Cambridge: a “fábrica” dos exames de inglês está cada vez mais tecnológica

A Cambridge Assessment English prima pelo rigor na elaboração e avaliação dos seus exames de Inglês, feitos em todo o mundo. O desafio está agora em acompanhar os novos tempos.

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Há um armazém que parece uma caixa forte. Na verdade há um segundo armazém que é uma réplica do primeiro para activar em caso de emergência, caso algo aconteça ao primeiro. Há equipas que preparam exames e testes minuciosamente, o seu trabalho pode levar até dois anos a ver a luz do dia. Há outras equipas que pensam em novas ferramentas online. Sim, porque o trabalho da Cambridge Assessment English (CAE), a instituição ligada à Universidade de Cambridge que prepara e leva os exames de língua inglesa a mais de 170 países, está também a ganhar nova vida na certificação à distância.

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Há um armazém que parece uma caixa forte. Na verdade há um segundo armazém que é uma réplica do primeiro para activar em caso de emergência, caso algo aconteça ao primeiro. Há equipas que preparam exames e testes minuciosamente, o seu trabalho pode levar até dois anos a ver a luz do dia. Há outras equipas que pensam em novas ferramentas online. Sim, porque o trabalho da Cambridge Assessment English (CAE), a instituição ligada à Universidade de Cambridge que prepara e leva os exames de língua inglesa a mais de 170 países, está também a ganhar nova vida na certificação à distância.

O primeiro exame feito pela CAE foi em 1858. Então, prolongou-se por vários dias. Hoje os exames continuam a demorar algumas horas; e entre o momento em que são respondidos nas escolas ou centros de línguas, a ida para Cambridge (vão fisicamente para o Reino Unido) para serem avaliados e o lançamento da nota demora algumas semanas. Agora, há uma forma alternativa e mais rápida para aferir conhecimentos e foi desenhada a pensar não só no ensino, mas também nas empresas. Chama-se Linguaskill.

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O armazém onde funciona a gráfica que imprime os exames e todos os materiais ligados aos mesmos, além de os distribuir pelo mundo

Quando um anúncio de emprego pede alguém “fluente em inglês” o que é que isso significa? A resposta pode estar num nível de inglês que se obtém depois de fazer aulas numa escola ou num centro de línguas; mas também num exame que se faz online. Este novo método foi apresentado recentemente em Lisboa e, em Portugal, a TAP já começou a usar o Linguaskill, além de existirem várias empresas, assim como instituições de ensino superior que estão “muito interessadas”, informa Luísa Geão, directora da CAE em Portugal.

Lá fora, a Air France está prestes a começar e há ainda organizações governamentais no Médio Oriente e na América do Sul que já estão a aplicar esta ferramenta na admissão ou mesmo na formação dos seus trabalhadores. Trata-se de um teste online que, em duas horas e meia, avalia as competências em língua inglesa – produção e compreensão oral e escrita – e cujos resultados são conhecidos em 48 horas.

“É ideal para quem se quer candidatar a um trabalho e provar o seu nível de inglês”, elucida Luísa Geão. Por exemplo, na TAP este programa está a ser usado para recrutar, mas também para verificar o nível de inglês de quem já ali trabalha e propor-lhes novas formações, explica Elisabete Vilafanha, responsável pela Universidade TAP, a área na empresa adstrita à formação. “O programa foi muito bem recebido, foi entendido como uma mais-valia e permite rentabilizar melhor o tempo. Além de ser um método mais transparente e mais rigoroso”, resume a dirigente que, desde Novembro, em média, faz cerca de meia centena de exames por semana.

A questão da “transparência” e do “rigor” é importante para Vilafanha que explica que o resultado do teste não se fica pelo nível de inglês do candidato, mas que é detalhado – permitindo perceber os pontos fortes e fracos de cada um dos candidatos e identificando quais são as áreas que tem de trabalhar mais. Estes resultados individuais podem ser comparados num grupo, possibilitando, por exemplo, ordenar os examinandos segundo o seu nível de língua.

Numa universidade, este teste pode servir para admissão dos alunos para um mestrado ou doutoramento onde o inglês seja necessário; noutra instituição pode ajudar à progressão na carreira, ilustra Luísa Geão, dando o exemplo de Espanha onde se fazem os exames de Cambridge na função pública. Por cá, o programa INOV Contacto vai passar a aceitar candidatos que tenham feito esta prova.

Testado e experimentado

“Esta é uma ferramenta que pode ser usada por toda a gente e, por essa razão é que é poderosa”, declara Mainda Kiwelu, directora de produto e responsável pelo Linguaskill. Sentada numa sala de reuniões nas recentes instalações do CAE em Cambridge – um edifício moderno onde trabalham várias centenas de pessoas, todas elas dedicadas à produção de exames e à avaliação da língua inglesa – Kiwelu refere que esta proposta é mais do que um teste pois permite também progredir na aprendizagem do idioma. Como? É o algoritmo que se adapta a quem está a fazer o teste. Em termos práticos, se errar uma pergunta, a próxima será de um nível inferior; se acertar então “poderá subir de nível”, explica a responsável.

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The Triangle é onde são as novas instalações da CAE que estava espalhada por 11 edifícios em Cambridge

“É um produto flexível que pode ser usado em qualquer país. Só é preciso um computador e um par de headsets”, resume Kiwelu, acrescentando que está a ser aplicado em campos de refugiados pelo Serviço Jesuíta aos Refugiados para ajudar os deslocados a conseguir uma certificação de maneira a que, no futuro, consigam ter mais competências para obter trabalho.

