Cavaco critica “opções erradas do Governo” na despesa e nos impostos
Ex-Presidente da República atribui degradação do Serviço Nacional de Saúde à descida do IVA na restauração
O ex-Presidente da República Cavaco Silva aproveitou a apresentação de um livro sobre finanças públicas para atacar a política do Governo quer na despesa quer no sistema fiscal que se tornou “caótico”. Cavaco Silva não falou nas relações familiares no executivo, mas criticou os jobs for the boys. E não apontou o dedo só ao PS, mas também ao BE e PCP que têm discursos “enganadores” de defesa dos mais desfavorecidos. A apresentação do livro “A reforma das Finanças Públicas em Portugal”, de Joaquim Miranda Sarmento, foi o pretexto que juntou à mesma mesa o ex-chefe de Estado e o líder do PSD, Rui Rio, em Lisboa.
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O ex-Presidente da República Cavaco Silva aproveitou a apresentação de um livro sobre finanças públicas para atacar a política do Governo quer na despesa quer no sistema fiscal que se tornou “caótico”. Cavaco Silva não falou nas relações familiares no executivo, mas criticou os jobs for the boys. E não apontou o dedo só ao PS, mas também ao BE e PCP que têm discursos “enganadores” de defesa dos mais desfavorecidos. A apresentação do livro “A reforma das Finanças Públicas em Portugal”, de Joaquim Miranda Sarmento, foi o pretexto que juntou à mesma mesa o ex-chefe de Estado e o líder do PSD, Rui Rio, em Lisboa.
Apesar de ter a preocupação de assinalar que já se referiu, nos seus livros, a vários aspectos negativos da política do actual Governo – “não tem novidade” –, Cavaco Silva acusou o executivo de ter tornado o sistema fiscal português num sistema “caótico” de cobrança de impostos, marcado pela “arbitrariedade” e “iniquidade”. Exemplo de uma medida “errada e injusta”: a redução do IVA na restauração. “Não posso deixar de ligar a perda de receita [por via desta medida] à perda de qualidade do Serviço Nacional de Saúde. Está a ser pago [na pele] pelos utentes do SNS, sob a forma de degradação do SNS, que não dispõem de recursos para recorrer a privados. A esta profunda injustiça está associada a redução do horário de trabalho de 40 para 35 horas”, afirmou, acrescentando que a degradação dos serviços de saúde reflecte medidas “profundamente erradas e provavelmente eleitoralistas”.
Cavaco Silva deu ainda um picante político ao seu discurso ao apontar o dedo à esquerda do PS. Lembrou que as medidas foram aprovadas por BE e PCP, partidos que, nos seus discursos, saem em defesa dos mais vulneráveis. “Só se deixa enganar quem quer ser enganado”, disse o economista na sala do hotel onde decorreu a apresentação do livro e onde estavam vários ex-ministros das Finanças como Eduardo Catroga, Maria Luís Albuquerque e a antiga ministra da Saúde Leonor Beleza.
O ex-chefe de Estado contesta ainda a afirmação do Governo de que não há dinheiro para tudo. “O debate não é sobre se não há dinheiro para tudo, é sobre onde o Estado deve gastá-lo”, defendeu, apontando as “opções erradas na despesa pública e impostos como algumas das razões” que levam a que Portugal esteja a ser “ultrapassado” no crescimento económico por países do centro e Leste europeu. Países como Chipre e Irlanda, que também tiveram programas de assistência financeira, “têm previsões de crescimento económico superiores” ao de Portugal. E, por isso, deixa um aviso em jeito de pergunta: “Porque é que Portugal está a cair para a lanterna vermelha? Esta é a questão que devia dominar a classe política. Mas querem esconder. Porquê?”.
Entre os alertas que deixou na sua intervenção, Cavaco Silva referiu-se à “tentação do poder em controlar a CRESAP [Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública]” e defendeu a necessidade de que “volte a ser respeitada”. “A prática de jobs for the boys é muito negativa para o país”, disse, referindo que já tinha classificado essas situações como “indecorosas” no livro Quinta-feira e outros dias.
Cavaco Silva defendeu uma discussão “séria” sobre o nível de impostos, “alguns disfarçados de taxas e derramas”, e a necessidade “urgente” de dotar o país de um “sistema fiscal equitativo, simples e estável”. Sobre a discussão em torno do saldo orçamental, leia-se do défice, o antigo chefe de Estado assume ficar surpreendido com esse debate cinco anos depois do fim do programa assistência financeira. “Não faz qualquer sentido que o saldo das contas públicas seja um tema dominante da política orçamental portuguesa”, disse, considerando que se trata de “esconder o que é realmente importante”. A consolidação das finanças públicas, defendeu, devia ser alvo de um consenso político. Mas a “crispação” social e política – a que o actual Presidente da República se tem esforçado para dizer que já não existe – não o permite.
Rio saúda primeiro-ministro
A ideia de que o país não deveria discutir o saldo orçamental foi depois retomada por Rui Rio e com a sua concordância. O líder do PSD voltou a defender que Portugal deveria trabalhar para ter superavit nas contas nos ciclos em que a economia está em alta. Sobre o sistema fiscal, Rio também disse concordar com Cavaco Silva: “Está uma confusão”. Mais do que concordar, o líder do PSD até saúda o primeiro-ministro por assumir que não vai reduzir os impostos.
“O primeiro-ministro - devia saudá-lo pela clareza – disse não reduzir [a carga fiscal], e eu suspeito que sobe. Eu não a subo e tudo farei para a descer”, disse, reiterando uma ideia que expressou nos últimos dias.