As várias faces de uma “justiça” injusta
ISDS, ICS ou MIC, são apenas várias faces de uma prepotente arma exclusiva para os super milionários que representam 1% da população mundial assegurarem os seus lucros contra os povos e o planeta.
Praticamente ignorada pela comunicação social, decorreu na passada semana, de 1 a 5 de Abril, em Nova Iorque, a 37.a sessão do Grupo de Trabalho III da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), cuja tarefa é avançar com a reforma do mecanismo de resolução de litígios investidor-Estado (ISDS).
O ISDS é um recurso exclusivo e superior à jurisdição nacional, à disposição de investidores estrangeiros para processarem e intimidarem Estados através de obscuros tribunais arbitrais – em que três árbitros privados escolhidos pelas partes decidem em sessões secretas e sem possibilidade de recurso –, quando consideram que nova legislação dos Estados é passível de diminuir os seus lucros reais ou expectáveis. Isso inclui desde regulamentação ambiental, até à privatização dos serviços públicos. E a relação é sempre unívoca: nunca um Estado pode recorrer ao ISDS para processar uma multinacional, por maior que tenha sido o dano causado.
As profusas e generalizadas críticas a este sistema, tanto por parte da sociedade civil, como de instituições e académicos, acabaram por encontrar eco no Parlamento Europeu (PE), consubstanciado na resolução de 8 de Julho de 2015, em que o PE exigiu – no âmbito do jamais realizado acordo de comércio e investimento com os EUA (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, TTIP) – a substituição do ISDS por um novo sistema de protecção do investimento.
Razão que explica porque o acordo UE/Canadá (CETA) já não prevê o ISDS na sua forma “pura”, mas sim um tribunal exclusivo com juízes permanentes (Investment Court System, ICS), sessões públicas e uma instância de recurso. Note-se que aos cidadãos passa a caber, pelo menos em parte, o financiamento do funcionamento de um tal tribunal ao serviço exclusivo de empresas transnacionais, além das custas de defesa e, em caso de condenação, o pagamento de indemnizações multimilionárias às transnacionais. Ou seja, embora com algumas melhorias processuais, na essência, os governos submetem assim os povos a um rombo na sua soberania que ainda está por ser declarado compatível com o direito europeu. Até 30 de Abril deste ano, o Tribunal Europeu (TJCE) pronunciar-se-á sobre essa compatibilidade, a pedido da Bélgica.
Mas a União Europeia quer ir mais longe na expansão e consolidação de um sistema que, com base em direitos exclusivos e de flexível interpretação como a “expropriação indirecta”, “legítima expectativa de lucro” ou “tratamento justo e equitativo”, coloca as multinacionais acima dos Estados soberanos, sobrepondo-se aos sistemas jurídicos dos mesmos e obrigando-os a modificar o seu Direito ou impedirem os Estados de o modificarem.
Munida de um mandato de negociação dos Estados-membros e já com o apoio do PE, a Comissão empenha-se agora na criação do MIC (sigla em inglês do Tribunal Multilateral de Investimento), um tribunal multilateral ao serviço das multinacionais, institucionalizando assim a subordinação do interesse público ao dos investidores privados estrangeiros.
Paralelamente a um trabalho de lobby subterrâneo junto dos países, é precisamente nas sessões do Grupo de Trabalho III da UNCITRAL que a UE trabalha afincadamente para estabelecer essa nova ordem global, em que os povos ficariam, definitivamente, agrilhoados num sistema que atribui privilégios exclusivos e superiores às mais poderosas empresas transnacionais.
ISDS, ICS ou MIC, são apenas várias faces de uma prepotente arma exclusiva para os super milionários que representam 1% da população mundial assegurarem os seus lucros contra os povos e o planeta.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Praticamente ignorada pela comunicação social, decorreu na passada semana, de 1 a 5 de Abril, em Nova Iorque, a 37.a sessão do Grupo de Trabalho III da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), cuja tarefa é avançar com a reforma do mecanismo de resolução de litígios investidor-Estado (ISDS).
O ISDS é um recurso exclusivo e superior à jurisdição nacional, à disposição de investidores estrangeiros para processarem e intimidarem Estados através de obscuros tribunais arbitrais – em que três árbitros privados escolhidos pelas partes decidem em sessões secretas e sem possibilidade de recurso –, quando consideram que nova legislação dos Estados é passível de diminuir os seus lucros reais ou expectáveis. Isso inclui desde regulamentação ambiental, até à privatização dos serviços públicos. E a relação é sempre unívoca: nunca um Estado pode recorrer ao ISDS para processar uma multinacional, por maior que tenha sido o dano causado.
As profusas e generalizadas críticas a este sistema, tanto por parte da sociedade civil, como de instituições e académicos, acabaram por encontrar eco no Parlamento Europeu (PE), consubstanciado na resolução de 8 de Julho de 2015, em que o PE exigiu – no âmbito do jamais realizado acordo de comércio e investimento com os EUA (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, TTIP) – a substituição do ISDS por um novo sistema de protecção do investimento.
Razão que explica porque o acordo UE/Canadá (CETA) já não prevê o ISDS na sua forma “pura”, mas sim um tribunal exclusivo com juízes permanentes (Investment Court System, ICS), sessões públicas e uma instância de recurso. Note-se que aos cidadãos passa a caber, pelo menos em parte, o financiamento do funcionamento de um tal tribunal ao serviço exclusivo de empresas transnacionais, além das custas de defesa e, em caso de condenação, o pagamento de indemnizações multimilionárias às transnacionais. Ou seja, embora com algumas melhorias processuais, na essência, os governos submetem assim os povos a um rombo na sua soberania que ainda está por ser declarado compatível com o direito europeu. Até 30 de Abril deste ano, o Tribunal Europeu (TJCE) pronunciar-se-á sobre essa compatibilidade, a pedido da Bélgica.
Mas a União Europeia quer ir mais longe na expansão e consolidação de um sistema que, com base em direitos exclusivos e de flexível interpretação como a “expropriação indirecta”, “legítima expectativa de lucro” ou “tratamento justo e equitativo”, coloca as multinacionais acima dos Estados soberanos, sobrepondo-se aos sistemas jurídicos dos mesmos e obrigando-os a modificar o seu Direito ou impedirem os Estados de o modificarem.
Munida de um mandato de negociação dos Estados-membros e já com o apoio do PE, a Comissão empenha-se agora na criação do MIC (sigla em inglês do Tribunal Multilateral de Investimento), um tribunal multilateral ao serviço das multinacionais, institucionalizando assim a subordinação do interesse público ao dos investidores privados estrangeiros.
Paralelamente a um trabalho de lobby subterrâneo junto dos países, é precisamente nas sessões do Grupo de Trabalho III da UNCITRAL que a UE trabalha afincadamente para estabelecer essa nova ordem global, em que os povos ficariam, definitivamente, agrilhoados num sistema que atribui privilégios exclusivos e superiores às mais poderosas empresas transnacionais.
ISDS, ICS ou MIC, são apenas várias faces de uma prepotente arma exclusiva para os super milionários que representam 1% da população mundial assegurarem os seus lucros contra os povos e o planeta.
Está em curso a recolha de subscrições para uma petição europeia [1] já com meio milhão de apoiantes, exigindo o fim deste inconcebível privilégio.
[1] Direitos para as pessoas, Regras para as multinacionais: https://stopisds.org/pt