Einstein tinha razão. Eis a primeira imagem de um buraco negro

Resultados do projecto do Telescópio do Horizonte de Eventos divulgados esta quarta-feira em seis conferências de imprensa simultâneas. O mundo esperava a revelação da primeira imagem de um buraco negro. Confirma-se.

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EHT Collaboration

É uma imagem aparentemente simples da silhueta de uma sombra emoldurada por um anel de luz. Mas, na realidade, é muito mais do que isso. É a revelação da primeira imagem de um buraco negro supermaciço. É um dos mais importantes testes observacionais da teoria da Relatividade Geral de Einstein, apresentada há mais de um século, e, por isso, é também um importante marco da Astrofísica. A sombra que vive no centro da galáxia M87 foi divulgada esta quarta-feira em todo o mundo durante seis conferências de imprensa simultâneas em Bruxelas, Washington, Santiago, Xangai, Taipei e Tóquio. O PÚBLICO seguiu o anúncio em Bruxelas, onde esteve o comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas. 

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É uma imagem aparentemente simples da silhueta de uma sombra emoldurada por um anel de luz. Mas, na realidade, é muito mais do que isso. É a revelação da primeira imagem de um buraco negro supermaciço. É um dos mais importantes testes observacionais da teoria da Relatividade Geral de Einstein, apresentada há mais de um século, e, por isso, é também um importante marco da Astrofísica. A sombra que vive no centro da galáxia M87 foi divulgada esta quarta-feira em todo o mundo durante seis conferências de imprensa simultâneas em Bruxelas, Washington, Santiago, Xangai, Taipei e Tóquio. O PÚBLICO seguiu o anúncio em Bruxelas, onde esteve o comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas. 

Os responsáveis pelo projecto do Telescópio do Horizonte de Eventos (EHT, na sigla em inglês) nunca disseram que iam divulgar a imagem de um buraco negro. O anúncio referia apenas a “apresentação de um resultado pioneiro”. No entanto, era isso que os cientistas em todo o mundo esperavam. Afinal, este projecto tem essa missão: captar a primeira imagem alguma vez vista de um buraco negro supermaciço. Uma imagem que iria colocar à prova a teoria da Relatividade Geral de Einstein, apresentada em 1915. E Albert Einstein passou (com distinção e louvor) um teste que vai ficar na história da Ciência.

Ainda antes da revelação da impressionante silhueta do buraco negro da M87, Carlos Moedas anunciava que o momento seria histórico para a humanidade. “A partir de agora teremos o ‘tempo antes da imagem’ e o ‘tempo depois da imagem'”, disse admitindo que este anúncio representa “o pináculo” da sua missão como comissário. O responsável considerou ainda que o mundo estava prestes a participar numa lição que a Ciência dá aos políticos. Um resultado impressionante que resulta da união de dezenas de países com um objectivo comum. 

A existência de buracos negros tem sido discutida há mais de 200 anos. Inicialmente, era apenas uma ideia filosófica, mas, actualmente, já existem muitas provas de que a maioria se não todas as galáxias têm buracos negros que são milhões ou mesmo milhares de milhões de vezes mais pesados que o nosso sol. Por definição, um buraco negro não pode ser observado, pois, nenhuma luz escapa dele. Os cientistas podem “apenas” estudar os efeitos dos buracos negros nas suas redondezas, ou seja, usando o brilho que está à volta.

Primeiro que tudo, o anel dourado que vemos na imagem revelada hoje confirma que as previsões de Einstein estavam definitivamente correctas. Mostra ainda outras coisas. Qualquer pessoa que olhe para esta imagem poderá constatar que há uma parte do anel mais brilhante. O que é que isso quer dizer? Os cientistas do projecto EHT explicaram na conferência de imprensa que este brilho indica que “há algo a rodar à volta do buraco”. A que velocidade? Não se sabe, mas sabe-se que é algo que “estará a rodar no céu na direcção dos ponteiros do relógio”.

O anel dourado que definitivamente compromete o futuro da ciência foi produzido com uma quantidade inimaginável de dados. Foram mais de 200 cientistas, com supercomputadores, que analisaram a informação captada em cinco noites de Abril de 2017 pela rede de telescópios dispersa pelo mundo, através do projecto EHT. Dizem os especialistas que terá sido preciso lidar com cerca de 4 petabytes de dados, algo que para termos uma ideia aproximada e traduzindo em música daria para ouvirmos música durante oito mil anos. 

Os buracos negros são entidades extraordinariamente densas e muitos deles são formados quando as estrelas (maiores do que o nosso Sol) colapsam no final do seu ciclo de vida. Buracos negros supermaciços são os maiores que existem, devorando matéria e radiação e que se pensa que resultam da fusão com outros buracos negros.

Dois alvos

Sabia-se que os investigadores do EHT tinham dois alvos. Os telescópios dispersos na Terra (localizados no Arizona e Havai, nos EUA, México, Chile, Espanha e Antárctida, França e Gronelândia), olham desde 2012 para dois buracos negros supermaciços com especial atenção.

Um é o monstro Sagitário A, localizado no centro da nossa galáxia, a Via Láctea. Encontra-se a 26.000 anos-luz de distância, o tempo que a luz emitida pela estrela na vizinhança do buraco negro demora a chegar até nós. Chamam-lhe “monstro” por causa da gigantesca quantidade de matéria que possui, mais precisamente, quatro milhões de vezes a massa do Sol. Em 2002, uma equipa de cientistas apresentou provas na revista Nature de que Sagitário A era o buraco negro monstruoso no centro da nossa galáxia. 

O outro alvo do projecto EHT é também um buraco negro supermaciço, mas está numa distante galáxia. Está no centro da galáxia M87 na direcção da constelação Virgo, com uma massa que terá mais de 6 mil milhões de vezes a do Sol e localizado a 55 milhões de anos-luz da Terra. Foi este, o maior, que nos revelou esta quarta-feira a primeira imagem de um buraco negro. 

Porquê? Na conferência de imprensa, os cientistas do EHT admitiram que o Sagitário A está “mil vezes mais perto”. No entanto, também é “mil vezes mais pequeno e mil vezes mais rápido”. Por isso, sabendo que os resultados seriam sempre mais espectaculares, focaram-se mais no buraco negro da M87.  

O objectivo deste esforço internacional do EHT sempre foi claro. “É um projecto visionário para tirar a primeira fotografia de um buraco negro. Somos uma colaboração de mais de 200 pessoas internacionalmente “, afirmou, em Março, no Texas, o astrofísico Sheperd Doeleman, director do EHT do Centro de Astrofísica Harvard & Smithsonian, citado pela Reuters. Era isso que toda a gente esperava esta quarta-feira, a dúvida era apenas se íamos olhar pela primeira vez para uma sombra no centro da nossa galáxia ou outra muito mais distante. Foi a revelação da sombra que vive no centro da galáxia M87. 

Mas mais do que a morada desta sombra no universo (que independentemente do local onde está seria sempre um buraco negro supermaciço), aguardava-se com expectativa a divulgação da forma da sua silhueta. Seria uma forma circular, como Einstein previu em 1915? O que é que a revelação de uma outra forma da silhueta de um buraco negro poderia significar? A teoria da Relatividade Geral de Einstein ficaria gravemente lesada, perdendo um dos seus importantes pilares científicos? A silhueta tem uma forma circular. Ninguém vai esquecer este anel dourado.