Este mês, é preciso chover o dobro do normal para reverter situação de seca
Abril será “decisivo” para um Verão sem seca severa. A precipitação necessária para que tal aconteça só ocorreu em 20% dos meses de Abril desde 1931.
No Outono, temperaturas acima da média e precipitação normal; no Inverno, dias mais quentes do que o habitual para a época e muito pouca chuva (foi o 4.º Inverno mais seco dos últimos 18 anos). Foi assim que se chegou a Março com mais de um terço do território em situação de seca severa — nos distritos de Évora, Beja, Setúbal e Algarve — e quase metade em seca moderada. Agora, para reverter a situação, é preciso que chova o dobro do normal para o mês de Abril, algo que só aconteceu em 20% destes meses desde 1931.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
No Outono, temperaturas acima da média e precipitação normal; no Inverno, dias mais quentes do que o habitual para a época e muito pouca chuva (foi o 4.º Inverno mais seco dos últimos 18 anos). Foi assim que se chegou a Março com mais de um terço do território em situação de seca severa — nos distritos de Évora, Beja, Setúbal e Algarve — e quase metade em seca moderada. Agora, para reverter a situação, é preciso que chova o dobro do normal para o mês de Abril, algo que só aconteceu em 20% destes meses desde 1931.
As contas são de Vanda Pires, da Divisão de Clima e Alterações Climáticas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). “Neste momento, o mês de Abril é decisivo”, sublinha. “Se [os valores da precipitação] não forem superiores, a situação pode diminuir ligeiramente, mas não é suficiente para revertê-la por completo. Têm de ser acima do normal.”
“Se se verificarem estas quantidades [de precipitação], no Norte e Centro a situação [de seca] termina”, garante Vanda Pires. “No Sul não termina, mas melhora. Fica entre seca fraca a moderada.” O IPMA prevê chuva para os próximos dias e a 15 de Abril fará uma reavaliação da situação com os dados da primeira quinzena.
Mas não basta que chova. Há outra preocupação: “Até pode chover, mas se tivermos um mês com temperaturas muito altas, pode não ser o suficiente, uma vez que a evaporação é muito grande e não compensa”, explica Vanda Pires.
O cenário descrito pela especialista do IPMA é aquele que é necessário para reverter — e em alguns casos atenuar — a situação de seca. Para que o ano hidrológico (que vai de Setembro a Agosto) seja considerado “normal”, os números são outros. Filipe Duarte Santos, professor de Física na Universidade de Lisboa e especialista em alterações climáticas, explica que, em média, chovem entre 900 e 1000 milímetros (mm) por ano em Portugal. Entre Setembro de 2018 e Março de 2019, verificou-se um défice de cerca de 250 mm em relação à precipitação normal para este período. Nos meses que restam é normal que chovam cerca de 200 mm, pelo que, para reverter essa diferença e ficar com um ano que corresponda à média, seria preciso chover “mais do dobro”, conclui. Mas “é pouco provável” que tal aconteça.
A gravidade da situação já tinha sido notada pelo ministro da Agricultura, Capoulas Santos, depois de uma reunião da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca (que voltará a reunir a 30 de Abril). No final desse encontro, o responsável pela pasta da Agricultura anunciou a pré-contratação de camiões-cisterna para responder à eventual necessidade de abastecer aglomerados urbanos que estão dependentes de captações subterrâneas.
Outra das medidas tomadas no âmbito da actividade desta comissão foi a de fazer um levantamento das necessidades de investimento dos agricultores afectados pela seca. O anúncio foi feito na quinta-feira pelo Ministério da Agricultura, que diz que é “prematuro” falar nos apoios que resultarão deste levantamento antes de saber as necessidades reais de quem trabalha na agricultura.
Pouca água armazenada
A falta de chuva durante os últimos meses também já está a criar problemas na quantidade de água armazenada em albufeiras. Em dez das 60 estruturas espalhadas pelo país, o volume de água armazenado não chega a 40% da capacidade total — e é particularmente grave em Paradela (no Cávado) e em Monte da Rocha e Campilhas (ambas no Sado), onde a água armazenada não vai além dos 20%. Por outro lado, só em 14 albufeiras é que o volume de água ultrapassa os 80% da capacidade total. A bacia hidrográfica do Sado é, por enquanto, a única cuja disponibilidade hídrica está abaixo dos 50%, mostram os dados divulgados pela Agência Portuguesa do Ambiente.
A situação das albufeiras portuguesas é bem pior do que no mesmo mês do ano passado. Março de 2018 foi quatro vezes mais chuvoso do que o normal — o que permitiu que se saísse da situação de seca que assolava o país desde Abril de 2017 —, o que fez com que só três albufeiras estivessem a menos de 40% da capacidade total e metade tivesse mais de 80% do volume de água armazenado.
“Em Março [de 2019] choveu pouco em toda a Península Ibérica”, nota Filipe Duarte Santos. “Isto não é um problema só de Portugal. É de toda a Península Ibérica e do sul da Europa.” Por isso, o cenário nas albufeiras espanholas não é mais animador. “O ano já começou abaixo da média e não está a crescer”, refere. A 1 de Abril, a quantidade de água armazenada nas barragens espanholas correspondia a 57,8% da capacidade total. No ano passado, no mesmo período era 63,4% e a média dos últimos dez anos corresponde a 71,6%.
“Estamos a pisar terreno desconhecido”
Este início de Primavera está longe do desejado, mas já houve Marços piores. Em 1997, por exemplo, choveram 0,2 mm, quando o esperado para o mês ronda os 60 mm (média entre 1971 e 2000). O valor mais elevado dos últimos 89 anos registou-se em Março de 2001, quando a precipitação registada chegou aos 273,8 mm. No mês passado, não passou dos 45,3 mm. Quanto à temperatura, este Março foi o 23.º mais quente desde 1931.
O problema dos últimos anos é “o aumento do número e da intensidade dos fenómenos extremos, nomeadamente secas, inundações e temperaturas muito elevadas”, nota Vítor Louro, ex-presidente da Comissão Nacional do Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação e à Seca. Neste momento, “estamos a pisar terreno desconhecido”.
O que vai ficando claro, sublinha este especialista, é que “isto é muito complicado”. Enquanto sociedade, “não estamos preparados para esta situação, apesar de estar a evoluir no sentido em que já sabíamos que evoluiria”.