Aos 87 anos, João Gilberto ainda luta pelos direitos das músicas da bossa nova — venceu mais uma batalha
Nova decisão judicial pode tornar próximo o fim um processo de mais de 20 anos por quase 40 milhões de euros em royalties que lhe são devidos desde 1964.
A balada de João Gilberto, autor da batida de violão que deu o som à bossa nova, continua a correr no Brasil, onde esta semana o Tribunal do Rio de Janeiro deu razão ao músico no longo processo que o opõe à editora dos seus primeiros álbuns e a quem exige o pagamento de direitos de autor que rondam os 39,2 milhões de euros. Isolado e sem dar concertos há anos mas rodeado de dívidas, o pai da bossa está ainda refém do recurso que a editora Universal pode apresentar junto do Supremo Tribunal Federal.
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A balada de João Gilberto, autor da batida de violão que deu o som à bossa nova, continua a correr no Brasil, onde esta semana o Tribunal do Rio de Janeiro deu razão ao músico no longo processo que o opõe à editora dos seus primeiros álbuns e a quem exige o pagamento de direitos de autor que rondam os 39,2 milhões de euros. Isolado e sem dar concertos há anos mas rodeado de dívidas, o pai da bossa está ainda refém do recurso que a editora Universal pode apresentar junto do Supremo Tribunal Federal.
Em causa estão os royalties de Chega de Saudade (1959), O Amor, o Sorriso e a Flor (1960) e João Gilberto (1961), os três primeiros discos do músico que começou a gravar os temas que seriam o dealbar do movimento bossa nova logo em 1958 e que incluíam Bim Bom, Chega de Saudade - aquela música escrita por Tom Jobim e letrada por Vinicius de Moraes e que fez parar os ouvidos de quem a ouvia pela primeira vez no trânsito, numa casa ou numa rua brasileira e é considerada a primeira gravação do movimento bossa nova — mas também, mais tarde, Samba de uma Nota Só ou Corcovado. O processo arrasta-se há décadas e visava inicialmente (em 1997) a editora EMI, que foi entretanto absorvida pela Universal, e diz respeito aos direitos de autor dos três trabalhos que não são pagos desde 1964.
Numa primeira fase, em 2012, a justiça deu razão a João Gilberto e determinou que a EMI, que na altura da decisão já integrava o património da Universal, pagasse os milhões devidos ao cantautor. A dívida diria portanto respeito à Universal. Mas a editora, explicaram nos últimos dias os jornais Folha de São Paulo e El País, ficou apenas com o património dos registos musicais e a Sony, outro gigante da edição, ficou com os direitos autorais a seu cargo, uma manobra que a defesa de João Gilberto considerou ser uma estratégia para impedir o pagamento das dívidas anteriores.
Agora, a nova decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que foi tomada por unanimidade pelos juízes, obriga ao pagamento do montante que, em 2012, era estimado em 173 milhões de reais (39,2 milhões de euros no câmbio actual). A decisão pode ainda ser alvo de recurso por parte da Universal Music e esses milhões não beneficiarão exclusivamente João Gilberto, hoje um octogenário fragilizado na saúde e na exposição pública. A edição brasileira do diário espanhol El País conta que o Banco Opportunity receberá metade dos royalties conquistados na eventual vitória judicial depois de ter adiantado 10 milhões ao músico para o representar nesta batalha legal.
João Gilberto, por seu turno, tem 87 anos e no ano passado, em pleno 60.º aniversário do movimento bossa nova, foi obrigado a deixar o seu apartamento de sempre no Leblon, no Rio de Janeiro, por pagamentos em atraso nas rendas. Nos últimos anos, relações amorosas conturbadas e relatos públicos do seu crescente isolamento juntaram-se à tentativa da filha, a cantora Bebel Gilberto, de o interditar judicialmente por considerar que não estava capaz de autonomia e gestão das suas finanças.
Cantor, guitarrista, perfeccionista: João Gilberto é uma lenda viva da música brasileira e um dos grandes nomes da história da música mundial do século XX, lugar conquistado desde que pediu, quando em estúdio para gravar Chega de Saudade, um microfone para si, para a sua voz suave e encantória, e outro para o seu violão. “O samba-canção já produzira muitas canções que antecipavam a bossa nova. Só faltava a batida revolucionária do João”, resume à BBC o jornalista e escritor Nelson Motta.