da bitola europeia deixou de ser um problema de curto/médio prazo, passando a ser uma questão de médio/longo prazo, já que não fará sentido assumir investimentos elevados num ativo que não têm retornos técnicos ou económicos imediatos.
A interoperabilidade[1] da rede ferroviária europeia é uma necessidade determinante para a concretização do Espaço Ferroviário Europeu único e, consequentemente, para o aumento da quota do caminho-de-ferro no transporte de passageiros e mercadorias, com vista à descarbonização e a uma menor pegada ecológica, e à criação de uma alternativa ao congestionamento do modo rodoviário, razão pela qual a UE tem desenvolvido um esforço nesse sentido.
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A interoperabilidade[1] da rede ferroviária europeia é uma necessidade determinante para a concretização do Espaço Ferroviário Europeu único e, consequentemente, para o aumento da quota do caminho-de-ferro no transporte de passageiros e mercadorias, com vista à descarbonização e a uma menor pegada ecológica, e à criação de uma alternativa ao congestionamento do modo rodoviário, razão pela qual a UE tem desenvolvido um esforço nesse sentido.
Todavia, se por um lado garantir sistemas interoperáveis ao nível da sinalização, catenária e regulamentos de operação, é técnica e financeiramente simples, a questão das diferenças de bitola acrescenta uma complexidade que obriga a um especial cuidado na procura das soluções, já que, ao nível da infra-estrutura, estas originam custos de investimento demasiado elevados, cujo retorno está dependente de elevados fluxos de transporte.
Este problema de diferença de bitola afeta Portugal e Espanha, onde as redes ferroviárias convencionais estão dotadas de bitola ibérica (1668mm) o que representa uma restrição para o transporte ferroviário além Pirenéus, onde existe a bitola europeia (1435mm), atenta a necessidade de mudança de rodados ou de transferência de carga em todos os comboios.
Face a esta entropia técnica, na década de 80 Espanha começou a analisar a possibilidade de migrar a sua rede ferroviária convencional para bitola europeia (1435mm), tendo concluído rapidamente que os custos eram incomportáveis e o retorno era reduzido, já que os fluxos de transporte ferroviário de mercadorias ocorrem essencialmente dentro da península.
Perante as dificuldades técnicas e os custos associados à introdução de bitola europeia na rede ferroviária ibérica, o mercado respondeu com material circulante de eixos variáveis que que se adaptam a ambas as bitolas e permitem adiar os investimentos até serem imprescindíveis, possibilitando a realização de comboios interoperáveis além Pirenéus sem restrições.
A opção passou então pela utilização de comboios com eixos variáveis e, simultaneamente, nuestros hermanos apostaram na utilização de travessas polivalentes (1668mm ou 1435mm) nas intervenções de reabilitação e de modernização, tal como a Infraestruturas de Portugal fez (e bem) no ramal de acesso ao Porto de Aveiro e nas variantes da Trofa e de Alcácer, que permitirão, quando vier a ser necessário, migrar a bitola gradualmente e em função das necessidades de contexto.
No que respeita à rede de alta velocidade espanhola, os principais eixos de mobilidade foram construídos de raiz com bitola europeia e padrões geométricos adequados exclusivamente ao transporte de passageiros, já que os custos de investimento em linhas de tráfego misto (passageiros e mercadorias) são elevadíssimos, atentas as restrições técnicas ao nível do desenho do traçado em planta e do perfil longitudinal, e dos elevados custos de manutenção associados ao transporte de mercadorias e à respetiva compatibilização com o transporte de passageiros.
Nesse sentido, o Ministério do Fomento espanhol em 20.02.2019, a propósito da apresentação pública do Corredor Atlântico[2], assumiu que a bitola europeia já não é um requisito da rede básica, embora se preveja uma migração gradual a médio/longo prazo, e que apenas está contemplada desde logo nas linhas de alta velocidade para transporte exclusivo de passageiros, e na “Y Basca” até Vitória que foi desenhada para tráfego misto.
Face a este novo contexto, na Península Ibérica a questão da bitola europeia deixou de ser um problema de curto/médio prazo, passando a ser uma questão de médio/longo prazo, já que não fará sentido assumir investimentos elevados num ativo que não têm retornos técnicos ou económicos imediatos, mas que conduz de imediato a encargos financeiros elevados, não sendo decerto uma opção, nem para os operadores logísticos, nem para as empresas industriais a operar em Portugal continental, quer exportadoras, quer importadoras, já que dessa forma, veriam os custos de contexto aumentarem e penalizarem ainda mais a competitividade da economia.
Existindo já soluções técnicas ao nível do material circulante, nomeadamente equipamento de eixos variáveis, que os operadores dispõe e já usam, não será a existência por mais algumas dezenas de anos de linhas com bitola ibérica que a Península Ibérica se tornará numa ilha ferroviária, mas será o contexto de mercado a ditar “o quando” da necessidade de migração de bitola. Afinal um projeto é a necessidade decorrente de um contexto e não o contrário…
[1] Interoperabilidade de uma rede ferroviária resulta da compatibilização e harmonização técnica dos diferentes sistemas de sinalização e de catenária, da bitola (distância entre carris), da operação ferroviária e da regulamentação em vigor.
[2] http://www.adif.es/es_ES/empresas_servicios/doc/Present-CorredorAtco_febrero-19.PDF
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico