Na Murtosa, andar de bicicleta é tão natural como viver
Município acaba de ser considerado pelo Bike Friendly Index “o mais amigável” para andar em duas rodas. Percebe-se: na Murtosa, as bicicletas parecem estar em toda a parte.
É difícil encontrar uma loja ou um café que não tenha uma bicicleta (ou várias) encostada à porta – mesmo por estes dias em que o tempo não tem estado de feição. Pasteleiras ou de nova geração, com ou sem cesto, na Murtosa as bicicletas parecem estar em toda a parte. Não fosse a idade avançada (82 anos) e Augusto Morais (mais conhecido por “Poveira”) não teria mãos a medir. Há 40 anos que se dedica a reparar as bicicletas das gentes da terra — tem uma oficina no centro da vila — e sabe bem do que fala.
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É difícil encontrar uma loja ou um café que não tenha uma bicicleta (ou várias) encostada à porta – mesmo por estes dias em que o tempo não tem estado de feição. Pasteleiras ou de nova geração, com ou sem cesto, na Murtosa as bicicletas parecem estar em toda a parte. Não fosse a idade avançada (82 anos) e Augusto Morais (mais conhecido por “Poveira”) não teria mãos a medir. Há 40 anos que se dedica a reparar as bicicletas das gentes da terra — tem uma oficina no centro da vila — e sabe bem do que fala.
“Sempre se andou muito de bicicleta por aqui. Era o meio de transporte que as pessoas usavam para ir para as fábricas”, recorda. Mudaram-se os tempos e os hábitos, mas ainda são muitos os que preferem continuar a dar aos pedais no município que acaba de ser considerado “o mais amigável” para a utilização da bicicleta pelo Bike Friendly Index, índice criado por dois investigadores da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa.
É o caso de João Fidalgo, docente de Português, que vai diariamente de casa para a escola de bicicleta. Da Murtosa a Estarreja são sete quilómetros, percurso que o docente já vem repetindo “há 26 ou 27 anos” e de forma natural. “Foi um hábito que adquiri e confesso que me dá muita liberdade”, testemunha. Na escola, conta, é conhecido como “o prof da bicicleta”, sem que isso lhe cause qualquer tipo de embaraço. Num ano lectivo, serão poucas as vezes em que não vai de bicicleta para a escola — “umas 20 ou 30 vezes, no máximo” —, na certeza de que a chuva não é impedimento suficiente para o levar a pegar no automóvel. “Tenho um casaco, tipo de pescador, para vestir quando chove”, conta ao P3.
Quem também não se deixa intimidar por uns meros aguaceiros é Ana Luísa Santos, dona de uma loja de artesanato situada no centro da vila. Só em situações mais adversas é que abdica do seu “Ferrari”. “É assim que eu lhe chamo, porque é vermelha”, explica, em tom de brincadeira. Foi parar à Murtosa “há 30 e tal anos”, vinda de “Pombal, onde era difícil andar de bicicleta, por causa das subidas e descidas”, relata. Chegada a este município da região de Aveiro, o processo foi quase automático. “Toda a gente andava de bicicleta”, recorda.
A comerciante só ainda não vendeu o carro por causa das “três netas”. “De repente, pode ser preciso ir a algum lado e o carro pode ser fundamental”, aponta. De resto, nas “voltinhas do dia-a-dia” a bicicleta continua a ser o meio preferencial. “Vivo perto, é tudo plano e tenho sempre estacionamento para o ‘Ferrari’ à porta da loja”, destaca.
Falta estacionamento junto a alguns serviços
O cartaz instalado na fachada da câmara municipal diz tudo. Uma foto antiga (a preto e branco), de 1913, com dezenas de ciclistas, colada a uma outra (a cores), de 2013, igualmente uma grande concentração de bicicletas e ciclistas. “Murtosa – Há mais de 100 anos a terra das bicicletas”, lê-se. À porta do edifício camarário, há um estacionamento para os veículos movidos a pedais. Como seria de esperar, também por ali há quem se desloque de casa para o trabalho de bicicleta. O vice-presidente da câmara, Januário Cunha, é um deles. “Utilizo a bicicleta há muitos anos, como toda a gente daqui”, destaca.
À tradição juntam-se outros factores, como a orografia e a escassa distância entre os vários pontos do município — o mais longínquo, a praia da Torreira, fica a dez quilómetros da sede do concelho. Sem esquecer, realça o autarca, a aposta na rede de ciclovias — entre ciclovias dedicadas e ecovias são já “pouco mais de 50 quilómetros”.
Ainda assim, e não obstante a posição de topo que o município ocupa no ranking nacional, há ainda trabalho por fazer. “Faltam parques para as bicicletas junto a vários edifícios e serviços”, lamenta Joaquim Guilherme Primo, director do jornal O Concelho da Murtosa, também ele um utilizador assíduo do veículo de duas rodas. “Nos 365 dias do ano, não chegam a ser 30 ou 40 os dias em que não vou de bicicleta”, testemunha. Às viagens diárias casa-trabalho-casa junta também a vertente desportiva, nomeadamente com o “btt e o ciclismo de estrada”.
Joaquim Guilherme Primo considera que a Murtosa merece o título de concelho português mais amigável para a utilização da bicicleta. Mas reclama mais. Acima de tudo, “melhor sinalização e mais espaços para o parqueamento de bicicletas”. O vice-presidente da autarquia dá-lhe razão e assegura que este é um trabalho para continuar.
Com ou mais parques, Glória Evaristo promete continuar a pedalar. “Ajuda-me a andar mais ágil, a mexer-me melhor”, conta. Tem 80 anos e só não anda de bicicleta quando chove muito. “Dantes, ainda me habilitava a ir de bicicleta com o guarda-chuva; agora, tenho medo de cair”, admite. Usa-a para as suas viagens diárias até ao centro da vila (vive no Monte), para ir ao café ou ao mercado. “Mas também ainda vou até à praia da Torreira a pedalar”, assevera.