Na recordação dos 25 anos do genocídio do Ruanda, uma minoria continua esquecida
Os Twa são o terceiro grupo étnico ruandês, e o que mais sofreu no turbilhão de sangue que engoliu o país. Mas não são reconhecidos no relato oficial do genocidio, e continuam a ser alvo da discriminação que fez deles vítimas então.
Há 25 anos, extremistas do grupo étnico Hutu no Ruanda montaram uma operação de genocídio em que 800 mil pessoas foram mortas em 100 dias, rasgando ao meio este pequeno país da África ocidental (é 3,5 vezes mais pequeno que Portugal). Paul Kagame, o actual Presidente, desfia uma história do genocídio como uma espécie de mito fundador do país: os Hutu foram os assassinos e os Tutsi as vítimas, mas agora os ruandeses estão unidos, e as divisões são coisa do passado. Mas há uma etnia deixada de fora: os Twa.
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Há 25 anos, extremistas do grupo étnico Hutu no Ruanda montaram uma operação de genocídio em que 800 mil pessoas foram mortas em 100 dias, rasgando ao meio este pequeno país da África ocidental (é 3,5 vezes mais pequeno que Portugal). Paul Kagame, o actual Presidente, desfia uma história do genocídio como uma espécie de mito fundador do país: os Hutu foram os assassinos e os Tutsi as vítimas, mas agora os ruandeses estão unidos, e as divisões são coisa do passado. Mas há uma etnia deixada de fora: os Twa.
O grupo étnico mais pequeno do Ruanda, que proporcionalmente sofreu ainda mais mortes do que os tutsis, não pode assinalar o data do genocídio, nas muitas cerimónias previstas a partir desta semana, porque temem ser presos por promoverem “divisão étnica”.
Este medo radica nas leis postas em prática após o fim da guerra.
Em meados de 1994, um exército de tutsis, apoiado pelo Uganda, pôs fim pelas armas ao genocídio. O homem que liderava esse exército, Paul Kagame, lidera o Ruanda desde então. A fórmula de reconciliação nacional que aplicou, muitas vezes citada como exemplo, baseia-se na eliminação das etiquetas étnicas. Usar a designação do grupo étnico a que se pertence é agora classificado como um crime grave, que pode ser punido com pena de prisão efectiva.
A ausência de qualquer menção aos Twa nas evocações oficiais do genocídio durante o último quarto de século é uma demonstração da dureza com que é aplicada a visão estreita de Kagame do que foi o genocídio. Nas celebrações do 25.º aniversário, que começam este domingo e se prolongam durante 100 dias, os Twa estão mais uma vez ausentes.
“Ao lembrarmos o genocídio, lembramos apenas os tutsis”, disse Amani Ndahimana, um homem de 52 anos, que perdeu a maior parte da família. “Mas por que é que não posso falar em público sobre a minha família? Por que é que tenho de ir para a prisão por fazer luto pelos meus parentes?”, interroga.
Os mais pobres
Os Twa são o povo nativo do Ruanda e hoje representam apenas 1% da população, mas cerca de um terço da comunidade – pelo menos 10 mil pessoas – foram mortas durante o genocídio ruandês. Outro terço tornaram-se refugiados, diz Jerome Lewis, um antropólogo que fez censos dos Twa. “Só ficaram no Ruanda órfãos e velhotas”, disse Lewis. “Proporcionalmente, sofreram mais do que qualquer outro grupo. E, no entanto, não existe um único memorial em seu nome.”
O papel dos Twa no genocídio é complicado. Muitos viviam em povoações de maioria Tutsi e foram mortos juntamente com os seus vizinhos. Outros juntaram-se ao exército de Kagame, e suscitaram a fúria dos hutus. Outros ainda foram recrutados à força pela Interahamwe, a milícia Hutu responsável pela maior parte dos assassínios.
Desde sempre que os Twa foram o grupo mais pobre do Ruanda. Há apenas uma geração, eram caçadores-recolectores, que subsistiam a comer carne e mel nas florestas tropicais. Após a abertura dos parques nacionais, foram expulsos dos seus terrenos de caça tradicionais – mais de 90% não tem agora terra, dizem activistas Twa. Ainda que a economia do Ruanda seja das que mais rápido cresce em África, a maioria dos membros desta comunidade vive na mais profunda pobreza.
No distrito de Musanze, onde há ricas terras agrícolas, no sopé dos famosos vulcões do Ruanda, onde os seus antepassados antes caçavam, a comunidade Twa vive agora em casas de uma única divisão, construídas pela Cruz Vermelha. Vivem de colher o milho e as batatas que os seus vizinhos Hutu deixam cair por acidente nos seus campos. Alguns ganham uns tostões a carregar a bagagem dos turistas, alguns dançam nos hotéis por gorjetas e outros fazem cerâmica, embora vendam pouco.
Há muitos preconceitos contra os Twa e, em algumas partes do Ruanda, são uma espécie de intocáveis. Não lhes é permitido sequer usar os mesmos utensílios que as outras pessoas – estes preconceitos foram usados para justificar o assassínio dos Twa durante o genocídio, dizem os sobreviventes, e para lhes negar o pagamento de compensações depois, do fundo criado em 1998 pelo Governo para garantir educação, cuidados de saúde e emprego às vítimas.
Os Twa dizem que não conseguem aceder a nenhum deste dinheiro. “Quando tentamos concorrer ao fundo dos sobreviventes, dizem-nos que as nossas famílias devem ter sido mortas acidentalmente, porque o genocídio tinha por alvo apenas os Tutsi”, disse Shaban Munyarukundo, membro de um grupo de defesa dos direitos dos Twa. “Dizem que agora o Ruanda está unido, mas muitos ruandeses nem sequer nos vêem como seres humanos.”
Como a terminologia étnica foi proibida no Ruanda, os Twa nem sequer têm direito ao seu nome. São oficialmente conhecidos como “pessoas historicamente marginalizadas”. As leis contra a “divisão étnica” e a “ideologia do genocídio” têm sido usadas para prender opositores políticos de Kagame. No último ano, duas figuras importantes da oposição, Victoire Ingabire e Diane Rwigara, foram libertadas da prisão mas condenadas por “ideologia do genocídio”, por, entre outras coisas, terem dito que muitos hutus tinham também sido mortos pela milícia Interahamwe durante o genocídio.
O Presidente Kagame avisou as duas líderes da oposição que deviam ter cuidado com o que diziam. “Se não foram cuidadosas, podem acabar outra vez na prisão ou estendidas nas ruas. No Ruanda tal como é hoje aprendemos muito com a história. Se forem espertas, serão humildes, e vão cooperar”, afirmou.
Exclusivo PÚBLICO / Washington Post