2019, ano da segunda ressurreição dos Ornatos Violeta

Pela segunda vez, o grupo renasce nos palcos, desta vez em comemoração dos 20 anos de O Monstro Precisa de Amigos. Pela música e pelo dinheiro que não viram na altura.

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Manel Cruz e os Ornato Violeta... NELSON GARRIDO

Após os sete concertos nos Coliseus de Lisboa, Porto e Micaelense, em Outubro e Novembro de 2012, mais o extra da actuação no Festival de Paredes de Coura desse mesmo ano, Manel Cruz conveceu-se de que a história dos Ornatos Violeta ficara enterrada em definitivo. Até porque, ao contrário do que receara, a experiência de voltar a partilhar palcos com Peixe, Nuno Prata, Elísio Donas e Kinörm tinha sido “uma coisa tão mágica e tão incrível” que, depois disso, só podia correr um genérico final e o assunto ficar arrumado. Só que o fenómeno em torno da banda tinha crescido de uma forma tão desmedida desde que tinham decidido separar-se dez anos antes que, ao invés de ficar saciada a sede por um regresso provisório, os convites não pararam de chegar para que repetissem a dose.

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Após os sete concertos nos Coliseus de Lisboa, Porto e Micaelense, em Outubro e Novembro de 2012, mais o extra da actuação no Festival de Paredes de Coura desse mesmo ano, Manel Cruz conveceu-se de que a história dos Ornatos Violeta ficara enterrada em definitivo. Até porque, ao contrário do que receara, a experiência de voltar a partilhar palcos com Peixe, Nuno Prata, Elísio Donas e Kinörm tinha sido “uma coisa tão mágica e tão incrível” que, depois disso, só podia correr um genérico final e o assunto ficar arrumado. Só que o fenómeno em torno da banda tinha crescido de uma forma tão desmedida desde que tinham decidido separar-se dez anos antes que, ao invés de ficar saciada a sede por um regresso provisório, os convites não pararam de chegar para que repetissem a dose.

“Eu gostava de voltar a tocar com vocês, o guito fazia-me um jeito do carago, mas não estou a ver forma de isto ser possível, porque depois daquela magia toda que aconteceu vai sempre ficar aquém”, dizia Manel Cruz aos restantes elementos. Tal como eles lhe diziam também a si e entre eles. Até que lhes tocaram num ponto fraco: em 2019 cumprem-se 20 anos sobre a edição de O Monstro Precisa de Amigos. “Esse é o disco que ainda me dá tacho tocar”, justifica o músico. Lançado na ressaca de OK Computer, dos Radiohead, O Monstro acrescentava ambição e sofisticação épicas a uns Ornatos que antes, com o óptimo Cão!, eram feitos de uma matéria mais indefinida, cruzando rock, funk, ska e uma poética do desejo de acordo com uma estética mais impura. O Monstro incluía ainda parcerias com o crooner à portuguesa Victor Espadinha e o herói do grupo, Gordon Gano (de uns Violent Femmes que sempre foram assumidos como uma das referências primordiais da banda portuense).

“Dá um tacho enorme tocar com eles porque temos algo que nunca mais se vai repetir”, acredita Manel Cruz. “Não digo que não vou estabelecer ligações fortes com outros músicos, mas a ligação a eles é uma coisa primária, sei tudo o que eles vão fazer, é algo inexplicável. Tem muito menos que ver com música e muito mais com cumplicidade.” Na circunstância em que vão ressuscitar Monstro para três concertos em festivais (Alive, Algés, 11 de Julho; Marés Vivas, Gaia, 20 de Julho; Festival F, Faro, 6 de Setembro), conta também que os cinco não vão ter de voltar a “tocar aquelas músicas todos os dias”. “Não tocaria aquilo para sempre. Se os Ornatos voltassem um dia teria de ser com música nova.”

Desta vez, confessa Manel Cruz, contou muito o facto de 2012 ter corrido tão bem e também, é inegável, “a questão financeira”. E se o vocalista chegou a ficar apreensivo com a imagem que poderia passar pelo peso que o dinheiro terá tido na decisão, depois decidiu não se martirizar com as opiniões de terceiros. E apresenta a seguinte queixa: “Encara-se sempre os artistas como uma espécie de Messias e de ‘Buraco Negro da Porcalhota’ — temos de absorver todo o lixo da sociedade e sermos impolutos, representativos de um ideal.” Ou seja, sempre disponíveis para serem explorados e tidos como pecadores se caírem no “erro” de serem bem pagos para fazerem algo com que sentem não trair as suas opções.

Manel Cruz vai atrás, como que invocando uma justiça desfasada no tempo: “Fizemos um trabalho do carago, nunca vimos cheta desta merda, o contrato que fizemos na altura com a Universal era assassino, o dinheiro dos discos foi sempre irrisório e saímos antes do grande sucesso. De repente, juntamo-nos e conseguimos encher Coliseus com uma banda que acabou com uma aceitação incrível e com histórias inacreditáveis que nos comovem e não posso tocar para ganhar dinheiro? Estou a fazer algum frete? Não, estou a tocar com os meus amigos, uma amizade que protegemos no momento em que era lixado proteger e em que toda a gente nos queria convencer a não acabarmos.”

À distância, no entanto, este ressurgimento parece ter data para terminar — ao contrário do que Manel sente acontecer com os Pluto, banda que formou com Peixe depois dos Ornatos, “um caso que não terminou” e uma história “mal resolvida”. Mas e se nos ensaios para os festivais deste Verão aparecer alguma música nova? “Tenho muito medo de que isso possa acontecer porque sei como é”, admite. “Quando se faz música é como se se fivesse filhos. Uma coisa é abortar na primeira semana, outra é ao fim de uns meses. E disso tenho bastante receio.”