Quando Jacinda Ardern abraça na Nova Zelândia abraça o mundo?

A primeira-ministra neozelandesa é um caso de popularidade. A forma como encarou os ataques terroristas de 15 de Março — apoiando sempre a comunidade muçulmana e rejeitando nomear sequer o atacante — valeram-lhe muitos elogios. “A América merece um líder tão bom quanto Jacinda Ardern”, suspira o New York Times num editorial.

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Reuters/EDGAR SU

Passaram duas semanas desde que um homem australiano entrou a matar em duas mesquitas em Christchurch, Nova Zelândia, filmando e transmitindo em directo todos os seus passos. Para os neozelandeses, chegou a hora de prestar homenagem às vítimas. Para a primeira-ministra, Jacinda Ardern, é hora de reforçar um pedido, já antes repetido: o da recusa da violência e do ódio.

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Passaram duas semanas desde que um homem australiano entrou a matar em duas mesquitas em Christchurch, Nova Zelândia, filmando e transmitindo em directo todos os seus passos. Para os neozelandeses, chegou a hora de prestar homenagem às vítimas. Para a primeira-ministra, Jacinda Ardern, é hora de reforçar um pedido, já antes repetido: o da recusa da violência e do ódio.

Ainda nesta sexta-feira, mais de 20 mil pessoas encheram o parque Hagley —​ perto da mesquita de Al Noor, um dos palcos do ataque onde morreram mais de 40 pessoas —​ para a homenagem das 50 vítimas do ataque terrorista. Entre os oradores estava Jacinda Ardern, que discursou com um manto maori aos ombros e foi recebida com uma ovação de pé.

“Nas últimas duas semanas, temos ouvido as histórias dos que foram impactados por este ataque. São histórias de coragem”, disse Ardern. “Estas histórias são agora parte da nossa memória colectiva. Vão continuar connosco para sempre. Elas são nós.”

“A violência e o extremismo em todas as suas formas não são bem-vindos aqui. Ao longo das duas últimas semanas, mostramos, vocês mostraram-no, nas vossas acções”, continuou. “Não estamos imunes aos vírus do ódio, do medo, dos outros. Nunca estivemos (...) Mas podemos ser a nação que descobre a cura.”

Nas fotografias deste momento, vêem-se mulheres com véus a tapar o cabelo, símbolo de apoio à comunidade muçulmana. Repetem o que Jacinda Ardern fez, um dia após o ataque, num encontro com vários líderes religiosos muçulmanos e apesar de ser agnóstica. Por seu lado, estas imagens — onde se vislumbra o carinho e a intensidade dos abraços de Ardern — percorreram o mundo e fizeram dela um dos melhores exemplos de liderança a nível internacional, num país a braços com as consequências de um ataque terrorista inédito. Na imprensa, fora e dentro do país, choveram elogios.

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Dois exemplos. “A primeira-ministra da Nova Zelândia faz com que a brecha de empatia de Trump pareça um desfiladeiro”, comparou-se no Washington Post. “Estou cheio de admiração pelo tipo de amor que demonstrou, que corre por tudo o que ela fez, que é precisamente o tipo de amor que aprendi a valorizar”, escreveu o professor de antropologia Ghassan Hage sobre Jacinda Ardern, numa crónica no The Guardian.

Mas o New York Times vai mais longe e escreve em editorial que “a América merece um líder tão bom quanto Jacinda Ardern”. E justifica: “Ardern anunciou a interdição de todas as armas de estilo militar, de todas as armas automáticas”. “Esta atitude contrasta com a forma como a National Rifle Association e os seus aliados políticos nos Estados Unidos resistiram a quaisquer proibições de armas como as AR-15, um tipo de arma semi-automática usada em vários ataques em massa.”

Como resultado do ataque e tal como havia prometido, Jacinda Ardern teve mão firme na alteração da legislação de acesso às armas. Foi, também, a primeira a designar aquele acto de violência como um “atentado terrorista”. Colocou-se ao lado da comunidade muçulmana desde o primeiro momento: na primeira vez que se dirigiu ao país, recusou a alteridade da comunidade muçulmana: “Eles são nós”, repetiu incessantemente. Uns dias depois, recusou-se a pronunciar o nome do atacante, por respeito às famílias das vítimas e por recusar tudo o que esse atacante representava: “Ele é um terrorista, um criminoso, um extremista, mas quando eu falar, ele não terá nome. E imploro-vos: falem dos nomes dos que perderam a vida em vez do homem que as levou. Ele pode ter procurado notoriedade, mas na Nova Zelândia não lhe vamos dar nada — nem mesmo o nome”, disse Ardern durante o seu primeiro discurso no Parlamento após o atentado.

