Não há (con)Censos sem senão
Recolhas de dados etno-raciais já têm sido feitas à nossa revelia e até com caráter de controlo (forças de segurança, escolas, hospitais, Segurança Social).
No debate sobre a recolha de dados etno-raciais nos Censos em 2021 surgem argumentos diversos, desde a pertinência da recolha, aos receios que inspira.
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No debate sobre a recolha de dados etno-raciais nos Censos em 2021 surgem argumentos diversos, desde a pertinência da recolha, aos receios que inspira.
E é a estes medos e críticas a que Governo e instituições responsáveis falham em responder.
Pessoalmente, apresento-me favorável à recolha de dados etno-raciais nos Censos mediante condições. Isto porque:
Recolhas de dados etno-raciais já têm sido feitas à nossa revelia e até com caráter de controlo (forças de segurança, escolas, hospitais, Segurança Social). Dados que não são públicos, nem nos podem servir. A recolha nos censos, por oposição, é pública, opcional e com caráter de monitorizar e desenvolver medidas públicas de combate às desigualdades raciais. E com caráter etno-racial porque, embora portugueses, somos discriminados por sermos ciganos e negros.
Exige-se transparência, olhando aos nossos receios legítimos e incluindo, verdadeiramente, as comunidades racializadas nas fases de preparação do inquérito, monitorização e processamento de dados. Exigem-se medidas públicas já pensadas (em áreas como habitação, emprego, saúde, educação, justiça) para melhor orientar a recolha, eventualmente complementada por inquéritos mais específicos.
Mas transparência e inclusão têm faltado bastante neste processo.
Por exemplo, a forma como as entidades responsáveis - por organizar e coordenar o Grupo de Trabalho (GT) - trataram a posição cigana em concreto foi vergonhosa.
Começando pela formação do GT que excluía representantes das principais comunidades racializadas portuguesas (Afrodescendentes e Ciganas), só integradas depois de críticas e, mesmo assim, numa presença insuficiente para representar a heterogeneidade das comunidades.
Depois, o facto de ter sido o ACM a ficar responsável pela seleção do representante pelas comunidades ciganas, o qual teve de substituir por desadequação do mesmo. Processos pouco transparentes e injustificadamente demorados que nos deixaram, a maior parte do tempo, sem representante, sugerindo um fraco compromisso, por parte das entidades responsáveis, numa participação real e representativa das comunidades ciganas, faltando espaço para mais vozes.
Mais a mais, quando o representante pelas comunidades ciganas nunca chegou a constar do despacho publicado em Diário da República sequer.
E agora, tem sido clara a oposição por negacionistas do Racismo Institucional e entidades que recorrem a desonestidades intelectuais, num jogo maniqueísta, desprestigiante do debate, e que parece querer instigar divisões com os afrodescendentes, cujo trabalho a favor de uma real representatividade cigana em todo este processo foi fundamental.
Por fim, tem-se instalado também uma cultura de insegurança intimidante, e que se tem negligenciado, efeito da excessiva tolerância para com populistas racistas e xenófobos e extrema direita, que usufruem de presença regular nos media inspirando ódios incendiários, ou até forjando organizações divisionistas, em total impunidade.
Estamos assim diante de um contexto sufocante que nos quer impedir de pensar, em condições dignas e livres, um instrumento que pode ser fundamental para nos servir a combater desigualdades sociais.
Não há duvida que uma recolha de dados universal e independente com caráter etno-racial é urgente, apresentando-se os censos como o instrumento mais indicado entre as opções disponíveis.
E exige-se que Governo e entidades responsáveis nos dêem razões de confiança fortes, que tardam, e que assumam as necessidades e receios das pessoas racializadas, protegendo os nossos interesses, pois, enquanto nossos concidadãos brancos estão imunes a todo este processo, nós não. E para isso, urge fazer algo quanto a esse ambiente de insegurança criado com a cumplicidade dos media e de instituições que falham em fiscalizar e proibir a amplificação de vozes incendiárias e divisionistas; e à propaganda política enganadora, mentirosa e instigadora de divisões, eufemisticamente chamada de “fake news”. Urge travar o Racismo Institucional que tem (im)posto cada vez mais entidades incompetentes em papéis de representação e influência indevidos, controlando processos, falando por nós, e muitas vezes boicotando-nos ou silenciando-nos.
Engenheiro, ativista e cigano