World Press Photo: Uma migrante hondurenha de dois anos chora na fotografia do ano
O fotógrafo americano John Moore venceu o prémio World Press Photo com uma imagem que mostra os custos humanos da política de Trump para controlar a imigração. O português Mário Cruz ficou em terceiro lugar na categoria de ambiente, com a sua reportagem sobre o quotidiano entre o lixo nas Filipinas.
A imagem de uma criança hondurenha de dois anos, Yolanda Sanchez, a chorar convulsivamente enquanto a sua mãe é revistada, à noite, na fronteira entre o México e os Estados Unidos, por uma agente da patrulha fronteiriça americana, captada no dia 12 de Junho de 2018 pelo fotógrafo John Moore, venceu esta quinta-feira o prémio principal do concurso World Press Photo, tendo sido eleita a fotografia do ano.
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A imagem de uma criança hondurenha de dois anos, Yolanda Sanchez, a chorar convulsivamente enquanto a sua mãe é revistada, à noite, na fronteira entre o México e os Estados Unidos, por uma agente da patrulha fronteiriça americana, captada no dia 12 de Junho de 2018 pelo fotógrafo John Moore, venceu esta quinta-feira o prémio principal do concurso World Press Photo, tendo sido eleita a fotografia do ano.
Correspondente da Getty Images desde 2005, Moore é um veterano repórter fotográfico norte-americano, que trabalhou em dezenas de países dos cinco continentes e que se vem dedicando há uma década, desde que regressou ao seu país, a acompanhar os imigrantes da América Latina e da América Central que tentam entrar nos Estados Unidos pela fronteira com o México. A fotografia agora premiada foi tirada, junto à cidade fronteiriça texana de McAllen, quando a apregoada política de “tolerância zero” imposta por Donald Trump estava a ser cada vez mais atacada por organizações de direitos humanos, que acusavam o governo americano de ter separado milhares de crianças dos seus familiares, enviando pais e filhos para centros de detenção diferentes e impedindo-os de manterem qualquer contacto.
Whitney C. Johnson, que presidiu ao júri que escolheu esta imagem – os prémios do World Press Photo foram anunciados esta quinta-feira, ao início da noite, em Amesterdão –, lembra que a fotografia do ano deve ser “surpreendente, única, relevante e memorável”, qualidades que reconhece neste trabalho de Moore, no qual salienta “pormenores interessantes”, como o uso de luvas pela agente que revista a imigrante hondurenha e o facto de os cordões do calçado da mãe e da filha terem sido removidos. Noutra fotografia da mesma reportagem, publicada no dia 20 de Junho de 2018 na edição digital da revista Atlantic, vê-se a mãe, Sandra Sanchez, agachada, a tirar os cordões das pequeninas sapatilhas cor-de-rosa de Yolanda.
Se este prestigiado prémio vem agora trazer notoriedade mundial à fotografia de Moore, a verdade é que esta tivera já ampla divulgação, sobretudo nos Estados Unidos, onde a chorosa Yolanda, recortada da imagem original e posta a encarar um Trump de expressão vagamente intrigada, chegou à capa da Time e esteve mesmo na origem de um pedido de desculpas da revista. As datas são importantes para se perceber a controvérsia. John Moore fez a sua reportagem no dia 12 de Junho e explicou que receava que Sandra e Yolanda, das quais não soubera mais nada, viessem a ser separadas e enviadas para diferentes centros de detenção. Um cenário então extremamente plausível, já que isso mesmo sucedera com muitas outras famílias nas mesmas condições. Mas a circulação internacional que a imagem teve logo nessa altura levou o governo americano a reagir rapidamente, assegurando que mãe e filha tinham efectivamente sido detidas, mas que só não se tinham mantido juntas por um breve espaço de tempo.
A indignação internacional contra a prática de separar as crianças dos seus progenitores, a que esta fotografia viera dar mais visibilidade, levou Trump a rever a sua política e a aprovar, no dia 20 de Junho, um decreto presidencial que só permitia às autoridades alfandegárias separar os menores das respectivas famílias em casos excepcionais. A referida capa da Time chegaria às bancas já depois disso, no dia 2 de Julho, e o artigo a que dizia respeito sugeria que Yolanda tinha sido separada da mãe, o que levou o próprio John Moore a pedir à revista que corrigisse a informação.