A líder mais jovem do mundo

Jacinda Ardern é um nome que aparece em várias listas por várias razões. Começando pelas mais óbvias: é a actual primeira-ministra num dos países que mais mulheres teve a chefiar o executivo contando com ela, foram três e é uma das líderes mais jovens da história da Nova Zelândia e do mundo.

Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade de Waikato, com especialidade em relações públicas, Ardern assume-se como progressista de esquerda e revelou o seu carisma desde cedo. A sua ascensão relativamente rápida e a sua facilidade em chegar a compromissos e acordos com outras figuras políticas fez nascer um fenómeno conhecido como “jacindamania”.

Chegou ao cargo de primeira-ministra em Setembro de 2017, poucas semanas depois de ser eleita líder dos trabalhistas neo-zelandeses — a mais nova de sempre e a segunda mulher a ocupar este cargo no partido —, numa altura em que ainda era incerto que o partido conseguisse uma coligação para governar e ainda menos uma maioria.

Em 26 dias, sob a orientação de Ardern, os trabalhistas conseguiram chegar a um acordo com o Nova Zelândia Primeiro, partido conservador que segue, na forma e na essência, o discurso de Donald Trump nos EUA. Reduzir a imigração e aumentar as penas eram apenas dois dos pontos do seu programa. Apesar de parecer uma escolha incongruente com a linha dos trabalhistas (e de Ardern), note-se que este não é um cenário inédito na Nova Zelândia, onde as coligações são regra desse 1990.

Assim que chegou ao poder, Jacinda Ardern apostou em políticas que facilitassem o acesso à educação, como a gratuitidade do primeiro ano de ensino superior. Como medida de compromisso, e acedendo à vontade do parceiro de coligação, anunciou também a intenção de suspender a venda de casas a estrangeiros.

Apesar disso, Ardern sempre adoptou uma postura de aceitação de imigrantes contrastando com a outros líderes, como Donald Trump, que fez da promessa de construção de um muro com o México uma das bases da sua campanha.

A reputação progressista não se fica pelas questões de imigração. As políticas económicas do seu governo foram as primeiras a focar-se mais no “bem-estar nacional” do que no mero crescimento: promovem a diminuição da disparidade social, criação de empregos e protecção do ambiente. No último orçamento, a prioridade esteve na redução da pobreza infantil, na saúde mental e na transição para uma economia de baixo carbono.

Maternidade: o elefante na sala

Jacinda Ardern foi a primeira líder mundial, em quase 30 anos, a engravidar e dar à luz enquanto estava no poder. Mas antes de anunciar que iria ser mãe, a incompatibilidade da maternidade com o cargo de primeira-ministra, líder partidária e deputada surgia como uma questão fracturante: por várias vezes Ardern foi questionada se tencionava ser mãe, com a justificação de que a Nova Zelândia merecia saber e existia a possibilidade de a potencial futura primeira-ministra tirar uma licença de maternidade.

Quando anunciou a gravidez, em 2018, esclareceu de imediato que iria ser “primeira-ministra e mãe” e que seria o seu namorado, Clarke Gayford, apresentador televisivo de um programa de pesca, quem ficaria em casa com o bebé. “Não sou a primeira mulher a trabalhar e a ter um bebé”, disse na época.

Mas nem quando ficou grávida as perguntas incómodas cessaram. Numa grande entrevista, dada depois do anúncio, o jornalista preferiu descurar as perguntas centradas na política e focou-se apenas na sua vida pessoal e na gravidez — perguntando, até qual foi o momento da concepção do bebé.

Pouco depois do nascimento da filha, Neve, Jacinda levou-a a uma reunião da Assembleia-Geral nas Nações Unidas, em Setembro de 2018. Foi a primeira líder a levar uma criança para a sede das Nações Unidas e as imagens de mãe e filha percorreram o mundo. Em declarações à CNN depois da sua intervenção na reunião, Ardern admitiu que queria “normalizar” a ideia de que há mães trabalhadoras e descreveu a Nova Zelândia como sendo “incrivelmente progressiva”.