O mágico Netanyahu volta a mostrar a sua arte
O primeiro-ministro israelita tem maioria para uma coligação de direita. Mas a potencial acusação de corrupção que pesa sobre ele torna-o susceptível a pressões.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, é conhecido como “o mágico”. E nestas eleições voltou a mostrar como domina a arte: deverá manter-se no cargo com uma coligação de partidos de direita, nacionalistas e religiosos, depois de umas eleições em que o seu partido, o Likud, ficou rigorosamente empatado com uma aliança formada na véspera das eleições por um antigo chefe do Exército, Benny Gantz.
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O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, é conhecido como “o mágico”. E nestas eleições voltou a mostrar como domina a arte: deverá manter-se no cargo com uma coligação de partidos de direita, nacionalistas e religiosos, depois de umas eleições em que o seu partido, o Likud, ficou rigorosamente empatado com uma aliança formada na véspera das eleições por um antigo chefe do Exército, Benny Gantz.
Conseguiu isto apesar de ter sobre si uma acusação pendente do procurador-geral, que já anunciou, antes das eleições, que o iria ouvir e de seguida acusar em três casos de suspeita de corrupção. Se as eleições foram um referendo a Netanyahu, embora o resultado tenha sido um empate, ele venceu-o. No Verão, tornar-se-á o líder israelita com mais tempo no poder.
“Estou muito comovido porque o povo de Israel deu-me o seu voto de confiança pela quinta vez, e um voto de confiança ainda maior do que em eleições anteriores”, declarou Netanyahu, ao lado da mulher, Sara, num palco cheio de explosões de fogo-de-artifício e confetti brilhantes.
Bibi, como é conhecido em Israel, é primeiro-ministro desde 2009 e esteve ainda à frente do Governo entre 1996 e 1999.
"Bom para a paz"
O contentamento surgiu de outros quadrantes, incluindo dos EUA: o Presidente norte-americano, Donald Trump, declarou que a vitória do chefe do Governo de Israel é “um bom sinal para a paz”: “Netanyahu ganhou, portanto vamos ver alguma acção em termos de paz. Temos mais hipóteses porque ele ganhou”.
O Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, disse que o plano de paz para israelitas e palestinianos vai ser anunciado “em breve”.
Nestas eleições mostrou-se mais marcada uma tendência, um pouco contrária ao que está a acontecer em vários países na Europa, de polarização em torno de dois grandes partidos e de diminuição da importância dos partidos pequenos: foi a primeira vez que foi ultrapassada a linha de um milhão de eleitores para um partido – na verdade, ambos conseguiram. Cada um obteve 29,2% dos votos, correspondentes a 35 deputados.
Muitos eleitores de partidos da esquerda, sobretudo do Partido Trabalhista, viraram-se para o partido de Benny Gantz, vendo-o como a sua melhor hipótese de afastar Netanyahu. Os trabalhistas conseguiram eleger apenas sete deputados, um resultado que é catastrófico para um partido que dominou a política israelita sobretudo nas primeiras décadas de existência do Estado hebraico.
Netanyahu conseguiu aumentar a votação no seu partido apesar das acusações que pendem sobre si. E o seu partido conseguiu votos de outros partidos do campo da direita, mais radicais, saindo até fortalecido.
O papel dos colonos
Mas agora vai começar a negociação para o Governo, e para continuar primeiro-ministro, Bibi precisa que o processo judicial contra si não avance demasiado – o procurador-geral já anunciou que prepara uma acusação, precisa apenas de seguir os procedimentos e ouvir Netanyahu.
Os seus potenciais parceiros de coligação, de direita radical, nacionalista, e religiosa, deverão fazer valer todo o seu poder de negociação para obter concessões: lugares de destaque no Governo e políticas favoráveis a quem vive em colonatos judaicos em território ocupado.
Bezalel Smotrich, co-líder da aliança dos partidos mais à direita, já veio declarar no Twitter que não irá participar em qualquer Governo que discuta o plano de paz de Donald Trump para a região, conhecido como “deal of the century”/ “acordo do século”, como o próprio Trump o descreveu, e cuja apresentação a israelitas, palestinianos e Estados árabes estava prometida para depois das eleições.
Smotrich já tinha dito, antes da votação, que planeava propor no Parlamento legislação de imunidade que protegesse Netanyahu das acusações nos três processos judiciais que enfrentará. O chefe de governo diz que as acusações são uma “caça às bruxas” dos seus opositores.
No fundo, esta lei já esteve em vigor em Israel, mas há 12 anos foi revogada por se perceber que protegia deputados de acusações (exigia autorização prévia do Parlamento a acusações dos deputados).
Duas teorias
Há duas interpretações sobre o que pode acontecer ao plano de Trump (pelo menos em Israel), se o Governo de Netanyahu for mesmo a coligação de direita que prometeu durante a campanha e com a qual terá maioria: irá falhar porque os aliados de Netanyahu vão exigir que falhe; ou vai resultar porque vai oferecer algo mais aos colonos.
A primeira é a teoria de Michael Koplow (do Israel Policy Forum, grupo de pressão dos EUA para uma solução de dois Estados para o conflito israelo-palestiniano): “A prioridade de Netanyahu é aprovar uma lei de imunidade ou obter promessas dos seus parceiros que o apoiarão se for acusado” – a lei não obriga um chefe de Governo a demitir-se se acusado, apenas se condenado, mas seria uma situação inédita. “Isto não vai acontecer se eles pensarem que Bibi está a flirtar com um acordo”, escreveu no Twitter.
Outro é o ponto de vista de Aluf Benn, director do Ha’aretz, que vê os dois objectivos ligados: “Ver-se livre das acusações e anexar os colonatos a Israel, em coordenação com a Administração Trump.”
O plano, diz o Ha’aretz, com base em “rumores”, poderá prever que Israel mantenha uma parte substancial da Cisjordânia incluindo os colonatos e zonas militares. Os palestinianos, prevê o plano, receberiam ajuda económica em troca, mas ninguém espera que aceitem. Perante a recusa, estaria dado o mote para anexação por Israel dessas áreas.
A questão do que a direita chama “activismo judicial” foi uma das que dominaram a campanha eleitoral. Os partidos queixam-se que os juízes do Supremo se tornaram um factor desestabilizador ao reverterem leis do Knesset (Parlamento) e exigirem determinadas condições, como a revogação no prazo de um ano da lei permitindo que os judeus ultra-ortodoxos não sejam obrigados ao serviço militar.
Quanto à corrupção, a aliança Azul e Branca prometeu não deixar esquecer o assunto depois de ter admitido derrota – o que só fez ao final da tarde. “Não ganhámos este round”, disse Yair Lapid, o número dois da aliança e do partido centrista Yesh Atid, que se juntou ao partido Resiliência, do antigo chefe do Exército. “Na oposição, vamos tornar a vida do Likud um inferno”, prometeu.
As eleições foram ainda marcadas por um caso que foi visto como uma tentativa de intimidação de eleitores árabes: depois de queixas dos partidos que os representam, a polícia confiscou câmaras de filmar e gravadores que activistas de direita estavam a usar em várias assembleias de voto em zonas árabes.