Cambridge tem essa tradição. Por exemplo, durante a Segunda Guerra muitos estrangeiros encontraram refúgio no Reino Unido porque tinham certificados desta universidade, conta Luísa Geão. “O exame pode ser para conseguir um trabalho ou para ter um visto para entrar num país”, completa Marian Dawson, gestora do departamento de avaliação da CAE, responsável pela realização das provas escritas e orais.

Antes de chegar ao mercado, o Linguaskill foi testado e experimentado por pessoas de diferentes pontos do mundo por causa das marcas de oralidade, para que ninguém seja prejudicado no teste oral devido ao seu sotaque, acrescenta Yamuna Winge, gestora de marketing deste produto, lembrando ainda que as pessoas com necessidades educativas especiais também não foram esquecidas.

O mesmo acontece com os tradicionais exames escritos, aponta Marian Dawson. Há todo um protocolo para candidatos a exames que tenham algum tipo de deficiência, por exemplo para os cegos, prevendo ao pormenor momentos como a ida à casa de banho, de maneira a que em nenhuma altura possam copiar – isso seria comprometer o exame, explica.

Dawson dá outros exemplos de um trabalho que não começou agora, mas tem uma tradição de centena de anos, como a linguagem usada nos exames. Quais são as palavras mais adequadas a cada nível, os temas sobre os quais se podem fazer perguntas – alguns são evitados, uma vez que os testes chegam a candidatos com culturas e costumes diferentes. “É preciso respeitar todos os que os fazem”, justifica. Anualmente são realizados mais de cinco milhões de exames – das crianças aos adultos.

“As perguntas têm de ser precisas e claras, não podemos construir perguntas que sejam ardilosas. Esta semana discutíamos um ponto parágrafo [numa prova]”, exemplifica Dawson com um ar sério, reforçando como tudo é visto ao pormenor. Um exame pode demorar dois anos a ser elaborado, revisto e impresso, até ser posto à frente de um aluno. É visto e revisto por dezenas de colaboradores. Há um “trabalho silencioso”, classifica Luísa Geão.

De colete fluorescente e sem telemóvel

Depois de as provas serem feitas no centro de Cambridge seguem em malas fechadas a cadeado para o DC10, o tal armazém a meia hora do centro da cidade universitária. Ali, o PÚBLICO testemunha todas as medidas de segurança que envolvem o processo. Os telemóveis estão interditos para que não haja a tentação de filmar ou fotografar o que se passa lá dentro. De colete amarelo fluorescente vestido e de cartão com identificação ao pescoço, somos convidados a entrar por uma porta estreita e pesada, por onde passa apenas uma pessoa de cada vez. Estamos no rés-do-chão, rodeados por estantes gigantescas, com caixas cheias de exames.

No 1.º andar funciona a gráfica da Canon, onde os exames – quer os internacionais como os nacionais – são impressos e descem num elevador completamente fechado para o rés-do-chão onde são expedidos para todo o mundo. Há pilhas com os nomes dos países, do México à Coreia do Sul passando pela Namíbia. Os exames têm códigos de barra, um diferente por prova, cada um com o nome do examinando para que não haja dúvidas. As distribuidoras DHL e UPS estão dentro do DC10 e as portas do armazém por onde saem os camiões em direcção aos aeroportos são duplas, ou seja, abre uma e entra o camião e só depois de essa fechar é que abre a seguinte, explica Rosemarie, a funcionária responsável pela visita do PÚBLICO.  

É ao DC10 que regressam as provas depois de respondidas no Botswana, em França ou nas Bahamas; e os códigos de barras são confirmados. São fotografadas – por ano podem ser feitas mais de 30 milhões de imagens – e enviadas para os professores correctores. Também é ali que são impressos os certificados. O software usado é o mesmo que para as notas bancárias e são usadas marcas de água – não é raro, Cambridge ser confrontada com certificados falsos pelos quais os interessados pagam muito já que estes poderão abrir-lhes as portas de um emprego ou de uma universidade, explica Luísa Geão.

Os jogos e Cristina Ferreira

Os certificados são personalizados com o nome dos examinandos e depois enviados para os diferentes países. Quem o recebeu em mão e em Cambridge foi Cristina Ferreira, a apresentadora que decidiu um dia aprender inglês, fazer o exame e publicar um livro com o seu professor Jonathan Munro.

Este foi um passo inédito para a CAE que nunca tinha embarcado na aventura de se associar a uma figura pública para promover o inglês. Mas a proposta de Luísa Geão, que levou algum tempo a ser aprovada, foi acolhida e os responsáveis britânicos ficaram surpresos com o sucesso da apresentadora portuguesa.

Tom Booth, do departamento de digital e de desenvolvimento de novos produtos, fala com entusiasmo do Quiz Your English – uma aplicação que é um jogo onde se pode exercitar a gramática e o vocabulário a sós ou com outro jogador, que já tem mais de 533 mil jogadores no mundo e foi usado mais de 6,6 milhões de vezes. “Estamos a desenvolver outros produtos, a perceber como é que as pessoas estão a aprender e a explorar essas necessidades”, explica.

O Test Your English é outra ferramenta desenvolvida pela equipa de Booth, um teste online e gratuito, que permite perceber em que nível o interessado se encontra. No dia em que Cristina Ferreira publicou nas suas redes sociais este teste, em Cambridge sentiu-se o impacto. Booth conta que a procura desse teste aumentou e milhares estavam a fazê-lo. Esta foi uma experiência que permitiu à secular instituição perceber que através de personalidades como a apresentadora pode chegar a mais gente. “Com o projecto com Cristina Ferreira queríamos transmitir a ideia de que qualquer pessoa pode aprender e melhorar o seu inglês. Uma pessoa como a Cristina mostra que estamos com toda a gente”, conclui Luísa Geão.

O PÚBLICO viajou a convite da Cambridge Assessment English