Estar sempre a olhar para o ecrã não afecta bem-estar psicológico dos jovens, indica estudo
Os resultados, com base em 17 mil crianças e adolescentes, lançam dúvidas sobre o impacto negativo dos ecrãs na vida dos jovens.
Apesar das preocupações, deslizar o dedo pelo ecrã do telemóvel antes de ir dormir não influencia o estado psicológico e o bem-estar dos jovens. E passar mais ou menos horas em frente a ecrãs durante o dia também não. O impacto, quando existe, é inferior a 1%. As conclusões baseiam-se num relatório recente que compilou e analisou dados de outros estudos sobre o comportamento de mais de 17 mil adolescentes a viver no Reino Unido, Irlanda e EUA. Os resultados – publicados este mês na revista científica Phychological Science – vêm contrariar outros estudos e lançam dúvidas sobre a narrativa do impacto negativo dos ecrãs na vida dos jovens.
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Apesar das preocupações, deslizar o dedo pelo ecrã do telemóvel antes de ir dormir não influencia o estado psicológico e o bem-estar dos jovens. E passar mais ou menos horas em frente a ecrãs durante o dia também não. O impacto, quando existe, é inferior a 1%. As conclusões baseiam-se num relatório recente que compilou e analisou dados de outros estudos sobre o comportamento de mais de 17 mil adolescentes a viver no Reino Unido, Irlanda e EUA. Os resultados – publicados este mês na revista científica Phychological Science – vêm contrariar outros estudos e lançam dúvidas sobre a narrativa do impacto negativo dos ecrãs na vida dos jovens.
A missão dos investigadores do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de Oxford, no Reino Unido, era perceber se existia motivo para o aumento das preocupações sobre o uso de ecrãs na vida diária, com jovens que passam horas a olhar para o telemóvel, a ver televisão, ou a jogar videojogos. Em particular, durante a noite.
“A opinião pública parece ser a de que usar ecrãs imediatamente antes de ir dormir é mais prejudicial para os jovens”, explicam os autores na apresentação do relatório. Dizem que é preciso ter atenção à metodologia dos outros estudos: “Há poucas provas, claras, de que o tempo em frente ao ecrã diminui o bem-estar dos adolescentes, e a maioria dos resultados psicológicos é baseada em estudos exploratórios num só país.”
Os investigadores de Oxford dão o exemplo de relatórios preenchidos pelos próprios inquiridos (sobre o tempo que passam perto de ecrãs) em que as pessoas tendem a exagerar, ou minimizar, o tempo que passam em frente ao ecrã. “Com o aumento da influência da ciência da psicologia em política e opinião pública, os nossos critérios de exigência quanto às conclusões também têm de aumentar”, escrevem.
Para garantir resultados mais robustos, os investigadores decidiram analisar três bases de dados, criadas entre 2011 e 2017 a partir de vários estudos – na Irlanda, Reino Unido, e EUA – sobre consumo digital de jovens entre os 12 anos e os 15 anos. A informação incluía relatórios dos jovens sobre o tempo que passavam em frente ao ecrã, mas também dados de diários (preenchidos em intervalos regulares de 15 minutos) sobre as actividades no dia-a-dia.
Influência inferior a 1%
“O nosso trabalho tenta diversificar a forma de se medir o uso da tecnologia, para ver se a forma como se mede a tecnologia dá azo a diferentes resultados”, resume ao PÚBLICO a investigadora de Oxford Amy Orben.
A análise mostrou que o tempo total que os adolescentes passavam em frente ao ecrã tinha pouco impacto no seu bem-estar psicológico – fosse ao fim-de-semana ou durante a semana. Além disso, parar de usar ecrãs a duas horas ou a 30 minutos de ir dormir não tinha uma relação forte com a diminuição do bem-estar dos jovens.
Os estudos incluíam uma série de outras variáveis como o sexo e idade, a existência de distúrbios psicológicos, o rendimento familiar, o número de irmãos, a proximidade do adolescente aos encarregados de educação, a existência de famílias monoparentais, e doenças ou atitudes negativas em relação à escola.
“Os registos no diário não mostraram uma associação significativa com o bem-estar. Já as medidas de auto-relato [perguntas feitas sobre o uso da tecnologia] mostraram uma associação negativa muito pequena com o bem-estar”, diz Orben. “O uso de tecnologia apenas registou, em média, 0,8% de variação do bem-estar.”
Limitações
Para os autores, as conclusões mostram que os alertas sobre os efeitos negativos dos ecrãs podem ser precipitadas: “O nosso estudo sugere que o uso da tecnologia antes de dormir pode não ser inerentemente prejudicial ao bem-estar psicológico, embora essa seja uma ideia bem difundida tanto nos media como em debates públicos”, lê-se no relatório.
Há, no entanto, vários estudos que apontam nessa direcção. Em Portugal, por exemplo, em 2014 um estudo a 900 jovens portugueses, mostrou que mais de 70% mostravam sinais de dependência da Internet (como o aumento do isolamento e comportamento agressivo). E uma investigação recente – com base em 548 jovens – indica que passar muito tempo online está associado a solidão nos jovens, mesmo quando não deixam de falar com os amigos frente a frente.
Mesmo que a influência dos ecrãs no bem-estar seja pequena, há outras consequências, como o tempo que se passa a dormir e a qualidade da visão. Um trabalho de 2015, baseado em 2000 crianças em idade escolar, que foi publicado na revista académica Pediatrics, mostrou que ter um chamado “pequeno ecrã” (tablet ou smartphone) à mão influenciava negativamente o número de horas de sono. Outro estudo, de 2017, feito com 715 crianças inglesas, nota que cada hora passada em frente a um ecrã táctil é o equivalente a menos 15 minutos de sono.
A exposição prolongada à luz azul emitida pelos ecrãs, também pode causar danos nos olhos e acelerar a cegueira, de acordo com uma investigação publicada em Agosto pela revista Scientific Reports.
O estudo de Oxford também tem algumas limitações. Por exemplo, os dados não consideram o tipo de conteúdo que os jovens vêem quando estão em frente a um ecrã, e a influência que estes podem ter. “Temos de melhorar as medidas ao começar a fazer estudos em grande escala que monitorizam o uso da tecnologia”, admite Orben. “E precisamos de mais nuances nas perguntas, investigando o efeito de diferentes tipos de tecnologia, e a forma como diferentes adolescentes são afectados.”
Para os autores, no entanto, é fundamental mais transparência sobre a forma como os estudos são feitos, e mais cepticismo na análise de resultados. “Enquanto não forem substituídos por uma inovação tecnológica mais recente, os ecrãs digitais vão continuar a ser um ponto fixo da experiência humana”, lê-se nas conclusões.