Da criação à distribuição, o Westway LAB passa a pente fino as etapas da indústria musical
Nos primeiros dias da 6.ª edição do festival discutiram-se as zonas cinzentas da produção, conheceu-se uma nova distribuidora digital nacional e testemunhou-se a criatividade. Na segunda metade do evento o foco vai para a música feita no Canadá.
Espera-se que num festival que dedica quatro dias em torno da discussão, promoção e criação musical, onde estão músicos, agentes, representantes de festivais ou produtores de vários pontos do globo, parte do tempo seja passado a partilhar música, aproveitando todos os momentos possíveis para se criarem redes de contacto e para divulgação das composições mais recentes de artistas em ascensão. Em Guimarães, nos dois primeiros dias da 6.ª edição do Westway LAB, mais dedicados às conferências e ao processo de criação musical, como se esperava, cumpriu-se essa expectativa.
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Espera-se que num festival que dedica quatro dias em torno da discussão, promoção e criação musical, onde estão músicos, agentes, representantes de festivais ou produtores de vários pontos do globo, parte do tempo seja passado a partilhar música, aproveitando todos os momentos possíveis para se criarem redes de contacto e para divulgação das composições mais recentes de artistas em ascensão. Em Guimarães, nos dois primeiros dias da 6.ª edição do Westway LAB, mais dedicados às conferências e ao processo de criação musical, como se esperava, cumpriu-se essa expectativa.
Estivéssemos noutros tempos – não seria necessário recuar mais de uma década – e parte da área do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), espaço base deste festival organizado pela Oficina, seria ocupado por bancas de discos e outro material promocional. Longe vão esses tempos e não é por isso que não se cumpre o mesmo desígnio. A música — singles, demos, álbuns —, continua a ser partilhada, mas em links que direccionam para plataformas de streaming como o Spotify, Deezer, YouTube ou Apple Music.
A ausência do suporte físico neste tipo de encontros revela bem a mudança de paradigma pela qual a indústria musical passou nos últimos anos e, ao mesmo tempo, serve de alerta para a urgência de um reforço digital a qualquer banda que queira chegar mais além.
Foi por isso que, seguindo essa lógica e colmatando uma falha que ainda existia, foi criada a Level Up, de acordo com a mentora deste projecto, Ana Rita Feijão, a primeira distribuidora digital portuguesa para músicos independentes. A própria, moderou, nesta sexta-feira, uma das conferências do Palácio Vila Flor, dedicada à área em que se move, com painel composto por um playlister da Deezer, Robin Vincent, e um consultor digital que trabalha com as várias plataformas de streaming, Wesley A’Harrah.
Sublinhou o último, numa das conclusões deste debate, que não faz sentido ceder à tentação purista de se continuar a editar álbuns apenas em formato físico, quando cada clique ou download numa plataforma de streaming vale dinheiro e está acessível para um mercado muito mais extenso. Nada impede, considera, que se continue a lançar edições físicas, mas num pacote cada vez mais apelativo a coleccionistas e com edições mais limitadas.
É para fazer a ponte entre artistas e plataformas de streaming que, em Fevereiro, foi lançada uma versão, ainda de teste, da Level Up, para músicos com base em Portugal. Não é que o acesso a esses canais esteja vedado aos músicos nacionais, que, na sua grande maioria, já têm a sua discografia disponível em streaming. O passo em frente, diz a mentora do projecto, é, fruto da proximidade, permitir aos artistas um contacto mais directo com quem distribui a sua música, que até agora limitava-se a um “diálogo feito online” com intermediários estrangeiros. Com esta distribuidora existe a hipótese de um encontro cara a cara.
Por agora, reúnem um catálogo apenas com dez artistas. Só mais para o final do ano é que estará a funcionar em pleno. Importante, numa primeira fase, diz, era conseguir estabelecer os contactos necessários para poderem chegar a todas as plataformas. Para isso, muito contribuiu o apoio da AMAEI - Associação de Músicos Artistas e Editoras Independentes e a ligação criada com a britânica Merlin, associação que representa a comunidade independente no mercado digital.
Ainda um protótipo, só quando a máquina estiver oleada é que o catálogo se abrirá a outros artistas, a quem prestarão também apoio na “monitorização e monetização” dos seus conteúdos. Ana Rita, sublinha que os artistas não têm que pagar qualquer valor para fazerem parte da Level Up. A distribuidora seleccionará o seu catálogo e negociará as margens da receita com os músicos: “Toda a receita vem das plataformas e é definida pelos plays e downloads de cada serviço”.
