May chama Corbyn para pedirem juntos novo adiamento do “Brexit”
Primeira-ministra britânica quer discutir com o trabalhista a relação futura entre Reino Unido e UE e arranjar apoio para apresentar aos 27 o adiamento “mais curto possível” da saída.
“Vou tomar medidas para desbloquear o impasse”. Foi desta forma assertiva que Theresa May anunciou, ao fim de sete longas horas de Conselho de Ministros, o que entende ser a solução para resolver as várias indefinições que o Parlamento britânico somou nos últimos dias ao infinito processo do “Brexit”: chamar Jeremy Corbyn para, juntos, encontrarem uma forma de explicar à União Europeia que é necessário adiar novamente a saída do Reino Unido, agendada para o dia 12. Mas só por mais uns meses.
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“Vou tomar medidas para desbloquear o impasse”. Foi desta forma assertiva que Theresa May anunciou, ao fim de sete longas horas de Conselho de Ministros, o que entende ser a solução para resolver as várias indefinições que o Parlamento britânico somou nos últimos dias ao infinito processo do “Brexit”: chamar Jeremy Corbyn para, juntos, encontrarem uma forma de explicar à União Europeia que é necessário adiar novamente a saída do Reino Unido, agendada para o dia 12. Mas só por mais uns meses.
Na ressaca de mais uma noite interminável de votações na Câmara dos Comuns em Westminster, cujo desfecho foi o mesmo que tinha sido na semana anterior – todas as alternativas ao acordo do “Brexit” da primeira-ministra foram chumbadas –, May falou esta terça-feira ao país para assumir ser necessária nova prorrogação do divórcio, até ao dia 22 de Maio.
“Apesar dos melhores esforços dos deputados, o processo que a Câmara dos Comuns tentou liderar não trouxe uma resposta. Por isso, proponho sentar-me com o líder da oposição para tentarmos acordar um plano que ambos possamos apoiar e que garanta que saímos da União Europeia com um acordo”, afirmou a líder do executivo, que disse ainda querer apresentar os referidos planos no Conselho Europeu extraordinário da próxima semana.
Tal como em encontros anteriores com o líder do Partido Trabalhista, também desta vez May não abdica de condicionar as discussões ao “actual acordo de saída” – chumbado três vezes na Câmara dos Comuns, sempre com votos contra do Labour –, que “a UE já disse repetidamente que não poderá ser reaberto”.
A novidade da proposta da primeira-ministra é, no entanto, a aparente abertura para negociar com Corbyn uma “abordagem para a relação futura” entre Londres e Bruxelas. Se isso significa que está disposta a virar a sua atenção para a permanência do Reino Unido numa união aduaneira com a UE – uma das suas linhas vermelhas de sempre –, só os próximos dias o poderão revelar.
Certo é que a estratégia da primeira-ministra não reuniu o consenso em Downing Street e deixou a ala eurocéptica do partido descontente com o protagonismo oferecido a Corbyn. Uma fonte do Governo disse à BBC que pelo menos 14 ministros levantaram dúvidas ou disseram estar contra novo adiamento da saída. Para os descontentes, a estratégia deveria ser forçar os deputados a aprovar o acordo que existe ou a preparar-se para uma saída sem acordo.
Os planos de May não se esgotam, porém, no desfecho bem-sucedido das conversas de Corbyn. Numa jogada que pode ser entendida como uma tentativa de amarrar (e responsabilizar) o líder trabalhista ao futuro do “Brexit”, a primeira-ministra prometeu passar a bola aos deputados, em caso de fracasso das conversas, e aceitar o seu veredicto. Mas com condições.
“Se não acordarmos uma abordagem única [para o ‘Brexit’], iremos acordar várias opções para a relação futura, que possamos apresentar à Câmara dos Comuns, numa série de votações que determinem que caminho devemos seguir. O Governo estará preparado para acatar a decisão do Parlamento, mas para que o processo funcione, a oposição deve aceitar também o fazer”, propôs May.
E Corbyn aceitou conversar: “Vamos reunir-nos com a primeira-ministra. Reconhecemos que deu um passo e eu reconheço as minhas responsabilidades de representar as pessoas que apoiaram o Labour nas últimas eleições”.
