A toalha
Era o dia seguinte ao pedido de ajuda de Portugal. Não sabia o que dizer. Foi há oito anos.
Decidi que, nesse dia, a embaixada não faria (ainda) qualquer declaração à imprensa, que nos batia aos telefones. Não obstante a insistência de um canal de televisão, disse estar indisponível para ir em direto à sua edição da noite, como fizera, por duas vezes, em semanas anteriores, em outros canais. Não sabia (ainda) o que dizer. Era o dia seguinte ao pedido de ajuda de Portugal. Foi há oito anos.
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Decidi que, nesse dia, a embaixada não faria (ainda) qualquer declaração à imprensa, que nos batia aos telefones. Não obstante a insistência de um canal de televisão, disse estar indisponível para ir em direto à sua edição da noite, como fizera, por duas vezes, em semanas anteriores, em outros canais. Não sabia (ainda) o que dizer. Era o dia seguinte ao pedido de ajuda de Portugal. Foi há oito anos.
É talvez cedo para se saber como os outros embaixadores portugueses, nas principais capitais, viveram essas dramáticas semanas. No meu caso, em Paris, acompanhava, dia após dia, as diligências que Lisboa ia anunciando, para tentar escapar ao pedido de ajuda externa. As coisas tinham, em absoluto, deixado de passar por nós: os contactos relevantes faziam-se entre os gabinetes dos chefes de governo. Por algum tempo, cabia-nos tentar explicar a posição oficial, alheios que tínhamos de ser à tensão política que se vivia em Lisboa – os dissídios em torno do PEC IV, com o Presidente da República pelo meio.
Com o passar dos dias, ficava claro que as coisas se aceleravam. Era o tempo da coreografia declinante de Portugal na mão das agências de notação, o crescente “downgrading” da nossa dívida soberana, o disparar do “spread” dos nossos “bonds” a 10 anos. Tudo isso, com angústia, eu acompanhava, pelas manhãs, ao abrir o Financial Times.
Nessas semanas, passara a ser chamado a falar a rádios e, um pouco menos, em televisões. Nunca antes, como embaixador em Paris, me fora dada tanta “atenção”, embora neste caso não pelas melhores razões. Sem dificuldade, publicava os artigos que quisesse na imprensa francesa. A minha “narrativa” era sempre a mesma: defesa dos índices favoráveis conhecidos, denúncia do “exagero” das avaliações das agências de rating, afirmação de que ainda era possível dispensar a ajuda externa. Era a diplomacia na hora, sem rede. Como dizem os americanos: “my country, right or wrong.”
A partir de certa altura, Lisboa, como fonte de instruções, foi-se evanescendo. Telefonava a colegas portugueses noutros postos e todos comungavam do mesmo desconhecimento. Para além das declarações públicas, nada mais transpirava. Os escassos responsáveis políticos portugueses que consegui contactar também já não sabiam como ajudar. Representar um país por pressentimento é muito difícil.
Por aqueles dias do fim, senti uma estranha solidão e, em especial, a angústia de não saber o que fazer (ou se devia fazer algo), como representante de Portugal junto de um dos mais importantes países do mundo. Alguém costuma dizer que não há boa política externa sem boa política interna. Quando esta última se fragiliza a nossa capacidade de interlocução desaparece, de um dia para o outro. Foi o caso.
Recordarei para sempre uma conversa com um alto responsável do Eliseu, que, tendo-me chamado, teve a sensibilidade de não me inquirir para além daquilo que ele sabia que eu podia dizer (e saber), mas que me deixou palavras de discreto conforto, sem, contudo, as fazer soar de forma paternalista.
Depois, a toalha caiu no ringue. E o discurso mudou. É assim a vida de um diplomata, em democracia.
Francisco Seixas da Costa era embaixador em França na altura do pedido de resgate