As zonas cinzentas entre composição e produção
Fazer a música chegar aos canais de distribuição é só uma das fases do processo, neste caso, já pós-criação musical. Antes disso é preciso compô-la e produzi-la. Para debater as zonas cinzentas entre composição e produção, na quinta-feira, Ricardo Ferreira (produtor) e Rui Ribeiro (compositor/produtor) levaram para uma das conferências alguns exemplos do que o trabalho de supervisão em estúdio pode fazer por uma música ainda em fase de esboço. Lança-se a questão: “Quando acaba a composição e começa a produção?”. São questões com respostas diversas. Consensual é que o trabalho entre músico e produtor só pode funcionar em pleno se, ainda que a discussão possa ser longa, houver confiança no trabalho de cada uma das partes.
Este é um festival que passa a pente fino todas as etapas da máquina que é a indústria musical. Na base de tudo está a criação, da qual dependem todos os passos subsequentes. E é ainda antes do festival começar que, o Westway LAB, através das residências artísticas que juntam duplas compostas por músicos nacionais e internacionais, dá espaço à criatividade.
Laboratório para a criação
Sem produtores, apenas com os instrumentos e o tempo limite de pouco mais de uma semana, nasceram no Centro de Criação de Candoso projectos musicais formados por músicos que não se conheciam, que parecem nunca terem tocado com outros membros. Nos dois primeiros dias do evento, além das conferências, o foco esteve virado para os showcases, resultado dessas residências artísticas, no Café-concerto do CCVF.
A melancolia do vimaranense Captain Boy parece ter encontrado uma espécie de elo perdido na pop sensual e magnético da italiana Violetta Zironi, que no dia seguinte, quinta-feira, teve oportunidade de mostrar sozinha que provavelmente será um nome que voltaremos a ouvir. A venezuelana radicada no Porto, Yosune, em parelha com os canadianos Tribe Royal, com o seu cuatro, viola tradicional da Venezuela, aqui numa versão alterada com um pickup que o transforma num instrumento eléctrico, provou que é possível fazer rock ‘n’roll com qualquer instrumento se a atitude estiver no sítio certo.
Noutro hemisfério, o da electrónica, João Pascoal, conhecido por trabalhos com Happy Mass e Mirror People, juntou-se a Sofia Ribeiro (Lince) para um jogo de sintetizadores orgânicos e teclados mais etéreos, que nos faz questionar se o material apresentado nos showcases não deveria ser eternizado em estúdio. Beatriz Nunes e a dupla austríaca Mickey encerraram na quinta-feira estas sessões, deixando descansado quem aposta nestes encontros criativos entre músicos.
Nas tertúlias marcadas em espaços espalhados pela cidade para se dar a conhecer um pouco mais sobre a experiência em Candoso, os músicos revelaram estar satisfeitos com o que ali nasceu. Na Tasquinha do Tio Júlio, houve quem perguntasse se, na eventualidade de existir um fundo para a co-criação entre bandas, qual seria a disponibilidade para repetir a experiência. Responderam com um sim unânime.
BIME anda à procura de bandas portuguesas
Na lista de objectivos do Westway LAB, parte da rede ETEP – European Talent Exchange Program e INES – Innovation Network of European Showcases, está fomentar-se o intercâmbio de artistas entre países que pertencem à mesma rede. Na quarta-feira, uma representante do BIME Pro, festival de Bilbau agendado para o final de Outubro, anunciou que, pela primeira vez, está a decorrer um open call para bandas portuguesas que lá queiram ir tocar. O prazo das inscrições para esta parceria com o gabinete de internacionalização da música portuguesa, Why Portugal, encerra a 15 de Maio.
No dia de arranque, quarta-feira, Jacco Gardner, que também esteve na quinta-feira no Tremor, nos Açores, e passa este sábado por Lisboa (Teatro Ibérico), apresentou o novo Somnium, na Box do CCVF — uma experiência imersiva em quadrifonia, com o holandês a tocar no centro do público sentado em quatro linhas de cadeiras.
Esta sexta-feira, no Westway LAB, as atenções estão viradas para a comitiva canadiana, país em foco na edição deste ano, depois da Áustria, no ano passado. Apresentam-se as cantautoras Sarah MacDougall e Megan Nash, The East Pointers, Tribe Royal e a dupla Les Deuxluxes, em dia em também passam pelo Vila Flor os portugueses Vaarwell, Marta Pereira da Costa e Neev. Amanhã ainda passam pelos vários palcos do mesmo espaço The Black Mamba, Batida que apresenta: The Almost Perfect DJ e Tashi Wada Group com Julia Holter. De tarde, em diferentes espaços da cidade, tocam os vimaranenses Captain Boy, Paraguaii e Mister Roland, os três com novo álbum e o indie-pop dos Mickey, o pop da sueca Elin Namnieks, o indie-rock de Izzy and the Black Trees, da Polónia, o multi-intrumentista e compositor grego Theodore e os portugueses Holy Nothing, o guitarrista Francisco Sales, a cantora Beatriz Nunes e o rock dos Smartini.
O PÚBLICO está no festival a convite do Westway LAB