Primeiro o acordo, diz UE
Na cimeira europeia do final de Março os 27 aceitaram o adiamento do “Brexit” até ao dia 22, mas apenas se May conseguisse fazer aprovar o seu acordo até ao final da semana passada. Não o fazendo, a saída sem acordo no dia 12 é o cenário em cima da mesa, pela força automática da lei.
Mas segundo o negociador da UE para o “Brexit”, Michel Barnier, se Londres decidisse mudar as suas linhas vermelhas relativas à eventual constituição de uma união aduaneira ou mesmo à participação no mercado único, Bruxelas não teria qualquer dificuldade em rever o texto da declaração política que acompanha o acordo de saída e fixa as bases do relacionamento futuro entre os blocos.
“Do nosso lado, sempre dissemos que podíamos aceitar uma união aduaneira ou um esquema semelhante ao modelo da Noruega. Aliás, tal como está, a declaração política já pode acomodar estas opções”, apontou o diplomata, numa intervenção no European Policy Centre de Bruxelas.
Barnier até sugeriu que esse esforço de revisão poderia concluir-se rapidamente, pois não requereria mais do que “algumas horas” em vez de dias “dias” de negociações. Mas para esse trabalho avançar, frisou, “será fundamental que os princípios fundamentais da UE sejam respeitados”.
E um desses princípios tem a ver com a sequência das negociações. Só depois de resolvido o divórcio é que podem começar as conversas sobre a relação futura. O que quer dizer, recordou Barnier, que se Londres não aprovar o acordo de saída, só lhe restam duas opções: conformar-se com um “Brexit” sem acordo, ou apoiar um pedido para uma extensão mais longa do artigo 50.º do Tratado de Lisboa. “Escolher entre estas duas opções é agora a responsabilidade do Governo do Reino Unido”, vincou.
Deputados não desarmam
A reunião extraordinária do Conselho de Ministros desta terça-feira foi agendada por May depois da rejeição dos quatro cenários alternativos ao acordo do Governo na Câmara dos Comuns, que incluíam duas propostas para um “Brexit” mais suave.
Mas o relógio não pára e por isso os deputados continuam a movimentar-se para evitar a todo o custo uma saída sem acordo. Apoiado na emenda que deu à Câmara dos Comuns o poder de definir e controlar determinados pontos da agenda parlamentar, um grupo de deputados está reunir adeptos em volta de uma proposta de lei, apresentada pela trabalhista Yvette Cooper e pelo conservador Oliver Letwin para travar o no-deal.
A proposta deverá ser discutida e votada na quarta-feira e pretende transformar em legislação a obrigatoriedade de o Governo requerer à UE um adiamento da aplicação do artigo 50.º. Dessa forma, entende Cooper, garante-se que a saída sem acordo deixa de ser o cenário por defeito, se não for acordado nenhum outro, que decorre da legislação britânica actual.
“Entrámos agora numa situação realmente perigosa, com um risco sério e crescente de um no-deal daqui a dez dias. A primeira-ministra tem a responsabilidade de impedir que isto aconteça”, defendeu a trabalhista. “Se o Governo não actuar com urgência, então o Parlamento tem a responsabilidade de tentar garantir que o faça, mesmo estando já muito próximos do prazo final”.
Mas tal posição, mesmo sobre forma de lei, dependerá sempre da boa vontade de Bruxelas. Os 27 condicionam novo adiamento do “Brexit” à participação do Reino Unido nas eleições para o Parlamento Europeu, que se iniciam a 23 de Maio. E mesmo essa possibilidade não está garantida. No final de uma reunião, em Paris, o primeiro-ministro irlandês Leo Varadkar e o Presidente francês Emmanuel Macron insistiram que um novo adiamento da saída tem de ser sustentado por um plano concreto.
“Uma prorrogação longa, que envolva a participação do Reino Undo nas eleições e nas instituições europeias estão longe de ser evidente e certamente que não deve ser tomada como garantida”, afiançou Macron. “Não podemos passar os próximos meses a tentar discutir, uma vez mais, quais os termos do nosso divórcio, e a lidar com o passado”.
O chefe de Estado francês atribuiu ainda aos britânicos a eventualidade de um cenário de no-deal. “Caso o Reino Unido se mostre incapaz de, três anos depois do referendo, propor uma solução que tenha o apoio da maioria [dos deputados], então é porque escolheu para si a saída sem acordo”, atirou. “Nós não podemos evitar esse fracasso por eles”.
Com Rita Siza, Bruxelas