O brinde para os advogados do centrão
O desfecho da Comissão para o Reforço da Transparência é mais um exemplo dos “pactos de regime” que fazem mal à nossa democracia.
A Comissão para o Reforço da Transparência prometia durar pouco e fazer muito, mas parece que o resultado será exatamente o contrário. Está há quase três anos perdida em reuniões intermináveis e o resultado final está prestes a falhar no seu principal objetivo: garantir mais transparência à nossa democracia.
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A Comissão para o Reforço da Transparência prometia durar pouco e fazer muito, mas parece que o resultado será exatamente o contrário. Está há quase três anos perdida em reuniões intermináveis e o resultado final está prestes a falhar no seu principal objetivo: garantir mais transparência à nossa democracia.
Terminadas as votações na especialidade, podemos concluir que o PS não dispensou o PSD nas escolhas determinantes e as geometrias políticas variáveis foram construindo soluções à medida dos interesses do centrão. Foi isso que aconteceu ao fim de 1000 dias de funcionamento da comissão parlamentar, quando o PS deu o dito pelo não dito para se medir pela bitola do PSD. É mais um exemplo dos “pactos de regime” que fazem mal à nossa democracia.
O PS prometeu ao país um ataque aos privilégios de que os advogados gozam enquanto parlamentares. Propunham que fosse “vedado aos deputados integrar ou prestar quaisquer serviços a sociedades civis ou comerciais que desenvolvam” relacionamentos comerciais com o Estado. Esta proposta simplesmente aproximava os advogados das obrigações que já são aplicadas a deputados com interesses económicos em todos os outros setores de atividade económica. Por exemplo, um deputado que detenha uma papelaria não pode vender nem uma resma de papel a uma escola porque a lei o impede de “celebrar contratos com o Estado e outras pessoas coletivas de direito público, participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, empreitadas ou concessões”. Haver uma exceção para os advogados é realmente incompreensível.
Esta proposta do PS foi aprovada indiciariamente por PS, Bloco de Esquerda e PCP, tendo os votos contra de PSD e CDS. Parecia que tudo se alinhava para eliminar a exceção para os deputados advogados, mas foi sol de pouca dura. Na vigésima quinta hora, o PSD faz uma proposta de alteração oral para criar um alçapão na lei e o PS prontamente aceitou. E não foi um engano no calor das votações ou o acaso de só naquela hora final se encontrar a solução milagrosa que o PS procurava e o PSD achou. Como afirmou no PÚBLICO o deputado Pedro Delgado Alves, “a aprovação final dos diplomas correria riscos de não encontrar maioria se o PS não tivesse construído compromissos nalgumas áreas”. É um tiro no porta-aviões da defesa da igualdade entre deputados, consciente que mais uma vez se iria favorecer uma classe profissional: os advogados. É mais um “compromisso” do centrão.
A proposta aprovada por PSD e PS diz que fica “vedado aos deputados intervir em qualquer uma das atividades sejam desenvolvidas por sociedade civil ou comercial à qual preste serviços ou da qual sejam sócios” no relacionamento com o Estado. Fecha-se a porta de um gabinete para se abrir a porta do gabinete do lado, ficando o negócio dentro da mesma sociedade de advogados. O que fica pelo caminho é a separação do interesse público do interesse privado, bem como o fim das portas giratórias para os interesses económicos que parasitam a política.
A alteração que referi faz parte do diploma que altera o Estatuto dos Deputados, mas esse é apenas o mau desta triste história. O vilão é o diploma que pretende regulamentar o lobbying. O Bloco de Esquerda está contra esta iniciativa porque considera que a regulamentação do lobbying não responde a nenhum apelo de mais transparência, apenas cria uma nova área de negócio: a venda de serviços para influenciar decisores políticos. Mas até tomo como bom o que uma defensora da regulação do lobbying diz sobre a proposta cozinhada entre PS e CDS, com uma abstenção do PSD à medida do negócio: a vice-presidente da Transparência e Integridade pede que “Não façam nada. Chumbem esta proposta (...). Para mau já basta assim”. Não diria melhor.
O bom desta história é o novo regime de exercício de cargos públicos, que obriga a uma declaração única de património, rendimentos e interesses, entregando a fiscalização desta informação à Entidade para a Transparência, existindo na alçada do Tribunal Constitucional. Mas ainda falta a garantia que terá meios para fazer o seu trabalho. Contudo, é uma vitória de pirro dados os alçapões na lei que o centrão teima em manter.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico