Ler Por Aí… Um café onde se viaja o mundo através dos livros
O site Ler Por Aí tem agora um espaço físico nos Anjos, em Lisboa. Um café-livraria onde se viaja o mundo no conforto de um livro, de um petisco ou copo de vinho.
Quando Margarida Branco se pôs a pesquisar sobre a Normandia e a Bretanha para uma viagem, encontrou guias de tudo – o que visitar e fazer, onde comer, beber, dormir. E ler? Por mais que perguntasse à web, a resposta era um vazio de referências. Foi isso que despoletou a ideia, 13 anos atrás: criar um guia de viagens literário, um mapa onde os alfinetes apontam livros, uma geografia com sugestões de leitura. Para viajar o mundo sem sair do sofá. Ou traçar o próximo itinerário nos passos de enredos e personagens.
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Quando Margarida Branco se pôs a pesquisar sobre a Normandia e a Bretanha para uma viagem, encontrou guias de tudo – o que visitar e fazer, onde comer, beber, dormir. E ler? Por mais que perguntasse à web, a resposta era um vazio de referências. Foi isso que despoletou a ideia, 13 anos atrás: criar um guia de viagens literário, um mapa onde os alfinetes apontam livros, uma geografia com sugestões de leitura. Para viajar o mundo sem sair do sofá. Ou traçar o próximo itinerário nos passos de enredos e personagens.
O site – que Margarida apelidou de Ler Por Aí – nasceu em 2006. Vieram depois os jantares e as tertúlias em espaços alheios, já em parceria com Luís Serpa. Agora os mundos da literatura ganham casa própria, no ventre da Rua Jacinta Marto, cave tranquila no buliço dos Anjos. “Andava a ver espaços há seis meses e quando marquei este, senti-me estranha, muito nervosa.” Entrou e emocionou-se. Para a atmosfera que queria criar pouco faltava.
Pintaram-se paredes – de oceano os livros, de branco os encontros. Arrumaram-se mesas e cadeiras, compraram-se souvenirs, encomendaram-se livros e livros. Das viagens de Luís Serpa, responsável pela programação e ementa, vieram as cartas náuticas que protegem as mesas e pontuam um ou outro recanto. O Ler Por Aí…Café abriu portas a 21 de Março, Dia Mundial da Poesia.
O balcão à entrada convida a pegar logo num copo de vinho ou petisco antes de explorar o resto da casa: a zona da livraria já se vê cá de cima, a sala de estar esconde-se atrás do corredor. As prateleiras vão-se compondo de livros. Há mais em caixas, outros por chegar. Quando estiver tudo arrumado, vai ser possível viajar de dedo nas lombadas pelos cinco continentes, ordenados por países ou regiões; atravessar oceanos – não fosse Luís marinheiro profissional há 43 anos; e aterrar, até, em destinos imaginários. Como as Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, ou A Praia Roubada, de Joanne Harris (Foi o leitor que pediu uma sugestão da Bretanha? A ilha não existe no mapa, mas a “linguagem exuberantemente sensorial” transporta-nos para os areais da região francesa, descrevia Margarida Branco no site).
“Não queremos que esta seja uma livraria de viagens. É uma livraria de lugares”, define a proprietária, que abandonou a área financeira para “fazer finalmente o que gostava”. Por isso, não há guias. Apenas histórias passadas em determinadas geografias, inspiradas ou não em viagens, paisagens reais ou ficcionadas.
Todos os meses, é escolhido um livro e é ele que ordena quase toda a programação. Até ao final de Abril está em destaque Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto. Por isso, o jantar literário do mês (dia 26 de Abril) acompanha a viagem do cronista: as entradas são portuguesas (onde nasceu e de onde partiu Fernão Mendes Pinto), o prato principal vem de Goa (“a base dele a Oriente”) e a sobremesa termina no Japão (“um dos pontos altos do livro e da vida dele”, onde encontra São Francisco Xavier).
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Na agenda, há sempre uma apresentação fotográfica com ligações ao tema do livro (desta vez, uma reportagem fotográfica em Diu, dia 17) e convidados que vêm falar sobre a vivência naquelas geografias (“De onde sou” está marcado para dia 10). Há um exemplar que troca de mãos todas as semanas para formar uma “Sagrada família” do livro do mês. E a obra é ponto de partida para o clube de conversação portuguesa para estrangeiros, que decorre todos os sábados de manhã.
Depois, há karaoke de leituras e um atelier semanal para aprender a ler em voz alta. A ideia, conta Luís, é “ter alguma coisa todas as semanas”. Em Maio, as agulhas apontam ao continente americano, com o livro Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas, de Robert M. Pirsig. E em Junho, mês de Lisboa, há Requiem, de António Tabucchi.
O conceito geográfico do espaço começa na literatura, continua na programação e termina na comida e na bebida. A carta promete uma colecção bem-humorada de destinos. La bourlinge, à table, s'il vous plaît! De Itália, chegam ao prato beringelas assadas e bruschettas. Da Grécia, tzatziki, dolmadas e taramasalat. De França, tapenade. Há hummus, falafel, guacamole e bratwurst. E de Espanha chegam “bons ventos”, shots de queijo, tortilhas, fuet e sobreasada.
Quanto aos vinhos, a viagem faz-se sobretudo pelas regiões portuguesas, sempre a garrafa (só há uma referência a copo na carta). Mas também se bebe “d’além mar” (Cava, da Catalunha) e “d’além terra” (Tokai, Hungria). E vinhos da Grécia e do Chile. “A escolha não é muito vasta mas de qualidade”, promete Luís. “Fui privilegiar as regiões que conheço relativamente bem, como o Mediterrâneo e a América Latina.”
Mas a carta não está fechada. “É apenas um ponto de partida.” Como quase tudo no novo café dos Anjos. E já se rascunham novos capítulos. A ideia passa por “expandir para fora desta casa”, antecipa Margarida. Voltar a organizar passeios literários por Lisboa, fazer viagens de cruzeiro inspiradas em livros, aumentar o leque de visitas possíveis aos produtores que alimentam a ementa. “Ponha um livro debaixo do braço e venha connosco”, propõem. Porque a literatura pode ser ponto de partida a tantas e tamanhas viagens. Não fosse la bourling” o lema da casa, a arte da errância, do viajante solitário que vai por aí.