Descoberta uma nova espécie de humanos nas Filipinas
Chama-se Homo luzonensis e viveu há entre 67 mil e 50 mil anos. Eis a nova espécie de hominídeo encontrada nas Filipinas.
Ossos e dentes de três indivíduos encontrados numa gruta na ilha de Luzón, nas Filipinas, revelam-nos a existência de uma espécie de humanos antigos desconhecida até agora. Denominada Homo luzonensis, em homenagem à ilha onde foi descoberta, sabe-se que viveu há entre 67 mil e 50 mil anos. Portanto, é uma espécie contemporânea ao Homo sapiens (a nossa espécie), que surgiu há cerca de 300 mil anos em África. O anúncio desta nova espécie de humanos foi feito por uma equipa de cientistas das Filipinas, Austrália e França esta quarta-feira na revista Nature.
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Ossos e dentes de três indivíduos encontrados numa gruta na ilha de Luzón, nas Filipinas, revelam-nos a existência de uma espécie de humanos antigos desconhecida até agora. Denominada Homo luzonensis, em homenagem à ilha onde foi descoberta, sabe-se que viveu há entre 67 mil e 50 mil anos. Portanto, é uma espécie contemporânea ao Homo sapiens (a nossa espécie), que surgiu há cerca de 300 mil anos em África. O anúncio desta nova espécie de humanos foi feito por uma equipa de cientistas das Filipinas, Austrália e França esta quarta-feira na revista Nature.
Durante as escavações na gruta de Callao (no Norte de Luzón) em 2011, a equipa de Armand Mijares – arqueólogo da Universidade das Filipinas e um dos primeiros autores do artigo da Nature – já se sentia frustrada. “Não encontrávamos nada”, lembra ao PÚBLICO o arqueólogo. “Para aumentar o moral da equipa, metemos música da banda Beach Boys. De repente, começámos a encontrar mais fósseis. Agora, sempre que estamos a escavar nessa parte da gruta metemos música dos Beach Boys.”
Foi nesse ano que esta equipa encontrou a maior parte dos ossos fossilizados e dentes envolvidos neste estudo. Os restantes foram descobertos em 2007 e 2015. E o que se encontrou concretamente? Sete dentes, um fémur e quatro falanges das mãos e dos pés de três indivíduos – dois adultos e um jovem.
Através de análises aos vestígios encontrados em 2007, já se tinha percebido que estes ossos pertenciam ao género Homo. Contudo, não se sabia a que espécie. Agora, a equipa comparou todos os ossos encontrados na gruta de Callao com os ossos de outros hominídeos. Segundo os registos fósseis, os hominídeos surgiram há entre seis e sete milhões de anos em África e o fóssil mais antigo encontrado na Eurásia tem 1,8 milhões de anos. Concluiu-se que os três indivíduos tinham características mais primitivas – como as do género Australopithecus – e mais modernas – como as da nossa espécie.
Vejamos então algumas dessas semelhanças. Os molares encontrados na gruta de Callao são mais pequenos do que os das outras espécies do género Homo. Já o tamanho e forma dos pré-molares assemelham-se aos dos do Homo floresiensis e do Homo sapiens. A forma dos dentes tem ainda algumas semelhanças com a dos do Homo erectus encontrado na Ásia.
Mas as características morfológicas da coroa e das raízes dos dentes são mais parecidas com as de outros géneros de hominídeos, nomeadamente do género Australopithecus e Paranthropus. Também se observaram algumas semelhanças na anatomia dos ossos das suas mãos e pés com a dos do Australopithecus e do Paranthropus, assim como com a anatomia dos ossos de espécies humanas.
“Na verdade, o que faz dela uma nova espécie é a combinação de todas as características”, assinala Armand Mijares. “Se observarmos cada característica uma por uma, perceber-se-á que estão numa ou em várias espécies de hominídeos ao mesmo tempo.” Contudo, descobriram-se mais afinidades com as espécies do género Homo do que com as do género Australopithecus e Paranthropus. “Se juntarmos todos os seus atributos num único pacote, nenhuma outra espécie do género Homo se assemelha a esta, o que indica que estamos perante uma nova espécie.”
Eis então o Homo luzonensis, que tem a alcunha de Ubag. “O Ubag é um homem das cavernas mítico que conheço desde os meus tempos de estudante”, conta Armand Mijares. “Desde que me especializei em arqueologia rupestre que sempre imaginei que um homem das cavernas vagueava à volta das minhas escavações.”
Como chegaram à ilha?
De acordo com as datações aos ossos fossilizados, sabe-se que o Homo luzonensis viveu há entre 67 mil e 50 mil anos – durante o Pleistoceno (entre 2,5 milhões e 11,7 mil anos) –, mas não se sabe como vivia. “Não conseguimos perceber muito [bem como vivia] mas deveria estar associado aos cervídeos, suínos e bovídeos”, refere o arqueólogo.
Sobre a convivência com outras espécies humanas, Armand Mijares refere que até ao momento não há mais registos de outros humanos em Luzón nessa altura. Nas Filipinas, até agora, só se tinha datado ossos do Homo sapiens com entre 30 mil e 40 mil anos. Ou seja, os vestígios do Homo luzonensis são os mais antigos para uma espécie humana no arquipélago.
“De acordo com o conhecimento que temos, o Homo luzonensis foi o único hominídeo presente em Luzón naquela altura. Já os vestígios mais antigos do Homo sapiens que se conhecem nas Filipinas são de fósseis descobertos na ilha de Palawan com entre 30 mil e 40 mil anos”, começa por explicar o arqueólogo. “Embora seja teoricamente possível que o Homo luzonensis se tenha deparado com o Homo sapiens – porque se sabe que o Homo sapiens estava presente na China há 80 mil anos, em Samatra há entre 63 mil e 73 mil anos e na Austrália há 60 mil anos –, nada indica que o Homo sapiens tivesse chegado mais cedo do que isso às Filipinas.”
Mesmo assim, a equipa salienta que no sítio arqueológico de Kalinga (também em Luzón) foram encontrados elementos antropogénicos – como ferramentas de pedra – que indicam que os hominídeos estiveram presentes na ilha desde há pelo menos 700 mil anos.
E se, durante o Pleistoceno, Luzón nunca foi acessível a pé, como chegou o Homo luzonensis até lá? “Não sabemos, mas especulamos que deve ter usado alguma forma de embarcação marítima, caso a travessia tenha sido intencional”, responde Armand Mijares.
A equipa refere ainda que esta espécie seria endémica de Luzón. “Como o Homo floresiensis na ilha das Flores, na Indonésia, mas de uma forma diferente, o Homo luzonensis representa provavelmente, nas Filipinas, outra espécie do género Homo que se desenvolveu sob os efeitos do endemismo insular”, refere-se num comunicado sobre o trabalho. Aliás, segundo o mesmo comunicado, a fauna e flora desta ilha já são conhecidas pelas suas elevadas taxas endémicas.
Sobre a importância desta descoberta, Matthew Tocheri – paleoantropólogo da Universidade Lakehead (Canadá) e que não fez parte do estudo – escreve num comentário também publicado na revista Nature: “A equipa de [Florent] Détroit [do Museu Nacional de História Natural, em Paris, e que também liderou esta investigação] apresenta uma descoberta marcante de um parente humano que, sem dúvida, provocará debates científicos nas próximas semanas, meses e anos.”