A vida e a música de Lou Reed alojadas na Biblioteca Pública de Nova Iorque

Os arquivos do músico foram adquiridos pela instituição há dois anos e agora passou a estar disponível uma gigantesca colecção que inclui gravações, vídeos, cadernos de poesia ou facturas, muitas facturas da vida na estrada.

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Lou Reed não deixou quaisquer indicações quanto ao destino a dar a todo aquele material. Limitou-se a passá-lo para as mãos de Laurie Anderson, a música e artista que foi sua companheira até ao final da vida. Quando a morte chegou, a 27 de Outubro de 2013, tinha Reed 71 anos, Anderson não sabia o que fazer de toda papelada e de todas as gravações, confessa agora. Mais: deparar-se com a verdadeira dimensão da colecção do autor de Vicious foi como se “um edifício de 15 andares” lhe caísse em cima, confessou à New Yorker. Laurie Anderson acabou por descobrir o que fazer de tudo aquilo que o metódico arquivista Lou Reed, assim o descobrimos agora, preservou ao longo de décadas. Está desde este mês disponível na Biblioteca Pública de Nova Iorque para as Artes Performativas, na Lincoln Center Plaza. “Quando morrem e entram na história, muitas pessoas são transformadas num cliché”, disse Laurie Anderson ao Guardian. “Com este arquivo, podemos entrar directamente no mundo do Lou”.

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Lou Reed não deixou quaisquer indicações quanto ao destino a dar a todo aquele material. Limitou-se a passá-lo para as mãos de Laurie Anderson, a música e artista que foi sua companheira até ao final da vida. Quando a morte chegou, a 27 de Outubro de 2013, tinha Reed 71 anos, Anderson não sabia o que fazer de toda papelada e de todas as gravações, confessa agora. Mais: deparar-se com a verdadeira dimensão da colecção do autor de Vicious foi como se “um edifício de 15 andares” lhe caísse em cima, confessou à New Yorker. Laurie Anderson acabou por descobrir o que fazer de tudo aquilo que o metódico arquivista Lou Reed, assim o descobrimos agora, preservou ao longo de décadas. Está desde este mês disponível na Biblioteca Pública de Nova Iorque para as Artes Performativas, na Lincoln Center Plaza. “Quando morrem e entram na história, muitas pessoas são transformadas num cliché”, disse Laurie Anderson ao Guardian. “Com este arquivo, podemos entrar directamente no mundo do Lou”.

É uma colecção monumental e detalhada, que inclui preciosidades como gravações de concertos, maquetes de canções e itens curiosos como listas de restaurantes preferidos ou os recibos das despesas nas digressões dos anos 1970, isto para além dos cadernos de poesia ou as muitas fotografias que Lou Reed registou ao longo da vida. Dispostos em linha, os objectos que compõem a colecção atingem os 90 metros de comprimento, lia-se num comunicado da biblioteca, que detalhava a existência de aproximadamente 3600 gravações áudio e 1300 gravações vídeo.

Na colecção estão contemplados todos os aspectos da vida de Lou Reed enquanto músico, escritor, fotógrafo e, não esquecer, praticante de tai-chi (uma carta confirma a compra das cinzas de dois monges Taoistas do fim do século XVII). Uma vida que se desvela desde a sua banda na escola secundária, The Shades, em 1958, passando pelo trabalho como compositor na Pickwick Records, pelos Velvet Underground e pela carreira a solo que, em palco, terminou em 2013 (os concertos da última digressão estão nos arquivos).

Para Laurie Anderson, era importante que os arquivos se mantivessem em Nova Iorque, e especificamente na biblioteca da cidade, de que Reed era frequentador. “Enquanto pessoa e artista, era uma figura quintessencial de Nova Iorque e o seu trabalho continua a influenciar a cidade de alguma forma”, afirmou ao Guardian Jonathan Haim, um dos responsáveis pela colecção na biblioteca. A escolha da instituição que adquiriu formalmente a colecção em 2017, decorreu também do desejo de Laurie Anderson de que todo aquele material não tivesse acesso reservado a investigadores. “Não interessa quem sejas, podes ouvir tudo. É esse o espírito disto. Pertence a todos”, declarou.

Qualquer pessoa com um cartão da biblioteca poderá então entrar no edifício da Lincoln Center Plaza e procurar Lou Reed. Poderão descobrir uma balada de protesto à Bob Dylan, muito distante do cânone Reed, gravada numa demo caseira de 1971 e reconhecer nela um esqueleto de Kill your sons, do seu álbum de 1974, Sally Can’t Dance. Poderão bisbilhotar o seu caderno de contactos com números de telefone de Peter Gabriel, Allen Ginsberg e Brian Eno, ou seguir o itinerário detalhado da sua vida na estrada nos anos 1970 e 1990. Poderão ouvir e ver concertos e perceber a metodologia do seu pensamento enquanto músico, através das notas relativas às sessões de gravação. Daqui a algum tempo, poderá até ser desvendado o mistério: o que estará na bobine de fita que Lou Reed endereçou a si próprio em 1965? Dizem os arquivistas que poderá estar ali a primeira gravação de sempre dos Velvet Underground mas, por agora, a caixa mantém-se fechada à espera de ser tratada adequadamente – há 600 horas de áudio que ainda não foram catalogadas. Um dia saberemos que tesouro está ali escondido.

Por agora, além de tudo o que descrevemos, um frequentador da biblioteca nova-iorquina pode ler uma nota manuscrita pelo velho companheiro de banda, John Cale, referida na supracitada reportagem da New Yorker. “Por respeito ao nosso passado (tanto glorioso como infame)”, começa a missiva de que Cale fez acompanhar duas cópias da sua autobiografia, What’s Welsh for Zen, publicada em 1999. Terminava assim: “Espero que te propicie, no mínimo, um vago sorriso entretido. Afinal de contas, foi mesmo uma diversão escandalosa, não foi?”. Quase imaginamos o tal sorriso discreto a abrir-se no rosto de Lou Reed.