A mentira do fim do princípio da unanimidade em matéria fiscal
Na União Europeia, muito se tem falado da necessidade de acabar com o princípio da unanimidade, na tomada de decisão do Conselho da União Europeia em matéria fiscal. De forma não inocente, acena-se com o combate à fraude e à evasão fiscal para justificar o fim deste princípio. Mas na verdade, estamos perante uma falácia. Desde logo porque esta abordagem visa esconder, não só o fracasso da UE no combate à evasão e elisão fiscais, mas até o papel que esta tem tido ao longo dos anos na promoção de tais práticas. O fim do princípio da unanimidade, não só nada resolveria em matéria de combate à evasão e elisão fiscal, como contribuiria para aprofundar ainda mais a vertente federalista da UE, por via da expropriação da soberania dos Estados, desta vez, em matéria fiscal.
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Na União Europeia, muito se tem falado da necessidade de acabar com o princípio da unanimidade, na tomada de decisão do Conselho da União Europeia em matéria fiscal. De forma não inocente, acena-se com o combate à fraude e à evasão fiscal para justificar o fim deste princípio. Mas na verdade, estamos perante uma falácia. Desde logo porque esta abordagem visa esconder, não só o fracasso da UE no combate à evasão e elisão fiscais, mas até o papel que esta tem tido ao longo dos anos na promoção de tais práticas. O fim do princípio da unanimidade, não só nada resolveria em matéria de combate à evasão e elisão fiscal, como contribuiria para aprofundar ainda mais a vertente federalista da UE, por via da expropriação da soberania dos Estados, desta vez, em matéria fiscal.
Vejamos. A falácia consiste num raciocínio incorreto, mas travestido de uma lógica de aparência justa. Como há países que se opõe a avanços em matéria de tributação das grandes empresas – pois ostentam regimes fiscais ditos mais favoráveis – então, a solução passaria pela imposição da vontade de uns Estados sobre outros, quebrando o princípio da unanimidade e passando por cima da soberania dos Estados. Estamos em crer que, a ir por diante tal ideia, a única coisa absolutamente garantida seria a perda de soberania, pois quanto ao resto as políticas da UE falam por si…
Falácia também porque, quer no plano nacional, quer no plano da UE, estamos longe, muito longe de esgotar todas as formas de combate à evasão e elisão fiscal, sendo que esse combate não passa necessariamente e só pela harmonização fiscal. Recorde-se o reforço das autoridades tributárias de âmbito nacional, limitações à “livre” circulação de capitais, assumpção do princípio de que os lucros devem/têm de ser tributados no local/país onde são gerados, aprofundamento da troca de informações entre Estados (autoridades tributárias, bancos centrais, etc), o combate ao chamado planeamento fiscal agressivo, assente na manipulação abusiva dos preços de transferência. A evasão e elisão fiscais combatem-se com uma efectiva lista de paraísos fiscais, que permita a cada Estado realizar retenções na fonte quando existem suspeitas de deslocalização de lucros para jurisdições fiscalmente mais atrativas. Estas são algumas das pistas que podem e deveriam ser seguidas. Não deixa de ser curioso aliás verificar que, há poucos dias, o Conselho da UE votou por unanimidade contra a lista de “paraísos fiscais”, para efeito de branqueamento de capitais.
Para o PCP, a soberania fiscal, domínio que vai ao âmago da soberania dos Estados, é da maior importância e Portugal não pode nem deve ceder aqui um milímetro nesta matéria. Abrir aqui um precedente, seria permitir que fossem outros a decidir da nossa moldura fiscal e, em última análise, do tipo de Estado que queremos manter ou construir.
Não nos custa reconhecer no entanto que o sucesso de algumas medidas, como, por exemplo, o desmantelamento dos paraísos fiscais, dependente também do grau de cooperação internacional que se conseguir atingir. Mas isso não pode servir de pretexto para adiar perpetuamente medidas de tributação adequada do grande capital ao nível nacional, não pode servir para se colocar a fasquia da cooperação internacional tão “alta” que essa tributação nunca se venha a concretizar.
Aqueles que não querem que o grande capital seja tributado de forma adequada, mas não ousam defender essa posição abertamente, encontram refúgio na exigência da articulação internacional, de preferência tão ampla e tão profunda que seja virtualmente impossível de a alcançar. Com este discurso hipócrita vão adiando as soluções, ao mesmo tempo que parecem estar empenhados na resolução dos problemas.
A busca de cooperação com outros países, em particular, no âmbito da UE ou da OCDE, não deve atrasar a adopção de medidas no plano nacional. Portugal deve ter um papel activo no plano internacional, contribuindo empenhadamente para a construção de soluções para a eliminação dos paraísos fiscais e para o aprofundamento do combate à elisão fiscal praticada por grandes empresas, em particular, empresas multinacionais. Mas, simultaneamente, deve, a nível interno, adoptar medidas que contribuam para uma tributação mais adequada do grande capital, incluindo dos gigantes do sector digital, que estão a servir de pretexto para mais este ataque à nossa soberania.