Embora as declarações do júri do World Press Photo não refiram directamente este historial, Whitney C. Johnson alude a ele quando pergunta, num depoimento gravado em vídeo: “Como é que, ao olhar para esta fotografia, poderíamos não sentir que aquela criança está a sofrer uma experiência traumática, independentemente do que possa ter acontecido depois?” A fotojornalista brasileira Alice Martins, que integrou o júri, diz que “esta fotografia mostra um tipo diferente de violência, que é psicológica”, e observa: “Diz-nos logo tanto acerca da história e, ao mesmo tempo, faz-nos sentir ligados a ela”.
O fenómeno das migrações, sejam elas resultantes de conflitos armados ou motivadas por razões de sobrevivência económica, dominou, aliás, o concurso World Press Photo deste ano, que atribuiu o prémio de reportagem, uma categoria inaugurada nesta edição, a um trabalho de Pieter Ten Hoopen que também aborda, como o de John Moore, a imigração para os Estados Unidos. Este fotógrafo holandês radicado na Suécia acompanhou uma caravana de milhares de hondurenhos que partiu em Outubro de 2018 rumo aos Estados Unidos, atraindo pelo caminho migrantes da Nicarágua, de El Salvador ou da Guatemala. Pela sua dimensão invulgar, esta caravana foi frequentemente utilizada por Trump para justificar a necessidade de endurecer a política de imigração americana e para sustentar o seu projecto de construção de um muro ao longo de toda a fronteira com o México.
E como nota um dos jurados, o fotógrafo ganês Nana Kofi Acquah, há fotografias que, não testemunhando directamente o fenómeno das migrações, nos “levam às suas raízes”. O seu comentário referia-se a uma das candidatas a foto do ano, uma imagem do italiano Marco Gualazzini que mostra um rapaz nigeriano a andar junto a um muro grafitado com desenhos de granadas e outras armas, mas serviria, por exemplo, para outra nomeada na categoria principal, a fotografia que o sírio Mohammed Badra tirou a vítimas de um alegado ataque com armas químicas a receberem tratamento em Ghouta, junto à zona oriental de Damasco.
Salvar o mundo do caos
Entre as seis concorrentes a fotografia do ano conta-se ainda uma imagem de Brent Stirton, da Getty Images, protagonizada por uma das muitas mulheres sul-africanas envolvidas num revolucionário e bem-sucedido projecto comunitário que confiou a equipas exclusivamente femininas a defesa ambiental de vastas zonas selvagens outrora nas mãos dos caçadores de troféus. A fotografia de Stirton perdeu para a de John Moore, mas venceu na categoria de ambiente, onde competiu com uma imagem do fotojornalista Mário Cruz que ficou em terceiro lugar na categoria. A fotografia do português, que já havia recebido uma distinção WPP em 2016, mostra um criança filipina dormindo no meio de uma lixeira, uma imagem que integra o seu trabalho em torno dos filipinos forçados a viverem com níveis de poluição extrema, a que chamou Living Among What’s Left Behind e que deu origem a uma exposição inaugurada há dias no Palácio Anjos, em Algés.
A imagem da fotojornalista franco-espanhola Catalina Martin-Chico de uma ex-guerrilheira das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) na fase final da gravidez – satisfeita pelo facto de a trégua acordada com o governo lhe ter permitido finalmente ter um filho – foi outras das seis nomeadas para fotografia do ano, tal como a fotografia em que o australiano Chris McGrath, correspondente da Gettty Images na Turquia, mostra o momento em que um homem de fato e gravata fecha um portão para impedir o acesso dos repórteres que cobrem o desaparecimento do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado da Arábia Saudita em Istambul. Khashoggi entrou no edifício no dia 2 de Outubro de 2018 e nunca mais foi visto, tendo fontes anónimas da polícia turca afirmado que o jornalista teria sido assassinado no interior do consulado e que o seu corpo teria sido posteriormente desmembrado. O governo saudita começou por garantir que Khashoggi deixara o consulado vivo, mas acabou por admitir duas semanas mais tarde que o jornalista fora efectivamente morto, segundo esta última versão por estrangulamento.
“Esta fotografia captura a história num só relance”, diz Alice Martins. E Nana Kofi Acquah usa a mesma imagem, que venceu na categoria de notícias, para deixar um aviso: “Acho que as pessoas não têm noção de quão rapidamente o mundo se afundaria no caos se os jornalistas fossem impedidos de fazer o seu trabalho”.