A Última Ceia de Rui Paula tem lírio dos Açores e feijoada de tripas de bacalhau

O canal História voltou a convidar um chef português para recriar a última refeição que Jesus terá comido com os apóstolos. Rui Paula escolheu centrar-se nas memórias colectivas que os sabores nos trazem e nas raízes de Portugal.

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A ceia de Rui Paula incluiu lírio dos Açores e tutano Nines Mínguez

À parte do pão e do vinho, pouco se sabe sobre aquilo que Jesus e os seus discípulos terão partilhado à mesa naquela que é conhecida como a Última Ceia. Há por isso espaço para uma interpretação livre daquilo que foi a derradeira refeição. Nos últimos anos, o canal História tem marcado a Semana Santa convidando um ou mais chefs para criarem um menu inspirado neste momento. Na sétima edição foi a vez de Rui Paula, chef da Casa de Chá da Boa Nova e DOC.

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À parte do pão e do vinho, pouco se sabe sobre aquilo que Jesus e os seus discípulos terão partilhado à mesa naquela que é conhecida como a Última Ceia. Há por isso espaço para uma interpretação livre daquilo que foi a derradeira refeição. Nos últimos anos, o canal História tem marcado a Semana Santa convidando um ou mais chefs para criarem um menu inspirado neste momento. Na sétima edição foi a vez de Rui Paula, chef da Casa de Chá da Boa Nova e DOC.

No imaginário do chef portuense cabe lírio dos Açores e tutano, feijoada de tripas de bacalhau e robalo ao sal. Todos os pratos que, segundo o próprio, “revelam a memória das origens daquela época”. Vítor Baía, Júlio Magalhães e Rui Reininho estiveram entre os convidados para a ceia — que foi filmada para uma curta-metragem a ser emitida entre os dias 12 e 21 de Abril, pelas 22h10. O menu de cinco pratos vai também estar disponível na Casa de Chá da Boa Nova, entre 16 e 30 de Abril.

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Vítor Baía, Júlio Magalhães e Rui Reininho foram alguns dos convidados para a ceia Nines Mínguez

“Limitei-me a coisas que se podia comer naquela altura”, explica o chef. Virou-se para o mar, que “ainda era melhor do que é hoje, era mais limpo”. E decidiu apostar na simplicidade.

O cozinheiro propôs-se a olhar para trás, para um evento com séculos de história, mas o resultado que apresenta fala também da cozinha portuguesa e do seu futuro. “Acho que nos temos de centrar em coisas simples… Mas com sabor”, comenta Rui Paula durante o almoço de apresentação aos jornalistas. “Por mais criativos que devamos ser, temos de preservar muito bem o sabor! Senão qualquer dia perdemos as nossas raízes”, continua, acrescentando que, tendo em conta a proximidade ao mar, montanha e rio, devemos forcar-nos no peixe.

“E outra coisa: [temos de] tornar os pratos leves”, acrescenta ainda. “Na Casa de Chá da Boa Nova tenho um menu vegetariano de 21 momentos. Acho que a leveza do ingrediente é importante. Podemos comer muitos pratos, mas têm de ser leves.”

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Nines Mínguez,Nines Mínguez

Ora, a ceia começou precisamente dessa forma, com um pão torrado na grelha pincelado com largo (uma gordura de porco) e servido sobre uma espécie de grelha individual. Tal como o pão que a avó do chef fazia na brasa, também este traz consigo o cheiro a fumo para a mesa​. “É preciso ir buscar estas coisas para ter essa memória”, justifica.

Se por um lado o chef focou-se na simplicidade, por outro lado teve a preocupação de surpreender através das técnicas. Para a entrada — lírio dos Açores e tutano, com quinoa (“segundo relatos históricos eram usadas muitas leguminosas como base da alimentação”) —, por exemplo, foi buscar a salmoura e o fumado, “métodos de conservação de antigamente”.

De seguida, foi servida uma feijoada de tripas de bacalhau. “Inspirei-me nos estufados de feijão da cozinha judaica, como o cholent, e juntei à feijoada o bacalhau, uma iguaria tipicamente portuguesa”, explica. Já o robalo ao sal veio, mais uma vez, “representar um método” que servia para “preservar a suculência” do peixe. A receita não podia ser mais simples: robalo “sem tempero e sem gordura”, levado ao forno dentro de um revestimento de sal (feito com um mistura com claras de ovos) durante 30 minutos. “É tudo aquilo que falei: simplicidade e sabor”, repete Rui Paula, enquanto traz um prato extra de robalo para a mesa. A acompanhar, uma salada fria de batatas, azeitonas e feijão-verde.

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Robalo ao sal Nines Mínguez

Não foi servido vinho tinto. Em vez disso, as uvas faziam parte da sobremesa — aquele que, segundo Rui Paula, “é talvez o prato mais representativo da época”, pois reúne em harmonia vários ingredientes e especiarias “que havia na época”, como o pomelo, as nozes e o pistáchio. Já as técnicas são bem mais modernas: as uvas e o pomelo são feitos em nitrogénio, enquanto o crocante de mel e caramelo leva bicarbonato de sódio.

No final da ceia (ou antes, do almoço de imprensa), Rui Paula despediu-se dos convidados dizendo: “Portem-se bem, pratiquem o bem.”

No passado, o canal História lançou o desafio a outros chefs para recriar a Última Ceia: David Munõz (2013), Miguel Laffan e João Alves (2014), Kiko, Miguel Castro e Silva e Pedro Almeida (2015), Henrique Sá Pessoa (2016), Vítor Sobral (2017) e Diogo Noronha (2018). O objectivo é que estes “interpretem e digam com a sua técnica e conhecimento como fariam a refeição”, explica Carolina Godayol, directora-geral do The History Channel Ibéria, acrescentando que a Semana Santa tem uma grande importância em termos de programação, não apenas pelo seu significado religioso mas também cultural. Esta semana, por exemplo, o canal lançou Jesus: A Sua Vida, um documentário sobre a vida de Jesus Cristo.

O PÚBLICO experimentou o menu Última Ceia a convite do Canal História.