Paz Ferreira diz que governos “deixaram correr” alertas e que BdP “sabia tudo”
O ex-presidente do conselho fiscal e da comissão de auditoria da Caixa diz que BdP “não ligou muito” aos relatórios que fez com alertas. Paz Ferreira revelou uma carta que enviou à administração na qual salientava problemas com empréstimos.
Tal como o anterior revisor oficial de contas (ROC) da Caixa Geral de Depósitos, também Eduardo Paz Ferreira, ex-presidente do Conselho Fiscal e da Comissão de Auditoria, que partilhava com o ROC a fiscalização das contas do banco público disse que fez avisos nos relatórios aos sucessivos governos “que deixavam correr”, ao Banco de Portugal que “sabia de tudo” e revelou ainda um pedido de explicações à administração da Caixa Geral de Depósitos sobre empréstimos com alguns problemas em 2008 e que, na volta do correio, a administração de Faria de Oliveira disse que estava a tratar do assunto e que não havia “qualquer tipo de incumprimento”. Sobre o seu papel, desabafou: “Não podia fazer mais do que fiz”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Tal como o anterior revisor oficial de contas (ROC) da Caixa Geral de Depósitos, também Eduardo Paz Ferreira, ex-presidente do Conselho Fiscal e da Comissão de Auditoria, que partilhava com o ROC a fiscalização das contas do banco público disse que fez avisos nos relatórios aos sucessivos governos “que deixavam correr”, ao Banco de Portugal que “sabia de tudo” e revelou ainda um pedido de explicações à administração da Caixa Geral de Depósitos sobre empréstimos com alguns problemas em 2008 e que, na volta do correio, a administração de Faria de Oliveira disse que estava a tratar do assunto e que não havia “qualquer tipo de incumprimento”. Sobre o seu papel, desabafou: “Não podia fazer mais do que fiz”.
O ex-fiscalizador das contas da CGD refere que o seu modelo de actuação era o de escrever os avisos nos relatórios que entregava aos accionistas (neste caso ao Ministério das Finanças) e que a opinião que tem era que os governos “teriam uma ideia de deixar correr a ser se se aguenta”, ou seja, deixavam correr os créditos problemáticos na esperança que se resolvessem. “Transmitimos essa realidade à tutela, para que avaliasse”, afirmou.
Mas, disse Paz Ferreira, não foi apenas o accionista a ter conhecimento do que se passava, também o supervisor estava a par. “O Banco de Portugal sabia de tudo”, referiu. Mais tarde, acabou a desabafar: "Não creio que o BdP tenha ligado muito a esses relatórios”.
No início da sua audição revelou que enviou uma carta a Faria de Oliveira, presidente da administração da CGD entre 2008 e 2011, no dia 26 de Maio de 2008, na qual “referia alguns casos”. Entre eles, respondeu ao deputado do PCP Duarte Alves, estavam alguns créditos com “taxa de cobertura inferior à contratada”, mas também “empréstimos que não mostravam amortizações desde a contratação” ou casos em que “não foi determinado sequer o rácio de cobertura”.
Na resposta a esta carta, Faria de Oliveira respondeu a dizer que em todas as situações estavam em curso procedimentos para “repor os níveis de garantia”. E referiu ainda que Faria de Oliveira lhe garantiu que em “nenhum dos casos” existia “qualquer tipo de incumprimento, de capital ou de juro”.
Esta era a situação em Junho, mas depois, desabafou, terá sido “pior”.
Aos deputados, Paz Ferreira explicou que fazia relatórios trimestrais que entregava à tutela, mas que, como o sistema bancário é muito complexo, os fiscalizadores “não podem ser bombeiros pirómanos”. Ou seja, os alertas eram dados, mas de modo a não criar alarme. E explicou ainda que “cabe ao conselho fiscal a fiscalização da legalidade e da regularidade, e não um controlo de mérito, ou seja, o conselho fiscal não aprecia a bondade das concretas operações à luz de critérios económicos e financeiros gerais”. “Não é uma fiscalização preventiva”, referiu.
Questionado pelo deputado comunista sobre se tinha detectado a existência de créditos concedidos contra o parecer do conselho de crédito, especificou que esse parecer “não é vinculativo” e que “é composto por quadros da empresa aos quais podem escapar considerações de ordem económica geral ou de ordem política, na medida que sejam legítimas, que podem levar a que o conselho de administração tenha uma interpretação diferente”, defendeu.
Sobre a sua avaliação enquanto fiscal nas contas da CGD, Paz Ferreira referiu aos deputados que foram identificadas “150 deficiências” entre elas 49 sobre sistema de risco. “Não podia fazer mais do que fiz”, disse em resposta ao deputado do PSD Virgílio Macedo. Referiu que fez avisos nos relatórios e que entrou em conversa com a administração sobre alguns casos, nomeadamente os identificados na carta que revelou. “Não podia a cada operação levantar uma dúvida sistemática”, referiu. “O modelo não é falar, é enviar relatórios”, referiu numa troca azeda com o deputado social-democrata.
Esta situação permitiu a Paz Ferreira criticar o relatório da Ernst&Young. Disse o antigo presidente do conselho fiscal que a empresa que fez a auditoria à gestão da CGD entre 2000 e 2015 não falou com os auditores nem com revisores oficiais de contas, nem com o conselho fiscal. “Se queria uma auditoria sólida, deveria ter conversado”, disse, recusando a acusação do relatório de que o conselho fiscal não reconheceu nenhum risco. Já esta terça-feira, o revisor oficial de contas tinha referido que a EY não tinha questionado os fiscais das contas da CGD para a elaboração do documento.
À imagem do que outros responsáveis pela Caixa Geral de Depósitos disseram na comissão de inquérito, Paz Ferreira também aos deputados que não esqueçam o contexto. “É muito fácil dizermos hoje que correu mal, mas na altura não era fácil. Não nos podemos esquecer que muitos daqueles anos foram anos de euforia na banca em que os bancos corriam atrás de clientes. Muitas vezes corriam mal”, disse.
Já sobre a recapitalização ocorrida em 2016, Paz Ferreira considerou que esta foi muito acima do que era suposto, uma ideia que já terça-feira tinha sido deixada pelo revisor oficial de contas. Para o ex-presidente do Conselho Fiscal, a “recapitalização foi muito acima” por exigência da DG Comp (a direcção da concorrência da União Europeia) para “criar condições para que a CGD passasse a ter uma situação boa e apresentar lucros. As imparidades da CGD estariam muito longe dos cinco mil milhões”, disse.
"Desejo-lhes muita sorte"
Paz Ferreira falou directamente sobre alguns dos créditos em causa, nomeadamente os créditos a Joe Berardo, Goes Ferreira e Investifino, que tinham acções do BCP como colateral, apesar de, referiu, estes créditos terem sido concedidos antes da sua entrada na CGD, nos anos de 2005, 2006 e 2007. Questionado pela deputada bloquista Mariana Mortágua sobre o caso de Joe Berardo, Paz Ferreira disse que na sua opinião “não é uma operação que se deva fazer”. Para o fiscal, será muito difícil executar as garantias desses créditos. “Desejo-lhes muita sorte”, disse, referindo-se à tentativa da nova administração da CGD de rever algum dinheiro.
Também a deputada do CDS, Ana Rita Bessa, questionou sobre casos específicos, nomeadamente o caso da Artlant, o projecto da La Seda para Sines que foi financiado pela Caixa. Para Paz Ferreira a sentença é clara: foi um negócio “desastrado e que faz algum dó que tenha acontecido”.